terça-feira, 23 de agosto de 2011

Encruzilhada brasileira


Folha de S.Paulo, 21/08/2011
Artigo
TENDÊNCIAS/DEBATES

MARCIO POCHMANN
O cenário atual de moeda valorizada faz avançar o Brasil dependente da geração de
produtos internos com forte conteúdo importado
O processo democrático das três últimas eleições nacionais conformou uma nova
maioria política comprometida com a sustentação do atual ciclo de expansão
econômica. A antiga maioria política, constituída pela Revolução de 30, e que por cinco
décadas conduziu o projeto de industrialização nacional, desfez-se com a crise da dívida
externa (1981-1983).
A imposição imediata da queda na taxa de lucro do setor produtivo se manteve
sobretudo pelas medidas macroeconômicas de esvaziamento do mercado interno em
prol de alta exportação e baixa inflação.
Nesse contexto, as alternativas implementadas por acordos políticos de ocasião
buscaram compensar o sentido redutivo da taxa de retorno dos investimentos produtivos
por meio da crescente valorização dos improdutivos ganhos financeiros. Assim, o Brasil
mudou da macroeconomia da industrialização para a da financeirização da riqueza, com
elevados ajustes fiscais.
Nos anos 1990, por exemplo, a sustentação do custo ampliado com o pagamento do
endividamento público, derivado de altas taxas de juros reais, se mostrou capaz de repor
aos grupos econômicos tanto o retorno econômico perdido pelo fraco desempenho da
produção como a garantia do próprio sucesso eleitoral. Mesmo assim, os sinais de
regressão econômica e social tornaram-se maiores.
Nas eleições de 2002 a 2010, contudo, fortaleceu-se inédita força política gerada pela
aglutinação dos setores perdedores do período anterior com parcela crescente de
segmentos em trânsito do ativo processo de financeirização da riqueza para o novo ciclo
de expansão dos investimentos produtivos.
Com isso, reacendeu-se o compromisso da maioria política emergente com a
manutenção da fase expansiva da economia, embora dúvidas permaneçam em relação
ao perfil do desenvolvimento brasileiro. A encruzilhada nacional dos próximos anos
reside aí: o resultado da disputa no interior da maioria política pelo Brasil da Fama
(fazenda, mineração e maquiladoras) ou pelo Brasil do Vaco (valor agregado e
conhecimento).
O cenário atual de moeda nacional valorizada faz avançar o Brasil dependente da
exportação de matérias-primas e da geração de produtos internos com forte conteúdo
importado. Dessa forma, a taxa de investimento abaixo de 20% do produto é suficiente,
assim como a contenção da inovação tecnológica, suprida por compras externas.
O Brasil da Fama cresce, gerando mais postos de trabalho na base da pirâmide social e
ocupando maior espaço global. Sua autonomia e sua dinâmica parecem menores diante
dos imutáveis graus de heterogeneidade econômica e social que marcam o
subdesenvolvimento.
O Brasil do Vaco, por outro lado, pressupõe reafirmar a macroeconomia do
desenvolvimento sustentada em maior valor agregado e conhecimento. A superimpulsão
dos investimentos é estratégica, pois gera agregação de valor em cadeias produtivas e
ampliação da inovação tecnológica e educacional. Assim, o novo desenvolvimento
brasileiro rompe com o atraso secular da condição subordinada do Brasil no mundo.
MARCIO POCHMANN, professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos
Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas, é presidente do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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