Marcelo
Coelho
Folha.com.br
– domingo, 10/01/2016 02h04
[Publicado
na edição impressa da Folha de S.Paulo na mesma data, com o título: “Tolice
pré-fabricada: a quem serve a classe média indignada?”]
Confusão entre o público e o
privado, compadrio, herança católica portuguesa, predomínio das relações
pessoais e familiares sobre o sistema de mérito, corrupção. Ao contrário do que
em geral se pensa, nada disso – característica exclusiva do Brasil.
Para Jessé Souza, presidente do
Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), vinculado ao Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, e doutor em sociologia pela Universidade de
Heidelberg (Alemanha), criou-se no Brasil, à esquerda e à direita, um legado de
equívocos a partir do pensamento de Sérgio Buarque de Holanda (1902-82), que
merece ser classificado como um verdadeiro “complexo de vira-lata”.
Para o professor de ciência
política na UFF (Universidade Federal Fluminense), que acaba de lançar “A Tolice
da Inteligência Brasileira” [Leya, 272 págs., R$ 39,90, e-book, R$ 26,99], a
intelectualidade do país tende a idealizar as sociedades capitalistas
avançadas, imaginando que em países como Estados Unidos ou França predomine a
plena igualdade de oportunidades e a completa separação entre o Estado e os
interesses privados. Mas o peso das origens familiares, do capital cultural
acumulado ao longo de gerações, das pressões empresariais sobre o poder público
está presente, diz ele, em qualquer país capitalista.
Autor de estudos sobre Max Weber
(1864-1920) e Jürgen Habermas, Jessé Souza desenvolve, em “A Tolice da
Inteligência Brasileira”, um sofisticado argumento teórico para mostrar de que
modo o conceito weberiano de “patrimonialismo” – fundamento das críticas de
Raymundo Faoro (1925-2003) à imobilidade do sistema social brasileiro e ao
fracasso do capitalismo e da democracia entre nós – não foi originalmente
pensado para ter aplicação nas sociedades modernas.
Ao interesse teórico que marcou o
início de sua carreira, Jessé Souza tem acrescentado, nos últimos anos, um
intenso trabalho de investigação empírica, do qual resultaram livros como “Os
Batalhadores Brasileiros: Nova Classe Média ou Nova Classe Trabalhadora?”
(editora UFMG, 2010), e “A Ralé Brasileira: Quem É e Como Vive” (ed. UFMG,
2009).
O problema da economia e da
democracia brasileiras, argumenta Souza, não nasce de supostas deficiências
culturais que tenhamos frente aos países desenvolvidos, mas da incapacidade do
sistema para integrar um vasto contingente de excluídos, a quem faltam não
apenas recursos materiais, mas equipamentos básicos de educação, autoestima e
cidadania.
A lição de Florestan Fernandes,
em especial de seu livro de 1964, “A Integração do Negro na Sociedade de
Classes” (ed. Globo), é das poucas que saem preservadas do implacável
julgamento crítico de “A Tolice da Inteligência Brasileira”, repleto de
palavras duras contra Roberto DaMatta, Fernando Henrique Cardoso e outros
mestres do pensamento social entre nós.
Folha – As ciências sociais brasileiras – com influência no discurso da
imprensa e das classes médias – têm insistido no conceito de “patrimonialismo”:
a prática de tratar bens públicos como se fossem propriedade de uns poucos
personagens com acesso permanente ao poder político. Você critica esse
conceito, chamando-o de “conto de fadas para adultos”. Poderia explicar?
Jessé Souza
– O conceito de patrimonialismo foi contrabandeado
de Max Weber sem a menor preocupação com a contextualização histórica que é
fundamental em Weber. Acho que isso está bem fundamentado no livro, mas a “incorreção
científica” não é a questão principal aqui.
O patrimonialismo só sobrevive
como um conceito que quer dizer alguma coisa em um contexto que pressupõe o
complexo de vira-lata do brasileiro. Essa é a questão principal. É só porque se
imagina, candidamente, que existam países onde não há a apropriação privada do
Estado para fins particulares – os EUA para os liberais brasileiros seriam esse
paraíso – que se pode falar de patrimonialismo como particularidade brasileira.
Imagine a meia dúzia de
petroleiras americanas, que mandavam no governo Bush filho, atacando o Iraque,
com base em mentiras comprovadas, pela posse do petróleo. E com isso matando
milhões de pessoas e desestabilizando a região até hoje com consequências
funestas que todos vemos.
Quer melhor exemplo de
apropriação privada do Estado para fins de lucro de meia dúzia sem qualquer
preocupação com as consequências? A verdadeira questão é sempre em nome de que
e de quem se apropria do Estado: para o lucro de meia dúzia – como foi a regra
no Brasil e que é a real motivação do impeachment de hoje – ou para a maioria
da sociedade.
Minha tese é a de que, no Brasil,
o patrimonialismo serve para duas coisas bem práticas:
1) A primeira é demonizar o
Estado como ineficiente e corrupto e permitir a privatização e a virtual
mercantilização de todas as áreas da sociedade, mesmo o acesso à educação e à
saúde, que não deveria depender da sorte de nascer em berço privilegiado;
2) Serve como uma espécie de “senha”
de ocasião para que o 1% que controla o dinheiro, a política (via financiamento
privado de eleições) e a mídia em geral possa mandar no Estado mesmo sem voto.
Não é coincidência que tenha havido grossa corrupção em todos os governos, mas
apenas com Getúlio, Jango, Lula e Dilma, governos com alguma preocupação com a
maioria da população, é que a “senha” do patrimonialismo tenha sido acionada
com sucesso. Somos ou não feitos de tolos?
A corrupção no Brasil, segundo muitos analistas, teria causas culturais,
originadas na tradição ibérica e católica. Qual a sua discordância com relação
a essa tese?
Essa versão é falsa. Ela é “pré-científica”,
já que examina o fenômeno da transmissão cultural nos termos do senso comum que
pensa mais ou menos assim: “Se meu avô é italiano, então também sou”. Depende.
A língua comum facilita certas interações, mas o decisivo e o que efetivamente
constrói os seres humanos são as influências das instituições, como a família,
a escola, a economia e a política.
No Brasil, desde sempre, temos a
escravidão como uma espécie de “instituição total” que determinou um tipo muito
peculiar de família, de religião, de poder político, de exercício da justiça,
de produção econômica, tudo isso muito distinto de Portugal, que desconhecia a
escravidão, a não ser de modo muito tópico e localizado.
A Igreja Católica, por exemplo,
tinha muito poder e continha o mandonismo dos grandes senhores. Aqui o “senhor
de terras e gente” mandava em tudo sem peias. O Brasil desde o ano zero foi, portanto,
uma sociedade singular, apesar de colonizada por Portugal. Mas foi a partir
desse engano que se criou uma ciência culturalista frágil e superficial,
baseada no senso comum que hoje ganha a mente e os corações dos brasileiros de
tão repetida por todos.
O mais importante é que essa
falsa ciência que constrói o brasileiro como inferior – posto que ligado ao “corpo”
como emotividade e sexo, se opondo ao europeu e americano que seriam o “espírito”,
intelecto e moralidade distanciada – serve a interesses políticos. Esse racismo
pela cultura só substitui o “racismo racial” clássico, mantendo todas as suas
funções de legitimar privilégios.
Na dimensão internacional, a
intelectualidade brasileira dominante, colonizada até o osso, engole o racismo
cultural e torna ontológica a suposta inferioridade brasileira; na dimensão
interna e nacional, serve para separar “classes do espírito”, como a classe
média “coxinha”, que seria “ética”, posto que escandalizada com o “patrimonialismo
seletivo” criado pela mídia, e as classes populares, tidas como “amorais”,
posto que guiadas pelo interesse imediato.
Essa espécie de “racismo de
classe”, falso de fio a pavio, é o fio condutor do empobrecido debate público
brasileiro.
Você é muito crítico com relação a um dos formuladores desse “culturalismo”,
Sérgio Buarque de Holanda. As teses de “Raízes do Brasil” foram expostas em
1936. Será que ao menos naquela época a crítica a um Estado sem meritocracia,
baseado no favoritismo e nas relações familiares, não era correta?
Eu gostaria antes de tudo de
saber onde fica esse país maravilhoso, formado apenas pelo mérito, que não
favorece ninguém e onde relações familiares não decidem carreiras. Quem
conhecer, por favor, me avise. Eu passei boa parte de minha vida adulta em
países ditos “avançados” e nunca conheci um assim. A própria crença de que
exista algo assim prova como o racismo e a “vira-latice” tomou conta de nossa
alma.
Sérgio Buarque de Holanda é o pai
desse liberalismo amesquinhado e colonizado brasileiro. É necessário sempre
separar a “pessoa” da “obra” e de seus efeitos sociais, que são o que importa.
O liberalismo é fundamento importante da democracia, mas existem várias
maneiras de ser liberal, e a nossa maneira é a pior possível.
Buarque criou a semântica do
falso conflito que permite encobrir todos os conflitos sociais verdadeiros
entre nós e que nos faz de tolos até hoje. A absurda separação entre um Estado
demonizado como corrupto e ineficiente e o mercado como reino de todas as
virtudes, quando os dois no fundo são indissociáveis, só serve como mote para a
meia dúzia que manda no Brasil e controla o dinheiro, a política e a informação
via mídia virar o país de ponta-cabeça só para ter mais dinheiro no bolso.
Como não se pode dizer que o que
se quer é uma gorda taxa Selic e o acesso “privado” às riquezas brasileiras,
como petróleo e ferro, para essa meia dúzia, então diz-se que é para acabar com
o “mar de lama”, sempre só no Estado, se ocupado por partidos populares, e
sempre seletivamente construído via mídia conservadora em associação com as
instituições que querem aumentar seu poder relativo vendendo-se como “guardiãs
da moralidade pública”.
É esse discurso que transforma
milhões de pessoas inteligentes em tolas. Essa parcela da classe média
conservadora é explorada por esse 1% que lhe vende os milagres da privatização
brasileira: a pior e mais cara telefonia do globo, por exemplo, campeã de
reclamações. De resto, todos os bens e serviços produzidos aqui são piores e
mais caros. Mas dessa espoliação da classe média por um mercado superfaturado
que vai para o bolso do 1% mais rico ninguém fala.
O filho do “coxinha” quer ter
acesso a uma boa universidade pública, e o avô dele, quando está doente e o
plano não paga, tem que ir ao SUS para doenças graves e tratamentos caros. Um
Estado fraco só serve ao 1% mais rico que pode ficar ainda mais rico embolsando
a Petrobras a preço de ocasião. O “coxinha” só é feito de tolo.
A classe média “coxinha” que sai
às ruas tirando onda de campeã da moralidade, por sua vez, explora e rouba o
tempo das classes excluídas a baixo preço para poupar o tempo do trabalho
doméstico e investir em mais estudo e mais trabalho valorizado e rentável.
Luta de classes não é só
cassetete na cabeça de trabalhador. É uma luta silenciosa e invisível (para a
maioria) que implica monopólio de recursos para as classes privilegiadas e
condenações à miséria eterna para a maioria dos 70% que não são da classe média
ou do 1% mais rico. A fanfarra do patrimonialismo e da corrupção só do Estado
serve, antes de tudo, para tornar essas lutas invisíveis.
Como você vê a obra de Roberto DaMatta nesse contexto?
A obra dele, que reflete
fielmente as discussões de botequim de todo o Brasil, foi uma tentativa de “modernizar”
Buarque. O mais irritante é que esse pessoal “tira onda” de crítico ao repetir
as platitudes do Estado patrimonial e do “jeitinho” como prova da queda
ancestral do brasileiro médio para auferir vantagens por relações de
conhecimento com poderosos.
A tese central de DaMatta, que se
tornou uma espécie de “segunda pele” do brasileiro médio, é a de que a
hierarquia social brasileira é fundada no capital social de relações pessoais.
Essa seria a peculiaridade brasileira que viria de épocas ancestrais. Desde que
a gente reflita duas vezes, essas teses caem como castelo de cartas. Se não,
vejamos.
O leitor que nos lê conhece
alguém com acesso a relações pessoais com pessoas poderosas sem, antes, ter
capital econômico ou capital cultural? Se o leitor conhecer, então DaMatta tem
razão na sua tese do jeitinho.
Como desconfio de que o leitor
não conhece ninguém assim, então o que DaMatta faz é tornar invisível a
distribuição injusta de capital econômico e cultural e, com isso, sepultar
qualquer reflexão sobre a origem social de toda desigualdade.
Para completar supõe – no fundo a
cândida e infantil crença nos Estados Unidos como paraíso na terra – que
existam países onde o capital em relacionamentos não decida previamente a vida
da maior parte das pessoas. Teoria mais frágil e colonizada impossível. Mas é
ela que faz a cabeça do brasileiro médio hoje.
Ao lado do “culturalismo conservador”, você critica o economicismo de
raiz marxista. Quais as suas restrições a esse modelo explicativo?
É que o capitalismo não é só
troca de mercadorias e fluxo de capital. É preciso, por isso, superar o
economicismo, seja liberal, seja marxista. O capitalismo é também um sistema
social e moral que avalia todo mundo e que humilha e despreza uns e enobrece e
legitima a felicidade de outros.
