José
Álvaro de Lima Cardoso*
A natureza
das propostas anunciadas pelo governo interino até o momento, ou já
encaminhadas ao Congresso, têm eixos bem definidos: diminuição do tamanho do
Estado, acumulação de recursos para fazer superávit primário e pagar rentistas,
redução dos custos do trabalho, ameaças à soberania do Brasil. Tais propostas
estão sendo encaminhadas no contexto de brutal crise mundial, e fazem parte das
estratégias adotadas em boa parte do mundo de transferir o ônus da crise para
os trabalhadores. As manifestações dos representantes do governo Temer nos
diversos ministérios, vêm impregnadas da ideologia de que o déficit público tem
como causadores os salários do funcionalismo público e os direitos sociais
decorrentes da Constituição de 1988. A estratégia é conhecida. Usa-se a crise
como pretexto para retirar direitos trabalhistas, desmanchar o que sobrou dos
direitos sociais e privatizar o que for possível de patrimônio público.
A
Constituição de 1988 não cabe no PIB. Esta é a narrativa que está por detrás de
boa parte das medidas já anunciadas ou encaminhadas pelo governo interino. A
dívida pública é questão explicativa fundamental do déficit público, pois a
maior parte do déficit é causada em função dos seus serviços. Porém nada de
substancial tem sido mencionado para enfrentar o problema. Pelo contrário, uma
série de medidas vem sendo anunciadas para garantir o pagamento dos serviços da
dívida. Neste ano, por exemplo, os gastos com pessoal e encargos no
funcionalismo público federal, deve cair em termos reais, já que os R$ 269
bilhões previstos, são inferiores ao valor gasto em 2015 (R$ 256,4) corrigidos
pela inflação do ano passado. Por outro lado a destinação orçamentária para
pagamento de juros e encargos da dívida pública, que era em 2015 de R$ 208,3
bilhões, passou, neste ano, na lei orçamentária, para R$ 304,1 bilhões.
Nenhum outro item de gastos, além daqueles com a dívida, teve um aumento de 40%
reais.
O
governo interino editou, ainda no dia 12/05, a Medida Provisória 727, que
retoma o processo de privatização dos anos de 1990. Na prática, essa medida
abre a possibilidade de privatização de todas as empresas controladas pela
União e estados. Mas o alvo central dos defensores da medida e investidores são
as joias da coroa: Petrobrás, Caixa Econômica, Eletrobrás, Banco do Brasil.
Sobre a MP diz o seguinte o Clube de Engenharia: “Configura-se como um cheque
em branco da sociedade repassado ao Executivo Federal. Cheque em branco através
do qual a sociedade concorda em ser destituída de titularidade e direitos sobre
recursos naturais e humanos da Nação brasileira”, A MP foi publicada
praticamente em sigilo e pode ir a plenário para ser votada em regime de
urgência.
Ao
mesmo tempo o governo prepara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
direcionada a limitar o crescimento real das despesas públicas. Com a medida
objetiva desvincular a evolução dos gastos da evolução PIB, conforme definido
pela Constituição de 1988, que possibilitou passar de 13,5% para 23% do PIB a
participação do gasto social do país. O curioso é que a citada PEC pretende
limitar com base no aumento da inflação as chamadas despesas primárias, que não
consideram os gastos do governo com o pagamento dos juros e amortização das
dívidas interna e externa. Fica assim de fora da regra almejada os gastos com a
dívida pública que, nos últimos 12 meses totalizaram quase R$ 500 bilhões e que
é, sem dúvida, o principal problema fiscal a ser enfrentado.
O
economista João Sicsú fez uma simulação do que teria ocorrido nos últimos dez
anos nas áreas da saúde e da educação se estivesse valendo a regra
Temer-Meirelles. Segundo a referida projeção se a regra da dupla
Temer-Meirelles estivesse em vigor desde 2006, a saúde teria perdido, entre
2006 a 2015, R$ 178,8 e a educação, R$ 321,3 bilhões, em relação ao que foi
efetivamente investido nessas áreas. Esta é uma amostra eloquente da natureza
do programa social que o governo golpista está reservando para o povo
trabalhador deste país. Programas ultra neoliberais, como o que o governo
interino pretende implantar, estão sendo questionados no mundo todo, nem o FMI prescreve
mais programas desse tipo. Já conhecemos os passos dessa estrada: não resolverá
os problemas do Pais e irá concentrar ainda mais a riqueza.
*Economista
e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário