quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Há que pegar o "trem-bala" da crise e fazer sensível redução dos juros no Brasil


Carta Capital.com e Blog Além da Economia, 13/08/2011
Entrevusta
Esta não é a crise definitiva do capitalismo, diz
professor da Unicamp
Paulo Daniel 13 de agosto de 2011 às 12:16h
Com o objetivo de compreender, analisar e debater a crise financeira e econômica
mundial, o Blog Além de Economia em conjunto com o site da revista CartaCapital,
está promovendo uma série de entrevistas neste mês de agosto.
Para esta segunda rodada de entrevistas, convidamos o Professor José Carlos de Souza
Braga, economista, Livre Docente do Instituto de Economia da Unicamp, com Pós-
Doutorado pela Universidade de Berkeley, California, USA e Diretor Executivo do
Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (CERI-Unicamp).
De acordo com Braga, o Brasil está em melhores condições para enfrentar a
instabilidade mundial, entretanto, não se pode permitir a deterioração do balanço de
pagamentos. Enfrentar a crise quer dizer; mais Estado, tanto do ponto de vista
quantitativo, como qualitativo.
Confira abaixo a entrevista:
Além de Economia/CartaCapital: Nos últimos tempos o capitalismo está em uma
busca insana de obter lucros e aumento da renda sem passar pelas agruras do
processo de produção. A que se deve esse processo? Que consequências pode se
observar no sistema econômico?
José Carlos de Souza Braga: É próprio do capitalismo desenvolver tanto a acumulação
de lucros pela produção como pela via financeira. Afinal o conceito de capital
financeiro é a fusão das formas parciais de riqueza; logo a fusão da forma lucro e da
forma juros. No capitalismo atual até as empresas industriais e comerciais de peso
ganham com o chamado lucro operacional e também com o lucro financeiro. Mas, além
disso, desde o rompimento dos acordos de Bretton Woods que regulava a economia
internacional, emergiu o capitalismo financeirizado, ou seja, aquele em que a
dominância financeira é o caráter principal. A dinâmica de expansão/crise, par
indissolúvel no movimento capitalista ganhou outras feições. A principal conseqüência
é que as crises de desvalorização da riqueza financeira necessariamente são contornadas
com o apoio dos governos via bancos centrais e tesouros nacionais. Os estados
nacionais viram reféns dos proprietários dessa riqueza: os bancos, as empresas de
grande e médio porte, os investidores institucionais e as famílias de elevada riqueza.
AE/CC: Estamos vivendo uma nova forma ou um novo modelo de capitalismo?
JCSB: Como disse antes é uma dominância financeira estrutural e isso nos permite
afirmar que há um novo padrão sistêmico que é baseado na financeirização do
capitalismo. Mas é preciso ter claro o que isso significa pois virou moda falar de
financeirização e então tem gente falando e escrevendo muitas impropriedades. Desde
1985, em minha tese de doutoramento, avanço a reflexão sobre esse padrão de
funcionamento. Ele aprofundou a instabilidade, as flutuações e as crises que, como
disse, dependem dos governos para serem “resolvidas” e reaparecerem mais adiante.
Mas, ao contrário do que dizem muitos analistas, não se trata de tendência à estagnação,
não é uma deformação do capitalismo, muito menos é a “crise definitiva” que vários
estão a esperar não sei desde quando, nem leva ao enfraquecimento das corporações
capitalistas. O capital e o capitalismo, nesse padrão, adéquam-se a seus conceitos,
digamos assim. O capitalismo atual é resultante da evolução intensa de suas
características intrínsecas e do desmantelamento da regulação estatal que impunha uma
dada disciplina financeira entre os anos 1950 e o início dos 1970. Combina
paradoxalmente a acumulação produtiva com a financeira e inclusive com a criação de
riqueza fictícia na órbita monetário-financeira. Fictícia no sentido de mover-se
independentemente do ritmo da órbita produtiva. Evidentemente, que em algum
momento, por razões que variam ao longo do tempo, essa folia especulativa conduz à
crise financeira que repercute sobre a macroeconomia da renda e do emprego. Padecem
os estados nacionais e os assalariados não-proprietários de riqueza, mas, a acumulação
de capital lato sensu segue adiante na tensão entre expansões e crises.
AE/CC: Com o ápice da crise em 2008 ocorreu uma enxurrada de dólares nos
diversos mercados e países, neste sentido, as moedas locais, como o nosso Real,
tendem a se valorizar. Seria muita loucura o governo da Presidenta Dilma pensar
em adotar um câmbio fixo como faz a China?
