*José Álvaro Cardoso
*Adhemar
S. Mineiro
No
mundo todo está se tentando transferir, com mais ou menos êxito, os impactos
negativos da crise econômica, e dos programas de salvamento aos bancos e
empresas desde a crise de 2008, aos trabalhadores, idosos, e segmentos mais
pobres e frágeis da população. No Brasil, além do repasse dos efeitos da crise
aos mais pobres, um outro vetor do golpe é a tentativa dos EUA de recuperar sua
hegemonia nas Américas, e na América do Sul em particular. O Brasil,
que é pais chave na Região, adotou políticas soberanas na última década e meia,
que fugiram ao script clássico imperialista. Fortalecimento do Mercosul,
respeito à soberania dos vizinhos, constituição dos BRICS, votação da Lei de
Partilha para proteger a riqueza do Pré-sal, programas de redistribuição de
renda e aumento do salário mínimo, e outros. Tudo isso desagradou os interesses
dos EUA na Região.
Em 2013
o corajoso e competente jornalista norte-americano Glenn Greenwald já havia
denunciado que o Brasil era o grande alvo das ações de espionagem dos Estados
Unidos. Segundo o jornalista, o governo estadunidense espionou inclusive mensagens de e-mails da presidente Dilma Roussef e de seus assessores mais próximos,
além da Petrobrás. O objetivo da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na
sigla em inglês), segundo Greenwald, era buscar detalhes da comunicação da
presidente com sua equipe. Uma frase do jornalista, em entrevista dada naquela
ocasião sintetizou o que acontecia: “Não tenho dúvida de que o Brasil é o
grande alvo dos Estados Unidos.”
No
centro do interesse dos organismos de espionagem dos EUA está o petróleo. Por
isso a Petrobrás, zeladora constitucional do petróleo e do gás no Brasil, está
no centro da crise, desde o seu início. Como é fato conhecido, após o anúncio das
descobertas do Pré-sal, os EUA imediatamente anunciaram a reativação da IV
Frota da sua marinha, que é encarregada de vigiar o Atlântico Sul. O interesse
dos EUA na maior descoberta de petróleo dos últimos 30 anos é fácil de
entender. Mas o que está em jogo é mais do que petróleo.
Os Estados Unidos não têm
interesse de um desenvolvimento autônomo e soberano do Brasil, pelo potencial
que tem o país, de rivalizar com os interesses estratégicos dos EUA na Região.
A articulação do Brasil nos BRICS ameaça ainda mais os interesses dos EUA, pela
articulação do país com os principais rivais dos EUA na luta pela hegemonia
mundial (China e Rússia). Processos como Unasul e CELAC confrontavam os
EUA no hemisfério, e novas instituições, como o Banco dos BRICS e o Acordo
Contingente de Reservas dos BRICS ajudavam a construir alternativas contra hegemônicas
ao Banco Mundial e o FMI, instituições sobre as quais os EUA tem um controle
quase absoluto.
O governo dos Estados Unidos está
negociando com o governo Macri a instalação de bases militares na Argentina,
uma em Ushuaia (na Terra do Fogo) e a outra localizada na Tríplice Fronteira
(Argentina, Brasil e Paraguai). Tudo indica que o grande interesse da
instalação destas bases é o Aquífero Guarani, maior reserva subterrânea de água
doce do mundo. Os EUA e a Europa enfrentam grave problema da falta de água, a
maioria dos rios dos EUA e do Velho Continente estão contaminados, e no caso
dos EUA, o próprio desenvolvimento da indústria extrativa de gás de xisto
contribui para a contaminação dos lençóis de água. O Aquífero Guarani, maior reserva subterrânea de água doce do mundo, que está localizado na parte
sul da América do Sul, (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), coloca a Região
como detentora de 47% das reservas superficiais e
subterrâneas de água do mundo. Os EUA sabem que não há nação que consiga
manter-se dominante sem água potável em abundância, por isso seu interesse em
manter o domínio político e militar da Região, além do acesso à água existente
em abundância no Canadá, garantida por acordos como o do NAFTA (Acordo de Livre
Comércio da América do Norte, entre EUA, Canadá e México). Por bem ou por mal.
Após
o fracasso das negociações da ALCA, em 2004 e 2005, o governo estadunidense
apontou que, fracassada a área de livre comércio no atacado, sua opção seria o
varejo, através da negociação de acordos de livre mercado com países ou grupos
de países da região que topassem fazê-lo, como acabou sendo o caso do Caribe,
da América Central, e dos países da América do Sul membros da Aliança do
Pacífico (Colômbia, Peru, Chile). Além disso, trabalharia no sentido de
fragilizar ao máximo o Mercosul e desestabilizar o outro projeto alternativo na
região, a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas). Bem, a fragilização
do Mercosul está em curso, agora com o apoio do governo interino no Brasil e o
Chanceler interino golpista – e o que estamos vendo nesse momento, com a
inviabilização por parte de Paraguai, Argentina e Brasil, de que a Venezuela
assuma a presidência pró-tempore do Mercosul, na sequência do Uruguai, é um
capítulo importante dessa novela.
Esse
comportamento de ruptura institucional nos planos nacional e internacional,
entretanto, está conduzindo o Brasil a uma condição de parceiro não confiável
no cenário internacional, de onde sai da figura de membro proeminente no
cenário das nações, para um quase pária internacional, daqueles de quem ninguém
quer se aproximar ou negociar. Nem os parceiros mais liberais – para que afinal
negociar com alguém que topa ceder direitos, riquezas, influência, mercados e
soberania a troco de nada? Triste, a nova realidade do Brasil no cenário
internacional. A estratégia dos EUA, com o apoio dos coadjuvantes internos, vai
de vento em popa.
*Economistas.
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