segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Crise fiscal e fé cega no austericidio



                                            José Álvaro de Lima Cardoso.      

       Entre os objetivos, praticamente explícitos, da PEC 55 está a liquidação do frágil e incipiente Estado de Bem-estar do Brasil, visando rebaixá-lo à condição de Estado mínimo. Isso está na contramão das próprias recomendações recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), que vem questionando políticas de cortes e sugerindo elevação de gastos públicos, especialmente como investimento, para retomada do crescimento econômico. O recém eleito Donald Trump anunciou que irá realizar um plano de reconstrução da infraestrutura, com investimentos da ordem de 1 trilhão (sic) de dólares em estradas, pontes, aeroportos e saneamento. Dinheiro público na veia do ciclo econômico. A equipe econômica de Trump sabe, pela experiência de política econômica internacional, que investimentos privados muito dificilmente compensam a ausência de investimentos públicos.

        O investimento privado depende de indução e de direcionados investimentos estatais, é uma ilusão imaginar que o setor privado vai investir no lugar do setor público, especialmente em segmentos da economia onde os lucros são menos atrativos. É ainda mais difícil o investimento privado na atual conjuntura brasileira, visto que o país constitui a maior plataforma de lucro rentista do planeta. Além do Brasil, nenhum outro país do mundo transfere 8% do PIB para 10.000 famílias de rentistas, que recebem R$ 500 bilhões de reais anuais, sem produzir um parafuso. Para termos uma ideia, as multas e impostos arrecadados com o programa de repatriação de recursos não declarados no exterior irão proporcior ao erário razoáveis R$ 50,9 bilhões. No entanto, conforme observou o atento economista Amir Khair, este valor equivale ao serviço da dívida pública brasileira ao longo de meros 45 dias.  

         O fato é que o governo golpista encaminha ações opostas às anunciadas, mesmo por uma proposta conservadora como a de Trump. Querem reinserir o Brasil nas cadeias produtivas mundiais, via rebaixamento dos custos trabalhistas, e não investindo em tecnologia, e educação da nossa população. Nessa lógica imediatista e sem futuro, estão fatiando rapidamente a Petrobrás, vendendo ativos desnecessariamente, e acabando com a maior virtude da companhia, que é integração do “poço ao posto”, segundo o jargão dos especialistas em petróleo. Além disso, estão entregando, na bacia das almas, as jazidas do pré-sal (como fizeram com o poço de Carcará), que são o passaporte do Brasil para o desenvolvimento econômico e social. Estão tomando medidas que aprofundam a recessão, e depreciam o mais importante ativo do país, seu mercado consumidor interno. No pacote de crueldades, está também o desmonte da Seguridade Social brasileira, o fim da política de indexação do salário mínimo e a privatização “do que for possível”, como já foi anunciado.

        A PEC da Morte, a mais profunda emenda à constituição desde o seu nascimento em 1988, não resolverá a questão fiscal do Brasil e não gerará crescimento econômico, necessidade evidente do momento. Ademais coloca outro projeto de país que não foi contemplado na Constituição de 1988, e que foi seguidamente rejeitado nas urnas durante quatro eleições presidenciais. Não se observa sustentação técnica da PEC 55, os poucos que a defendem o fazem baseados em princípios ideológicos. Trata-se de cega confiança na eficácia do mercado, que nem os setores mais retrógrados dos países ditos desenvolvidos, conservam.  
        Antes de pensar em encaminhar as maluquices previstas na PEC 55, há uma série de alternativas, que poderiam ser adotadas, caso houvesse interesse real de melhorar a situação fiscal. Poderia se combater duramente a sonegação fiscal que tira, a cada ano, R$ 500 bilhões das contas públicas. Quem sonega é o rico, o povo não o faz, inclusive porque os impostos estão, majoritariamente, embutidos nos preços das mercadorias. O país também precisa realizar uma reforma tributária de caráter progressivo, onerando os que mais podem pagar, e desonerando a maioria dos pobres, que são quem efetivamente pagam a maioria dos impostos no Brasil.
         Outra ação que poderia ser encaminhada é a supressão de benefícios fiscais, pelo menos a maioria deles. As desonerações de tributos concedidas pelo governo da presidente Dilma desde 2011 chegarão a algo em torno de R$ 458 bilhões em 2018. Passou também da hora de tributar de forma progressiva as grandes fortunas no Brasil. É situação bastante difícil, como no resto do mundo, mas há uma série de ações que contribuíram para uma melhoria gradual da questão fiscal no Brasil. Mas é bastante difícil defender tecnicamente políticas de austericidio (austeridade fiscal e monetária extrema que acaba em homicídio), por isso sua adoção é realizada a partir de uma espécie de fé cega.
                                                                                                                             *Economista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário