A
globalização, acompanhada da liberalização das contas de capital
nos países
emergentes e da desregulamentação financeira nas economias
centrais, provocou
uma verdadeira revolução na estrutura financeira, produtiva e
empresarial. Esse
movimento impulsionou a metástase manufatureira da grande
empresa americana,
europeia e japonesa para as regiões em que prevalecem baixos
salários, câmbio
desvalorizado e alta produtividade do trabalho.
Em estudo
publicado em 2015, o Parlamento Europeu reconheceu o declínio da
contribuição
relativa da indústria na economia europeia, que perdeu um terço
da sua base nos
últimos 40 anos: "Essa 'desindustrialização', um processo também
presente
em outras economias desenvolvidas, é em parte devida à ascensão
da manufatura
em outras partes do mundo (notadamente China) e à realocação dos
trabalhos
intensivos em mão de obra para países com custos trabalhistas e
cadeias de
fornecimento globais com fornecedores localizados fora da União
Europeia".
Em
resposta a esse declínio, a Comissão Europeia definiu como meta
que em 2020 a
manufatura deverá representar 20% do valor agregado na União
Europeia, adotando
como estratégia ajudar todos os setores industriais a explorarem
novas
tecnologias e manejarem a transição para o sistema industrial
inteligente, a
Indústria 4.0.
Comissão
Europeia definiu como meta que em 2020 a manufatura deverá
representar 20% do
valor agregado na UE
Também
conhecida como a Internet Industrial das Coisas, a potencial
"nova
revolução industrial" incorpora a aprendizagem das máquinas e
tecnologia
de big data; a comunicação de máquina para máquina (M2M);
tecnologias de
automação; a aplicação de tecnologia da informação e comunicação
(ICT) para
digitalizar informação e integrar sistemas em todos os estágios
de produção
(inclusive logística e fornecedores), tanto dentro quanto fora
da planta; sistemas
cyber-físicos que usam ICT para monitorar e controlar processos
com sensores
incorporados; robôs inteligentes que podem se auto configurar
para adequação ao
produto; impressoras 3D; redes de comunicação sem fio e internet
que servem
máquinas conectadas; simulação, modelagem e virtualização no
design de produtos
e processos de manufatura; coleta e análise de uma vasta
quantidade de dados,
imediatamente no chão de fábrica ou por meio de análise de big
data e
computação na nuvem.
Máquinas
inteligentes, mais precisas que humanos em capturar e comunicar
dados,
possibilitam às empresas a identificação antecipada de
ineficiências e
problemas, poupando tempo e dinheiro, com grande controle de
qualidade, redução
de perdas, rastreabilidade e supervisão da eficiência da cadeia
de
fornecedores.
As
plantas eletrônicas da Siemens Electronics em Amberg (Alemanha)
produzem
Controles Logísticos Programáveis no estado da arte das fábricas
inteligentes,
onde a gerência de produção, manufatura e sistemas de automação
estão
integrados. Máquinas inteligentes coordenam a produção e
distribuição de 950
produtos como mais de 50 mil variantes, pelas quais
aproximadamente 10 mil
materiais são localizados em 250 fornecedores. Pela conexão de
máquinas
inteligentes com componentes que captam dados, os ciclos de
inovação são
encurtados, e a produtividade e qualidade são majoradas. A
planta de Amberg
registra apenas 12 defeitos por milhão (contra 500 em 1989), uma
confiabilidade
de 99%.
Algumas
companhias são capazes de configurar fábricas sem luzes ou
calefação, onde
robôs automatizados produzem. Na Holanda a Philips produz
barbeadores elétricos
em uma "fábrica escura" com 128 robôs e apenas 9 trabalhadores.
Buscando
também restaurar a prominência da sua indústria, os Estados
Unidos
estabeleceram uma Rede Nacional para Inovação na Manufatura,
batizada de
Manufacturing USA, com sede no National Institute of Standards
and Technology,
no Departamento de Comércio.
O
escritório opera em parceria com o Departamento de Defesa, o
Departamento de
Energia, a Nasa, a Fundação Nacional de Ciência, o Departamento
de Educação e o
Departamento de Agricultura.
Nos
últimos quatro anos do programa foram criados ou anunciados nove
institutos de
inovação em manufatura, com mais seis planejados para 2017.
Esses institutos
são parcerias público-privadas, cada um com seu distinto foco
tecnológico. O
programa europeu, batizado de "Factories of the Future", também
usa o
modelo de parceria público-privada (PPP).
A
Indústria 4.0 se insere na estratégia dessas regiões de
realocação do eixo
industrial, como explicita o Parlamento Europeu: "A localização
de algumas
indústrias poderá estar mais próxima do cliente: se a manufatura
é largamente
automatizada, ela não necessita mais ser "off-shored" ou alocada
em
países distantes com baixo custo de mão de obra (e altos custos
de transporte).
Companhias europeias podem decidir retornar sua manufatura para
a Europa
('re-shore') ".
Ao
analisar a chamada quarta revolução industrial, a revista Forbes
externou
preocupação com os efeitos da substituição de trabalhadores em
um vasto
espectro de indústrias. A estimativa é que 47% dos empregos
americanos estejam
ameaçados pela automação. Especialistas sugerem especial
prejuízo aos mais
pobres, especialmente pelo desaparecimento dos trabalhos de
baixa qualificação
e salário.
As
economias centrais se contorcem nas angústias da ruptura do
circuito de
formação do emprego e da renda. Em seu formato "fordista" esse
circuito era ativado pela demanda de crédito para financiar o
gasto dos empresários
confiantes nos efeitos recíprocos da expansão da renda no
conjunto de
atividades que se desenvolviam nos espaços nacionais, a partir
da generalização
dos métodos de produção industriais que invadem os serviços e a
agricultura.
Na
culminância de seu desenvolvimento, o progresso capitalista
gerou de suas
entranhas tecnológicas os traumas e oportunidades da
hiperindustrialização 4.0.
Esse momento renova desafios das sociedades modernas: como as
instituições
humanas vão responder às forças sistêmicas transformadoras da
vida. As revistas
Forbes e The Economist debatem as consequências da nova
revolução industrial.
Em uma das mãos ela oferece as promessas da abundância e do
tempo livre; na
outra, ameaça com a precarização, a queda dos rendimentos dos
trabalhadores
menos qualificados, o aumento da desigualdade. Nesse cenário
cresce o debate
acerca da renda mínima como forma de enfrentar o deslocamento
tectônico das
relações sociais e das condições de vida de homens e mulheres, a
questão do
desemprego tecnológico estrutural.
E o
Brasil? Na Tropicália, a indústria e as políticas industriais
estão fora de
moda.
Luiz
Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda,
é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Em
2001, foi incluído
entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no
Biographical
Dictionary of Dissenting Economists.
Gabriel
Galípolo, professor do Departamento de Economia da PUC/SP, é
sócio da Galípolo
Consultoria
Nenhum comentário:
Postar um comentário