JCSB: O Brasil não pode mais seguir com o câmbio na situação atual. Se isso
continuar, agora sim, deverá ocorrer uma verdadeira desindustrialização. O governo tem
que administrar o câmbio através de diferentes formas de intervenção que vão desde as
operações do banco central nos mercados a vista e a termo até o controle de capitais, se
necessário for. Nosso país está sujeito a uma abertura financeira profunda e assim
vulnerável à livre movimentação de capitais para aquelas “praças” onde o ganho é fácil.
Em debate com o professor Jan Kregel num seminário no México surgiu da parte dele a
definição precisa para os juros no Brasil. São obscenos. Qual economia com o porte da
brasileira tem semelhante, agora sim cabe a palavra, deformação? Nenhuma. Não há
justificativa técnica no campo da economia para isso. Essa é uma articulação de poder
na sociedade brasileira que nos torna líderes da financeirização, entre os países ditos
emergentes, e promotores do rentismo ofensivo, mais ativo e incessantemente inovador
das finanças em relação ao “velho” rentismo pré-1960, digamos. A verdade é que os
donos do poder, incluindo o empresariado dito produtivo, ganha com esse rentismo. Do
contrário a situação já seria diferente, sobretudo com reservas internacionais em torno
de US$ 350 bilhões e um quadro macroeconômico mais positivo do que negativo.
AE/CC: A partir de janeiro de 99 o governo brasileiro articulou juntamente com o
FMI uma política macroeconômica ancorada em três pilares: taxa de juro real
elevada, superavits primários crescentes e câmbio flutuante. Esse tripé ainda
persiste, não estaria aí um limitador para trilhar um caminho de desenvolvimento
econômico social sustentado?
JCSB: É o que tenho denominado de “triângulo de ferro”. Sem desmontá-lo não vejo
chance de desenvolvimento no sentido forte, do tipo a que se referia Celso Furtado:
distribuição de renda e riqueza, padrão de financiamento adequado, padrão monetário
defensável, maior homogeneidade regional etc. Pode até ocorrer, como já ocorre desde
2004, crescimento do PIB, mas não a superação do subdesenvolvimento. Em defesa
desse triângulo há um “vale tudo” perpetrado pelos financistas de todas as origens, por
economistas cínicos ou inocentes úteis, por parte expressiva da grande imprensa. Um
exemplo concreto é o terrorismo retórico que tem exercido acerca das pressões
inflacionárias recentes, que são por eles maximizadas. Esse tipo de política coloca o
“nó” brasileiro na questão fiscal. Há que produzir superavit o suficiente para pagar juros
e reduzir a dívida pública. Como? Cortando os gastos sociais para corrigir os
“desequilíbrios” decorrentes do rentismo que corrói as finanças públicas. Então esse é o
projeto para o Brasil do que chamo Alta Finança Moderna, repetindo, na qual estão
incluídas as tesourarias das grandes empresas da indústria e do comércio. Pode até dar
crescimento do PIB, mas é um estilo de crescer que reproduz, paradoxalmente, o
subdesenvolvimento.
AE/CC: O Brasil está preparado para enfrentar mais uma crise do dito mundo
desenvolvido? Com essa crise mundial há possibilidade de se fazer alguma
projeção para economia brasileira para os próximos anos?
JCSB: É uma unanimidade o diagnóstico de que sim estamos em melhores condições
para enfrentar a instabilidade mundial. Mas, dependendo do tipo de defesa, poderemos
não avançar e até regredir quanto às perspectivas novas que assinalei acima. O estilo de
defesa não pode permitir a erosão das reservas internacionais, nem a recessão, nem o
desemprego, nem o corte de salários reais. Tem que haver dirigismo do crédito como já
houve em 2008/2009 com importante participação dos bancos públicos. Há que pegar o
“trem-bala” da crise – porque não se trata mais de bonde – e mudar intensamente a
política monetária o que é sinônimo de redução sensível das taxas de juros. Setores
público e privado devem “conversar” e organizar articuladamente o movimento dos
investimentos. E não se pode permitir a deterioração do balanço de pagamentos, com o
que mudar a tendência atual da taxa de câmbio e se necessário for fazer controle de
capitais. Enfim, em poucas palavras, mais Estado em termos qualitativos e quantitativos
(investimentos) e políticas públicas que “empurrem” o setor privado para decisões
produtivistas ao invés de para o rentismo ofensivo das finanças contemporâneas que
tem nos derivativos o emblema da acumulação fictícia de capital.

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