José
Álvaro de Lima Cardoso*
Está em debate no Senado Federal o PLC 30/2015 (regulamentação das terceirizações no setor privado), que propõe mudar a legislação sobre contratos de terceirização no Brasil, com prováveis impactos sobre o mercado de trabalho. O senador Paulo Paim (PT-RS), relator do projeto, assumiu o compromisso de unificar a redação do PLC com outros três projetos que tratam do mesmo tema. Considerando a complexidade e a abrangência do tema, e os interesses econômicos concretos envolvidos, vale observar que:
1) A terceirização,
o processo através do qual a empresa transfere para outra, atividades ou
processos anteriormente realizados por ela, não é novidade no Brasil, desde a
década de 1970 existem registros de casos, porém como um instrumento meramente
complementar à atividade produtiva;
2) No início da década de 1990, no entanto, a
terceirização, virou uma espécie de “onda” no meio empresarial, um dos aspectos
de uma ampla reestruturação produtiva, que marcou a economia brasileira na
década de 1990. Nessa década, portanto, a terceirização deixa de ser uma
política de gestão usada marginal e localizada e passa a ser aplicada de forma
ampla e intensa, especialmente nas grandes empresas;
3) No contexto dos anos de 1990, a terceirização
surge como uma reação das empresas a uma conjuntura que combinava: recessão
econômica, abertura da economia às importações, privatizações e outras mudanças
estratégicas na condução da economia e da sociedade brasileiras;
4) A terceirização, enquanto instrumento de gestão
empresarial, pode ser considerada válida em muitos casos, pois possibilita a
focalização da empresa no que ela faz de melhor, e na sua “missão” enquanto
unidade produtiva, seja de produtos manufaturados, seja de serviços ou
comércio. Essa focalização tem como objetivo elevar os níveis de produtividade
e a qualidade da produção ou serviço prestado;
5) No entanto, em função do contexto histórico, a
experiência concreta de terceirização no Brasil vem associada com: a)
precarização das condições de trabalho e insegurança; b) redução do emprego,
isto é a empresa terceira não recontrata todos os trabalhadores desligados pela
empresa mãe, por ocasião da terceirização; c) redução de salários, quase sempre
os trabalhadores terceirizados ganham menos que os demais, ainda que exerçam a
mesma função do trabalhador não terceirizado; d) desqualificação: na política
de treinamento das empresas dificilmente o trabalhador terceiro é incluído; e)
jornadas superiores aos demais trabalhadores (em alguns casos);
6) A terceirização surgiu no Brasil, portanto,
muito mais como uma forma de as empresas reagirem aos desafios de mercado,
impostos pela política econômica praticada no país na década de 1990, do que
propriamente como uma alternativa virtuosa de avanços da produtividade e da
qualidade da produção. O problema tem sido agravado pelo fato de que, à exemplo
do que ocorre com a reestruturação produtiva em geral, os sindicatos de trabalhadores
não têm conseguido interferir eficazmente - através da negociação coletiva - no
processo de terceirização, mesmo que isso signifique redução de empregos e
precarização das condições de trabalho;
7) Há fortes indicações de que a
perspectiva principal do empresariado, com as mudanças na regulamentação da
terceirização é, antes de tudo, reduzir custos. A Confederação Nacional da Indústria
(CNI), na Sondagem Especial – Indústria Total, realizada em julho de 2014,
mostra que 85,6% das empresas consultadas afirmam que a terceirização é
“importante ou muito importante para a redução de custos” e que para 59,9% é
uma forma de eliminar a chamada “insegurança jurídica” (e possíveis passivos
trabalhistas). Fica evidente uma das principais finalidades da aprovação do
projeto: reduzir custos por meio da
redução da remuneração e das condições de trabalho;
8) A visão predominante nas empresas
é que a terceirização é um problema meramente administrativo, que não diz
respeito às direções sindicais. Esta é uma questão bastante séria, porque a
terceirização, além de representar redução de empregos, leva também à
fragmentação sindical, na medida em que trabalhador terceirizado não se associa
ao sindicato, não participa dos fóruns sindicais, ganha menos, não tem
benefícios, é desqualificado e tem mais medo de perder o emprego. Por
conseguinte, seu poder de barganha e negociação perante o patrão é praticamente
nulo;
9) O problema é extremamente complexo, pois não é
possível, simplesmente “desterceirizar” o mercado de trabalho brasileiro. Se estima
em 13 milhões o número de trabalhadores terceirizados no país, ou seja, é um
processo sem volta. Os esforços têm que ser no sentido de regulamentar o
trabalho terceirizado, garantindo plenos direitos e a garantia de uma vida
decente a estes trabalhadores. Cabe à sociedade brasileira encontrar os
instrumentos para vencer mais este desafio.
10) Não podemos imaginar que atingiremos a condição
de grande nação mantendo tantas formas de trabalho indigno, como o escravo,
infantil e precarizado. Acabar com estas e outras mazelas do mercado de
trabalho está entre as grandes tarefas da sociedade brasileira para os próximos
anos.
*Economista
e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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