*José Álvaro de Lima Cardoso
A Medida
Provisória (MP) que viabiliza a privatização da Eletrobrás, foi sancionada no
dia 13 de julho pelo executivo federal. A medida tinha sido aprovada pela
Câmara no dia 21 de junho. Os vetos feitos à MP pelo governo, foram justamente os
que aliviariam um pouco os impactos da medida para os trabalhadores: aspectos
que mencionavam a aquisição de ações com descontos por parte de funcionários, que
proibiam de extinguir algumas companhias do grupo e a cláusula que obrigava o
governo a reaproveitar funcionários por um até um ano. Ou seja, todas os vetos do
governo federal foram para prejudicar ainda mais os trabalhadores (até aqui, sem
surpresas).
Da
proposta que veio do Congresso, Bolsonaro vetou, por exemplo, o trecho que proibia
a extinção, da incorporação, da fusão ou da mudança de domicílio estadual, por
dez anos, das subsidiárias Chesf (PE), Furnas (RJ), Eletronorte (DF), e CGT
Eletrosul (SC). Também nenhuma surpresa, todo poder aos capitalistas que
adquirirem o grupo. A MP é tão controversa que não unifica nem os golpistas de
2016: parte deles entrou com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade),
tentando impedir que a lei entre em vigor. As acusações desse segmento ao
governo, inclusive, são bastante graves, como o de conceder benefícios
localizados a determinados grupos.
As medidas
provisórias começaram a vigorar assim que publicadas no "Diário Oficial da
União". Mas necessitam ser aprovadas pelo Congresso Nacional em até 120
dias para se tornar leis permanentes. O
modelo de privatização que irá ser aplicado para a Eletrobrás é o de capitalização,
na qual são emitidas ações de forma a diminuir a participação da União no
controle da empresa. Atualmente o governo é dono de 60% das ações da Eletrobrás
e a intenção é reduzir esse percentual para 45%. Planejam privatizar até
fevereiro do ano que vem.
A Eletrobrás começou a ser fatiada e vendida já
durante o governo do golpista Temer (2016-2018). Os apagões ocorridos no Amapá
no ano passado trouxeram para o debate a tragédia que significa a privatização,
sob todos os pontos de vistas: risco à soberania nacional, aumento do custo da energia e piora na qualidade dos
serviços. É isto o que se observa no Brasil, na privatização desde o governo
Collor de Mello: piora no serviço, com simultâneo aumento do custo para o
consumidor. A privatização do setor elétrico no Brasil é sinônimo de apagão. No
início dos anos 2000, o período de maior avanço na privatização no setor, no
governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), o país sofreu um apagão que atingiu
todo o território e implicou no racionamento de energia.
As privatizações do setor elétrico são
acompanhadas, inevitavelmente, de demissão em massa, precarização do serviço
e das questões relacionadas à segurança e saúde do trabalhador. E,
principalmente prejuízos para a população, porque o histórico das privatizações no Brasil é de
precarização nos serviços e aumento da tarifa. O setor elétrico
brasileiro já é majoritariamente privado. A grande maioria das distribuidoras
de energia elétrica, que são aquelas que vendem energia para o cidadão, são privadas.
O país tem seis distribuidoras de energia estatais hoje, entre mais de 50 no
total. O restante são todas da iniciativa privada. Parte do parque
gerador já é privada, parte do sistema de transmissão também.
Nós
brasileiros mais velhos temos a vantagem de já ter visto esse filme, pois as
privatizações começaram no governo Collor. Os prejuízos são de várias
naturezas, a começar pela perda de segurança enérgica do país. O Brasil é
um país subdesenvolvido que precisa aumentar bastante o uso de energia elétrica
comparativamente aos países desenvolvidos. O país precisa muito ampliar a
oferta de energia elétrica para se desenvolver e se reindustrializar.
A iniciativa privada no Brasil não investe na
expansão do sistema, quer apenas ganhar dinheiro em cima da capacidade já
instalada. As grandes obras do país, em qualquer área, sempre foram realizadas
com a coordenação e financiamento do Estado. Todo o processo de
industrialização no Brasil teve a liderança do Estado, que definiu os rumos e
botou dinheiro no negócio. No setor elétrico, este processo teve a participação
decisiva das estatais, principalmente da Eletrobrás. A experiência da
privatização no governo FHC é fundamental. Enfrentamos apagão porque a iniciativa privada simplesmente não investiu. E com
um detalhe: como se tratava de um governo empregado do imperialismo, a Eletrobrás
foi proibida de investir. A experiência brasileira é de que a privatização
acaba com a segurança energética da população, como estamos vendo em algumas
partes do país (o caso do Amapá).
País
nenhum do mundo, que se pretenda soberano, entrega o controle do seu sistema
elétrico para a iniciativa privada. No nosso caso, as empresas que compram os
ativos públicos, são principalmente estrangeiras. Isso realmente é um atentado
muito grande à soberania, além de total falta de projeto nacional de
desenvolvimento. As empresas privadas, para ter o máximo de lucro mantêm
equipamentos de péssima qualidade e para não gastar com manutenção, trabalham
com equipes reduzidas, super exploradas, sem treinamento.
Energia
elétrica não é um produto qualquer. Um dos fundamentos da sustentabilidade
econômica de um país é a sua capacidade de prover logística e energia para o
desenvolvimento da produção, com segurança e em condições competitivas e
ambientalmente sustentáveis. Sem energia, não existe nação. Certamente não é
por acaso que os golpes de Estado na América Latina têm sido perpetrados também
para apropriação das fontes de matérias-primas, como o do Brasil, que teve como
principal motivação econômica, o petróleo. Vimos isso no Brasil, com o
Petróleo, na Bolívia, em 2019, com o lítio, e assim em todos os golpes, antigos
e os mais recentes.
O
processo de privatização de setores estratégicos, especialmente em um momento
como este de grande crise internacional, é uma grande empulhação da população. A
esmagadora maioria da população é enganada, vimos isso na criminosa
privatização do governo FHC. Se gastou uma fábula de dinheiro público para
fazer propaganda contra as estatais e enganar o povo. Quem resistiu e (perdeu)
foram os trabalhadores organizados e a população.
Historicamente, o setor elétrico brasileiro
foi explorado principalmente por concessionárias de geração, transmissão e
distribuição controladas pelo Governo Federal. Mas nas últimas décadas,
diversas medidas foram adotadas para reformular esse setor, em geral, em duas
direções: a) privatizar e b) eliminar restrições aos investimentos estrangeiros
(isso vem desde Collor com a intensificação das políticas neoliberais).
Privatização
e abertura para o estrangeiro, especialmente em um momento como este de crise e
de depreciação do preço dos ativos, é coisa de país subdesenvolvido, cuja
economia está a serviço dos países imperialistas. Não se vê EUA, Alemanha, ou
China abrirem esse setor para o estrangeiro. Nos EUA boa parte do setor
elétrico é, inclusive, controlado pelas forças armadas. A tendência no mundo
inclusive, no que se refere ao conjunto da economia, é de reestatização dos
setores (foram quase 900 reestatizações entre 2009 e 2018). Como o Brasil é um
país semicolonial (depois do golpe, isso piorou) há uma grande subserviência
aos capitais internacionais, como se eles fossem resolver o problema do Brasil.
A
Eletrobrás, possui entre suas 47 hidrelétricas as melhores geradoras de energia
do país, incluindo as de Tucuruí e as da Bacia do São Francisco. A Companhia é
responsável por 28% da geração de energia no país e 43% da transmissão. Possui
71.000 Km de linhas de transmissão de energia, o que corresponde à praticamente
a metade da extensão dessa rede em nosso país. Atua nos segmentos de geração e
transmissão, mas não tem distribuidoras. Tudo o que produz é para ser vendido a
quem vai colocar a energia dentro das casas das pessoas e cobrar por esse
serviço. Com a privatização, vão entregar de bandeja uma empresa com essas
qualidades para o capital internacional, que vem usufruir de um investimento de
bilhões e bilhões, realizado com dinheiro do povo.
Os
grandes capitalistas e seus comparsas, que irão adquirir as ações da Companhia
não pregam prego sem estopa. Saquear as empresas com alta rentabilidade, é uma
lei dos processos de privataria em todo o mundo. O governo prevê que todo o
processo de privatização da Eletrobrás, holding que detém o controle acionário
das estatais federais de energia elétrica, vá gerar algo em torno de R$ 60
bilhões. A Companhia é a mais eficiente do setor elétrico nacional, e a maior
empresa de energia elétrica da América Latina, respondendo por 30% da geração e
50% da transmissão de energia no país. Estimativas confiáveis avaliam o patrimônio
da empresa em um patamar de quase R$ 400 bilhões. Somente em 2018, 2019
e 2020 gerou lucros líquidos de R$ 31 bilhões, mais da metade do valor que o
governo estima arrecadar com a privatização. Se esse processo não for um roubo,
descarado e legalizado, o que mais poderia ser chamado assim no Brasil?
*Economista. 14.07.21.
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