É essa hierarquia social “invisível”
(mas cuja realidade o estudo empírico pode mostrar) que diz o que é certo e
errado, verdadeiro ou falso. O capitalismo é, portanto, um sistema de classificação
e desclassificação que predetermina quem ganha e quem perde e legitima esses
lugares.
No livro, que resume meus 35 anos
de trabalho teórico e empírico sobre esses temas, procurei mostrar que esses
sistemas de classificação são os mesmos para Brasil e Argentina, do mesmo modo
como atuam na França ou na Inglaterra.
A peculiaridade do Brasil é a
tolerância com o abandono da classe dos excluídos que chamo provocativamente de
“ralé”. Todos nossos problemas – insegurança, baixa produtividade, serviços
públicos de má qualidade – advêm do esquecimento dessa classe.
A corrupção existe em todos os países, você diz. Mas certamente há
diferenças de grau entre a Dinamarca, digamos, e o Brasil.
A corrupção é endêmica ao
capitalismo. Se corrupção for enganar o outro, então o capitalismo é certamente
mais engenhoso que qualquer outro sistema social.
O que outros países como a
Dinamarca ou Alemanha não têm é a corrupção “pequena” – a única que o cidadão
feito de tolo enxerga no cotidiano – do agente público mal remunerado, como os
policiais entre nós. Existem também arranjos institucionais mais ou menos
bem-sucedidos.
O Brasil ganharia com o
financiamento público de eleições e com uma reforma política que tornasse mais
transparente a relação com a economia. É nisso que falta avançar. Mas é preciso
mesmo ser muito ingênuo para não perceber que a “grossa corrupção”, a que drena
capitais e privilégios para uma pequena minoria, é universal. Dilma tentou comprar
essa briga no Brasil, enfrentando o grande capital especulativo. Hoje fica
claro que esse pessoal não a perdoou pela ousadia.
Suponha-se que Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Roberto
DaMatta estejam errados ao atribuir a uma particularidade brasileira, a um
vício cultural católico português a inexistência de um sistema de mérito real,
de uma real impessoalidade do Estado e de uma legítima situação de igualdade de
oportunidades no Brasil. Mesmo que essa situação não corresponda à realidade de
um país como os Estados Unidos, que esses autores idealizam, será que essa
crítica não expressa um desejo de transformação importante? Em vez de anular o
valor dessa crítica, poderíamos alargar sua dimensão estendendo-a a outros
países.
O único caminho seguro, na vida
pessoal ou na coletiva, é a verdade. Não se pode pensar uma sociedade e suas
contradições alargando uma concepção falsa desde os pressupostos. Nem há razão
para isso.
O livro mostra, creio eu, que é
possível um novo caminho para a percepção do Brasil e de suas singularidades.
Um caminho que não vise apenas preservar os privilégios absurdos de uma pequena
elite socialmente irresponsável, legitimados por uma pseudociência, mas que
possa, inclusive, recuperar a inteligência viva dessa mesma classe média que é
hoje manipulada a agir contra seus interesses.
Você diz que as classes médias, predominantes nas manifestações de junho
de 2013, são feitas de tolas quando compram automóveis com o triplo da taxa de
lucro dos países europeus, pagam taxas de juros estratosféricas e usam serviços
de celular entre os mais caros e ineficientes do mundo. Mas não teriam razão,
do ponto de vista de seus interesses, ao reclamar de impostos que são uma
parcela enorme do preço de bens como veículos automotores e geladeiras?
A estrutura de impostos no Brasil
tem de ser efetivamente revista no sentido de evitar impostos indiretos em
produtos e serviços e atingir mais a renda diferencial, e, muito especialmente,
o patrimônio. Desse ponto de vista, ela pode ter um pouco de razão.
Mas o ponto mais importante para
a tolice da classe média é que o Estado funciona como arrecadador de impostos,
antes de tudo, para bancar e garantir a drenagem de recursos arrecadados da
sociedade como um todo para a meia dúzia de plutocratas que manda na economia,
na política via financiamento de eleições e na mídia. O pagamento de juros para
essa meia dúzia e seus colegas estrangeiros – o único aspecto que ninguém nem
sequer pensa em cortar em ocasiões de crise – compromete, por exemplo, o investimento
em educação e saúde de qualidade para todos.
