quinta-feira, 29 de março de 2018

Imperialismo, soberania energética e o golpe de Estado.


                                                                                              *José Álvaro de Lima Cardoso. 
    Não há sociedade moderna, desenvolvida econômica e socialmente, sem suprimento regular, e em quantidade suficiente, de eletricidade e combustíveis. O Brasil nesse aspecto é privilegiado, porque produz praticamente toda a energia que consome e é, também, o segundo maior produtor de alimentos do mundo. Além disso, pelo menos metade da energia produzida no país é renovável e não poluente. Isso em decorrência, dentre outros aspectos, do peso das hidrelétricas na produção de eletricidade no país. O engenheiro e físico José Walter Bautista Vidal, uma das maiores autoridades do país no debate sobre energia, idealizador do Proálcool (falecido em 2013), dizia que uma enorme vantagem estratégica do Brasil é ser o grande continente tropical do planeta.  
   Segundo o professor, o país é “proprietário” do reator à fusão nuclear, o Astro-rei, responsável pela geração do petróleo, xisto, turfa, gás natural, elementos fundamentais para o desenvolvimento econômico-social de qualquer nação. O grande trunfo do Brasil, segundo Vidal, seria utilizar de forma imediata essa riqueza disponibilizada em profusão pelo sol, bastando realizar os investimentos necessários para a sua exploração. Segundo ele o Brasil é a civilização dos hidratos de carbono, que seriam os dividendos do reator à fusão nuclear, que a humanidade nunca irá conseguir reproduzir e que o Brasil dispõe com grande fartura.
     Para o professor os brasileiros foram agraciados com um “reator” à fusão nuclear particular, e com total condição de captar e armazenar essa energia, em função da abundância de água e da grande extensão territorial do país. Bautista Vidal costumava apontar a inevitável vinculação entre apropriação e uso das fontes de energia e sua relação com a política, em todos os seus aspectos, principalmente o militar. Se referia com frequência a um fato decisivo na geopolítica mundial: as nações hegemônicas no mundo são pobres em produção de energia, por se localizarem em regiões temperadas e frias do planeta, o que as levará, à inevitável decadência econômica. Exceto se tomarem o potencial de energia dos trópicos.
      Esse debate não poderia ser mais atual. O Brasil acabou sofreu recentemente um golpe de Estado, comandado pelos EUA, no qual um dos principais motivadores foi a cobiça por fontes de energia como um todo, mas especialmente as jazidas do pré-sal. O golpe foi perpetrado para, dentre outras coisas, interromper a viabilização, a partir de várias frentes, da soberania energética brasileira, para a qual são importantes todas as fontes de energia, e que é pré-requisito para o desenvolvimento econômico-social. O interesse do imperialismo são as ricas matérias primas existentes (água, minerais, biodiversidade da Amazônia) como um todo, mas as reservas do pré-sal estão no centro das motivações golpistas. A Lava Jato, Cavalo de Tróia do golpe, tratou de rapidamente prender o Vice-almirante e Engenheiro Othon Luiz Pinheiro da Silva, ainda em 2015, principal responsável pelas maiores conquistas históricas na área de tecnológica nuclear no Brasil. 
     Esse militar é considerado o principal mentor do programa nuclear brasileiro e o principal responsável pela conquista da independência na tecnologia do ciclo de combustível, o que colocou o Brasil em posição de destaque na matéria, no mundo. Por isso, durante vários anos, foi monitorado pela CIA. O militar, que recebeu todas as honrarias possíveis das Forças Armadas Brasileiras (tem oito das mais importantes medalhas militares), para os especialistas no setor, é considerado um patriota e um herói brasileiro. Para o judiciário entreguista da Lava Jato, é um corrupto. O vice-almirante recebeu a sentença mais rigorosa entre todos os réus da Lava Jato (até o momento cerca de 150): 43 anos de cadeia, o que, para um senhor de quase 80 anos de idade, na prática, significa prisão perpétua. O militar, que havia sido solto em 2017 por ter idade avançada e estar lutando contra um câncer, está ameaçado neste momento de voltar para a cadeia.
