No Brasil 247. Transcrito do blog O Cafezinho
Em entrevista ao 247, o professor Luiz Moreira diz que ao investigar
Luiz Inácio Lula da Silva a Polícia Federal procura assumir tarefas
típicas de uma polícia política, função incompatível com uma democracia
constitucional. "O presidente Lula é usado como antagonista, pois assim a
PF procura demonstrar à população que ela tudo pode. Nas democracias, a
chefia da Polícia é exercida pela sociedade civil, através de
governantes eleitos e seus representantes," afirma o professor, que foi
integrante do Conselho Nacional do Ministério Público, entre 2010 e
2015.
247 - Como entender a atuação da Polícia Federal contra Lula?
LUIZ MOREIRA -- A Polícia Federal está disputando a opinião pública
para estabelecer-se como polícia política. Pretende conquistar uma
hegemonia incompatível com uma democracia constitucional.Não por acaso
assume, como método de atuação, uma performance cada vez mais teatral,
que atribui títulos midiáticos a sua atuação e que opera como se
estivesse em guerra com os cidadãos brasileiros. É claro o propósito de
constituir ambiente de terror. Esse terror reforça o poder da Polícia
Federal frente às demais instituições, que, por medo de represálias,
tendem a ceder aos seus caprichos. Essa a finalidade dos vazamentos.
247 -- Mas por que transformar o presidente Lula em alvo?
LUIZ MOREIRA -- Nessa cruzada por hegemonia política, é preciso
escolher um antagonista ideal, que ao mesmo tempo tenha prestígio social
e político e que seja amplamente conhecido. Nesse sentido, o Presidente
Lula é usado como antagonista, pois, assim, a Polícia Federal procura
demonstrar à população que ela tudo pode. Se até Lula é arbitrariamente
investigado, ninguém estaria a salvo.
247 -- É possível sustentar essa hipótese com fatos?
LUIZ MOREIRA -- Em pelo menos duas ocasiões essa hipótese se
confirma. No título da “operação Triplo X” e na comunicação de delegado
da PF à Justiça Federal, revelando ser Lula investigado. Semanas antes,
Lula foi interrogado como informante. Agora, passou a ser investigado,
sem que tenham sido apontados fatos novos. O que mais surpreende nessa
cruzada é a falta de meios para acabar com o arbítrio. Se nem Lula
consegue ver efetivados o devido processo legal e as demais garantias
constitucionais, o que ocorrerá com os demais cidadãos?
247 -- Não existem regras para o controle da PF?
LUIZ MOREIRA -- Nas democracias constitucionais, as polícias são
submetidas a um controle rigoroso. No Brasil, foi justamente para se
evitar que a Polícia Federal se transformasse em polícia política é que
foram desenhados dois tipos de controle à sua atuação. O primeiro é
político; o segundo, operacional.
247 -- Como isso deveria funcionar?
LUIZ MOREIRA -- Operacionalmente, a Polícia Federal é submetida, como
polícia judiciária, à instrução processual e ao controle de outra
instituição, o Ministério Público Federal, que exerce o controle externo
de suas atividades.Já o controle político é exercido pela Presidência
da República, mediante atuação de seu Ministro da Justiça. Assim, há uma
subordinação hierárquica da Polícia Federal ao Poder Executivo. E o que
significa essa subordinação hierárquica? Significa que a Policia
Federal não comanda a si mesma; que suas diretrizes orçamentárias e que a
organização de seus serviços subordinam-se ao governante eleito.
247 -- O que isso significa?
LUIZ MOREIRA -- Isso quer dizer que a Polícia Federal é um serviço e
que sua atuação é controlada pela sociedade civil, mediante seu
representante na Presidência da República. Nesse sentido, uma
instituição a qual se confia o poder de investigar cidadãos, de portar
armas de alto poder de destruição e de manipular dados e informações de
pessoas precisa se submeter ao poder político. Por essa razão, nas
democracias constitucionais, a chefia das polícias é exercida pela
sociedade civil, por intermédio dos Governantes eleitos, para garantir
que não produzirão sua própria agenda, nem que gozarão de autonomia ante
o regime democrático.
247 -- Por que esses controles não funcionam?
LUIZ MOREIRA -- A Corregedoria da Policia Federal não funciona,
porque a lógica corporativa submeteu sua atuação. Assim, denúncias de
faltas funcionais e de vazamentos não sejam apurados. A lógica de
proteção aos iguais prospera, inibindo condutas que não sejam vistas
como aptas a proteger o grupo. Desse modo, qualquer tentativa interna de
estabelecer restrições aos desvios funcionais é vista como ato de
traição à instituição e quem os executa é tido como inimigo da
corporação. Para haver controle, é indispensável que as funções de
corregedoria sejam desempenhadas por órgão externo, composto por
servidores alheios à polícia federal, a fim de criar parâmetros
republicanos para sua atuação.
247 -- Como se poderia evitar isso?
LUIZ MOREIRA -- Para restringir a transformação da Polícia Federal
em polícia política, uma boa saída seria transformar suas funções.
Atualmente, há um equívoco em sua carreira. Há pelos menos três
carreiras paralelas na PF (a de agente, a científica e a judiciária) e
que se encontram em permanente disputa.
Os Agentes da Polícia Federal poderiam ser incorporados como membros
permanentes da Força Nacional de Segurança; os que se dedicam à perícia
forense constituiriam uma Polícia Científica e os Delegados, uma Polícia
Judiciária.A atual especificidade funcional daria forma a três
instituições, cada uma com sua especialização. Essa é uma conhecida
fórmula utilizada nas modernas democracias constitucionais, com a qual
os serviços estatais controlam uns aos outros, no que se convencionou
chamar de freios e contrapesos.
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