O plutocrata vai aos EUA se
operar se for preciso e manda o filho estudar em Miami ou na Suíça, como
acontece realmente hoje em dia. A classe média que sai às ruas para apoiá-lo
precisa do SUS quando a chapa esquenta e só conta com a universidade pública
aqui mesmo para o filho. Ao mesmo tempo, paga os serviços e produtos mais caros
e de menor qualidade relativa do globo no nosso mercado superfaturado. Esse “extra”
também é um imposto que sai da classe média direto para o bolso da elite
econômica. Mas dele nunca se fala.
Essa classe média, portanto, é
espoliada pela elite por mecanismos tanto de Estado quanto de mercado, e é ela
que depois sai às ruas para defender os interesses dessa mesma elite usando o espantalho
seletivo da corrupção apenas estatal.
Essa é a real história da tolice
pré-fabricada entre nós.
O sentimento anti-Estado e pró-mercado tende a ser conservador e
perverso no Brasil. Mas não poderíamos acusar a esquerda, em especial o PT, de
um excessivo “estatismo”, não no sentido econômico, mas no de considerar que a
transformação social poderia vir de uma simples conquista do poder político
pelo partido de esquerda? Em vez de privilegiar formas de auto-organização e de
capilarização do partido nas periferias, o PT procurou agir “a partir de cima”,
e não “a partir de baixo”. Como resultado, vemos nas periferias todo tipo de
igrejas evangélicas, mas nenhum núcleo ou sede distrital de partidos políticos.
O preço para assumir o poder sem essa organização foi a aliança com os setores
mais retrógrados da política brasileira, como Collor, Maluf, os ruralistas e a
bancada evangélica. O “estatismo” de esquerda, nesse sentido, não seria uma
repetição para pior do populismo? O petismo não seria também um conto de fadas
para adultos?
O principal erro do PT para mim
foi duplo e reflete sua dependência da narrativa liberal tão importante nele
quanto em um partido conservador da elite como o PSDB. Esse foi um dos temas
centrais do livro: mostrar que a ideologia liberal amesquinhada dominou também
a dita “esquerda”, colonizando a tradição social-democrata ou socialista
democrática.
O PT teria que ter criado uma
narrativa independente mostrando a importância do passo a passo da ascensão
social possível e mostrando as dificuldades também – sem cair, por exemplo, na
fantasia da nova classe média, que gerou expectativas desmedidas.
Essa narrativa poderia ter sido
uma versão politizada, mostrando a importância da política inclusiva e da “vontade
política” para a mobilidade social, de modo a se contrapor à leitura
individualista da ascensão social da religião evangélica.
Mas, para isso, teria sido
necessário tocar no nó górdio da dominação social no Brasil, que é o papel de “partido
político da elite” assumido pela imprensa conservadora desde o golpe contra
Getúlio. É ela, afinal, quem chama a classe média moralista e feita de tola às
ruas e é ela que manipula seletivamente e a seu bel-prazer o tema da corrupção
como única moeda dos conservadores para mascarar seus interesses mais
mesquinhos em pseudointeresse geral. É ela quem tira onda de “neutra”, quando
apenas obedece ao dinheiro.
O medo desse confronto foi a real
causa do que agora acontece. Em uma sociedade midiática, onde toda informação
vem de cima para baixo, tem que existir o contraditório, a opinião alternativa,
senão o voto do eleitor não é esclarecido nem autônomo, ou seja, rigorosamente,
não tem democracia. Nesse sentido estamos mais perto da Coreia do Norte do que
da Inglaterra ou da Alemanha. Confiar apenas nos “movimentos sociais” nesse
contexto é ingenuidade. Esses movimentos também estão sob a égide do discurso
único da mídia conservadora. Essa é para mim a real razão do fracasso relativo
do projeto petista.
Marcelo Coelho, 57, é colunista daFolha.
[Extraído de http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/01/1727369-a-quem-serve-a-classe-media-indignada.shtml em 10/01/2016]
Jessé Souza " a tolice da inteligência brasileira", diria com raras exceções, o que não foi suficiente para fazer a leitura correta do perfil sociocultural do brasileiro antes dele ser transformado neste imbecil que é... fazer o que se a elite dominante fabricou até os mestres pra ensinar a sua ideologia??? A partir disto, tudo ficou dificil e acredito que o PT foi a única via capaz de bagunçar a ordem vigente e por nas ruas as maiores manifestações populares antes vistos... o que vai dar isso, não sei,mas partindo do princípio da entropia onde o confronto ou o choque gera Naiana energia então quem sabe poderemos pelo menos com os avanços inclusive da constituição de uma nova classe meia ter o renunciou ou a possibilidade de uma realidade menos arcaica e conservadora.em síntese é muito bom o texto com a sua contribuição.
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