Desde 2013, a grande burguesia interna
brasileira voltou a apoiar uma política externa de
subordinação passiva com o imperialismo.
O artigo é de Tatiana Berringer,
professora de Relações Internacionais da UFABC, membro
do GR-RI e autora do livro A burguesia brasileira e a
política externa nos governos FHC e Lula. Editora
Appris, 2015, em artigo publicado porCartaCapital, 23-06-2016.
A política externa foi um
instrumento importante dos programas de governo do PSDB e
do PT. Em conjunto com as demais políticas
(econômica e social) a atuação internacional do Estado
brasileiro foi determinada pelos interesses das frações
de classe hegemônicas no bloco no poder que dirigiram
duas frentes políticas distintas: a neoliberal e aneodesenvolvimentista.
A primeira é dirigida pela burguesia
compradora, fração de classe subordinada ao capital
externo, que reproduz de maneira passiva os interesses
imperialistas no interior da formação social brasileira.
A segunda frente é dirigida pela grande
burguesia interna brasileira, fração dependente do
capital externo, mas que, ao mesmo tempo, concorre com
ele e, por isso, necessita da intervenção estatal para
garantir a sua sobrevivência.
Durante os governos PT a posição
política do Estado brasileiro transitou de uma
subordinação passiva ao imperialismo para uma posição de
subordinação conflitiva dada à ascensão da grande
burguesia interna no interior do bloco no poder. Essa
alteração teve forte impacto geopolítico contribuindo
para o fortalecimento do ciclo degovernos progressistas na América do Sul, para
a cooperação com os BRICS e a criação do Banco de
Desenvolvimento desse agrupamento.
Desde o final dos anos 1980, quando o País
vivia uma grave crise econômica, premido pela
necessidade e urgência de renegociar a dívida externa, pela pressão dos Estados Unidos para a abertura
econômica, pela privatização dos serviços públicos e o
acesso às compras governamentais - tudo isso produziu
efeitos sobre a burguesia industrial, que passou, após
retaliações às suas exportações, a aderir a agenda
neoliberal, ainda que com uma posição de certa forma
moderada em relação à abertura comercial.
Interessava a essa fração da classe
dominante brasileira a redução dos encargos trabalhistas
e dos tributos, por isso, aderiu à falsa ideia de que as
políticas de industrialização por substituição de
importações estariam ultrapassadas, e que a estratégia
para a recuperação da capacidade industrial brasileira
deveria ser a “integração competitiva” à chamada globalização neoliberal.
Essa estratégia se resume à agenda da redução do “Custo Brasil”, defendida
pelas entidades patronais como aFiesp e
a CNI. Como a história demonstrou, a
ofensiva contra os direitos trabalhistas e a redução das
políticas sociais, bem como as privatizações e a
abertura comercial ao invés de dinamizarem a economia
brasileira, aprofundaram a dependência e a
vulnerabilidade externa do país.
Por isso, no final dos anos 1990, a grande
burguesia interna brasileira, composta pela indústria
manufatureira, grandes construtoras nacionais, empresas
estatais e o agronegócio, tendo em vista as negociações
da Área
de Livre Comércio (ALCA) e os resultados negativos da
implantação do neoliberalismo no Brasil,
começou a se aglutinar reivindicando uma abertura
comercial negociada (em detrimento da abertura comercial
unilateral que vinha sendo adotada), além da preferência
nas compras governamentais, a conquista de novos
mercados para a exportação dos seus produtos e a
garantia de acesso a territórios para a instalação de
suas empresas.
Assim, durante os governos Lula e Dilma o Estado
brasileiro se aproximou de muitos Estados dependentes,
garantindo o fortalecimento da integração regional, o
multilateralismo e o conflito pontual com o
imperialismo.
Essa política garantiu enormes ganhos
econômicos e obteve apoio da grande burguesia interna
brasileira. Mas, desde 2013 essa
postura mudou. Agora a Fiesp parece
saudar a política externa do ministro das Relações
ExterioresJosé Serra e do governo
golpista: uma política que restabelece a subordinação
passiva com o imperialismo.
O que teria produzido essa alteração na
postura da entidade? O que a levou a integrar a frente
política neoliberal e conservadora que dirige o golpe
de Estado no
Brasil?
Em primeiro lugar é preciso destacar que a
ofensiva do imperialismo e da frente neoliberal exerceu
um importante papel para que essa fração se
desaglutinasse e para ao menos parte dela se aliasse aos
setores que defederam o afastamento do governo eleito em
2014. Além do fato de que uma parcela foi presa pela Operação Lava Jato.
Em segundo lugar, acreditamos que quatro
elementos foram fundamentais para que a Fiesp e
outras entidades patronais passassem a se opor ao governo do PT, aderindo ao golpismo, e
acusando a política externa de ideologização e
isolamento.
São eles: a diminuição do PIB a
partir de 2012, fruto do impacto da crise econômica internacional e da decisão do
governo chinês de reduzir o crescimento; a crise
econômica na Argentina e a necessidade de imposição de
barreiras comerciais que impactaram as exportações
brasileiras; o golpe de Estado no Paraguai e a decisão de
suspender esse Estado do Mercosul e aprovar a
entrada da Venezuela;) o avanço nas negociações dos
mega-acordos internacionais (Acordos da Parceria Transpacífica, Acordo Transatlântico e Acordo de Comércio e
Serviços) e a nova rodada de negociações do
acordo entre o Mercosul e a União Europeia a partir de
2010.
A diminuição do PIB e
os conflitos comerciais com a Argentina revelam que a
relação dessa fração com os governos PT é
ideologicamente frágil e condicionada a ganhos
econômicos imediatos. A grande burguesia interna diante
da redução dos lucros revê facilmente seu apoio a esses
governos e à política externa de caráter progressista.
Ademais, a entrada da Venezuela no Mercosul é vista pela Fiesp e
pela CNI como
uma ameaça à agenda externa dado o anti-imperialismo dos
governos Chávez e Maduro. Essa fração, dada sua
dependência financeira e tecnológica em relação ao
imperialismo, não aceita um confronto mais aberto com os Estados Unidos e União Europeia e também é
refratária às políticas de distribuição de renda.
Em outras palavras, ela não é uma burguesia
nacional que poderia em aliança com as classes populares
assumir uma luta anti-imperialista. Ao contrário, nos
momentos de crise política como em 1954,
1964 e agora ela se alia à burguesia compradora e ao
imperialismo contra as classes populares.
Essa fração parece acreditar na celeuma de
que o País ficaria isolado diante dos mega-acordos
internacionais e oMercosul seria o entrave
para isso. Situação parecida com o início dos anos 1990
quando ela aderiu ao programa neoliberal, sobretudo
quando a Fiesp apresenta
a defesa de que o Brasil deveria apostar
uma “integração competitiva” às chamadas cadeias globais
de valor.
A entidade nega a história recente e as
razões do desenvolvimento
desigual e
da dependência entre as nações. Ademais não tem
compromisso estratégico com a integração regional
econômica, produtiva, política e social e com os BRICS enquanto
agrupamento capaz de trazer um novo equilíbrio de poder
no sistema internacional.
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