   O Programa Nuclear da Marinha, principal projeto nessa área no Brasil, foi criado em 1979 no Governo Geisel, com a ostensiva oposição do governo dos EUA. Em pouco tempo de existência do projeto, o país conseguiu dominar o ciclo completo de enriquecimento de urânio, com desenvolvimento nacional de centrífugas. OS EUA fizeram de tudo para impedir o programa, colocando inclusive o Brasil numa lista de países que não poderiam importar materiais visando o programa nuclear. Após uma longa interrupção do Programa, principalmente no período FHC, o programa foi reativado no governo Lula.
     Com a anúncio da maior descoberta de petróleo nos últimos 30 anos, em 2006, o pré-sal, o governo brasileiro fez um acordo com a França para desenvolver um projeto de fabricação de um submarino à propulsão nuclear, visando proteger a chamada Amazônia Azul (território marítimo brasileiro, com área corresponde a aproximadamente 3,6 milhões de quilômetros quadrados, equivalente à superfície da floresta Amazônica) que, somente na camada do pré-sal, pode conter até 300 bilhões de barris de petróleo. É dessa área que o país extrai 90% de sua produção de petróleo, daí a importância do Projeto. A empresa responsável para construção do estaleiro e de uma base naval para os submarinos foi a Odebrecht, a mais impactada pela destruição das empresas nacionais, levada à cabo pela Lava Jato. O presidente da empresa, Marcelo Odebrecht está preso há três anos e foi condenado a 19 anos de prisão. Este fato, por si só, já revela quem é a principal força do golpe no Brasil. Quem, além do império americano, teria força para encarcerar, de forma ilegal, o presidente daquela que era a maior empreiteira da América Latina e uma das mais importantes multinacionais brasileiras?
     A busca de soberania energética pelo Brasil, que significou por exemplo, a aprovação da Lei de Partilha em 2010 (com oposição dissimulada de José Serra e outros entreguistas), não foi, é claro, a única razão do golpe. O Brasil tomou uma série de outras iniciativas nos últimos anos, que desagradaram ao império: aproximação soberana dos vizinhos sul americanos, fortalecimento do Mercosul, ingresso nos BRICS, criação da Unasul (União de Nações Sul-americanas) e da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos). Além disso, realizou enormes obras de infraestrutura, como a represa de Belo Monte e vinha renovando os equipamentos das Forças Armadas, como nem os governos militares haviam feito. Ou seja, estava em curso, ainda que com uma série de limitações, um projeto nacional, na direção do Brasil como uma potência na Região.
     Talvez, de todos os equívocos cometidos pelos governos anteriores ao golpe, um dos mais graves tenha sido a subestimação da agressividade do império. Desde 2014, vários analistas, apontam o envolvimento da Lava Jato com as estruturas de espionagem do Império Americano. Os procedimentos ilegais utilizados na Operação, prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de criminosos, desrespeito aos princípios mais elementares da democracia (como a presunção de inocência), e a mobilização da opinião pública contra pessoas delatadas, são técnicas largamente utilizadas pela CIA em golpes e sabotagens mundo afora.  É fato conhecido que desde o fim da 2ª Guerra Mundial, Washington já tentou derrubar mais de 50 governos (a maior parte dos quais plenamente democráticos), bombardeou populações civis de mais de 30 nações e tentou assassinar mais de 50 líderes estrangeiros. Como mostra a história do Brasil no século XX, estava evidente que um projeto próprio e soberano para fazer do Brasil uma grande potência, mesmo que moderado, entraria em rota de colisão com os Estados Unidos. Deram um golpe, baseados em técnicas de comunicação e semiótica, sem precisar disparar um único tiro.
                                                                                                                       *Economista. 28.03.2018

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