quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Os EUA e o golpe no Brasil: não é só petróleo



                                                                                                    *José Álvaro Cardoso
                                                                                                              *Adhemar S. Mineiro

       No mundo todo está se tentando transferir, com mais ou menos êxito, os impactos negativos da crise econômica, e dos programas de salvamento aos bancos e empresas desde a crise de 2008, aos trabalhadores, idosos, e segmentos mais pobres e frágeis da população. No Brasil, além do repasse dos efeitos da crise aos mais pobres, um outro vetor do golpe é a tentativa dos EUA de recuperar sua hegemonia nas Américas, e na América do Sul em particular. O Brasil, que é pais chave na Região, adotou políticas soberanas na última década e meia, que fugiram ao script clássico imperialista. Fortalecimento do Mercosul, respeito à soberania dos vizinhos, constituição dos BRICS, votação da Lei de Partilha para proteger a riqueza do Pré-sal, programas de redistribuição de renda e aumento do salário mínimo, e outros. Tudo isso desagradou os interesses dos EUA na Região.
      Em 2013 o corajoso e competente jornalista norte-americano Glenn Greenwald já havia denunciado que o Brasil era o grande alvo das ações de espionagem dos Estados Unidos. Segundo o jornalista, o governo estadunidense espionou inclusive mensagens de e-mails da presidente Dilma Roussef e de seus assessores mais próximos, além da Petrobrás. O objetivo da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês), segundo Greenwald, era buscar detalhes da comunicação da presidente com sua equipe. Uma frase do jornalista, em entrevista dada naquela ocasião sintetizou o que acontecia: “Não tenho dúvida de que o Brasil é o grande alvo dos Estados Unidos.”
        No centro do interesse dos organismos de espionagem dos EUA está o petróleo. Por isso a Petrobrás, zeladora constitucional do petróleo e do gás no Brasil, está no centro da crise, desde o seu início. Como é fato conhecido, após o anúncio das descobertas do Pré-sal, os EUA imediatamente anunciaram a reativação da IV Frota da sua marinha, que é encarregada de vigiar o Atlântico Sul. O interesse dos EUA na maior descoberta de petróleo dos últimos 30 anos é fácil de entender. Mas o que está em jogo é mais do que petróleo. Os Estados Unidos não têm interesse de um desenvolvimento autônomo e soberano do Brasil, pelo potencial que tem o país, de rivalizar com os interesses estratégicos dos EUA na Região. A articulação do Brasil nos BRICS ameaça ainda mais os interesses dos EUA, pela articulação do país com os principais rivais dos EUA na luta pela hegemonia mundial (China e Rússia). Processos como Unasul e CELAC confrontavam os EUA no hemisfério, e novas instituições, como o Banco dos BRICS e o Acordo Contingente de Reservas dos BRICS ajudavam a construir alternativas contra hegemônicas ao Banco Mundial e o FMI, instituições sobre as quais os EUA tem um controle quase absoluto. 
        O governo dos Estados Unidos está negociando com o governo Macri a instalação de bases militares na Argentina, uma em Ushuaia (na Terra do Fogo) e a outra localizada na Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai). Tudo indica que o grande interesse da instalação destas bases é o Aquífero Guarani, maior reserva subterrânea de água doce do mundo. Os EUA e a Europa enfrentam grave problema da falta de água, a maioria dos rios dos EUA e do Velho Continente estão contaminados, e no caso dos EUA, o próprio desenvolvimento da indústria extrativa de gás de xisto contribui para a contaminação dos lençóis de água. O Aquífero Guarani, maior reserva subterrânea de água doce do mundo, que está localizado na parte sul da América do Sul, (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), coloca a Região como detentora de 47% das reservas superficiais e subterrâneas de água do mundo. Os EUA sabem que não há nação que consiga manter-se dominante sem água potável em abundância, por isso seu interesse em manter o domínio político e militar da Região, além do acesso à água existente em abundância no Canadá, garantida por acordos como o do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte, entre EUA, Canadá e México). Por bem ou por mal.
          Após o fracasso das negociações da ALCA, em 2004 e 2005, o governo estadunidense apontou que, fracassada a área de livre comércio no atacado, sua opção seria o varejo, através da negociação de acordos de livre mercado com países ou grupos de países da região que topassem fazê-lo, como acabou sendo o caso do Caribe, da América Central, e dos países da América do Sul membros da Aliança do Pacífico (Colômbia, Peru, Chile). Além disso, trabalharia no sentido de fragilizar ao máximo o Mercosul e desestabilizar o outro projeto alternativo na região, a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas). Bem, a fragilização do Mercosul está em curso, agora com o apoio do governo interino no Brasil e o Chanceler interino golpista – e o que estamos vendo nesse momento, com a inviabilização por parte de Paraguai, Argentina e Brasil, de que a Venezuela assuma a presidência pró-tempore do Mercosul, na sequência do Uruguai, é um capítulo importante dessa novela.
          Esse comportamento de ruptura institucional nos planos nacional e internacional, entretanto, está conduzindo o Brasil a uma condição de parceiro não confiável no cenário internacional, de onde sai da figura de membro proeminente no cenário das nações, para um quase pária internacional, daqueles de quem ninguém quer se aproximar ou negociar. Nem os parceiros mais liberais – para que afinal negociar com alguém que topa ceder direitos, riquezas, influência, mercados e soberania a troco de nada? Triste, a nova realidade do Brasil no cenário internacional. A estratégia dos EUA, com o apoio dos coadjuvantes internos, vai de vento em popa.                                     
                                                                                                *Economistas.  

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