sábado, 24 de outubro de 2015

Pensava que o exército sírio estava morto? Dê uma olhada agora

Robert Fisk, The Independent - Sensor transcreveu do Carta Maior
  Enquanto o mundo ainda se enfurece diante da presunção da Rússia no Oriente Médio – intervir na Síria em vez de deixar os americanos decidirem que ditadores devem sobreviver ou morrer – esquecemos a única instituição naquela terra árabe que continua a funcionar e proteger o estado que Moscou decidiu preservar: o exército sírio. Enquanto a Rússia propagandeia seus mísseis, os militares sírios, há meses com pouco efetivo e poucas armas, de repente partiram para a ofensiva. No início deste ano, podemos lembrar, este mesmo exército era dado como arruinado, e o governo Bashar al-Assad considerado agonizante.

Empregamos nosso próprio exército de clichês para justificar uma mudança de regime. O exército sírio estava perdendo terreno – em Jisr al-Shugour e em Palmira – e, por isso, previmos que todo o estado de Assad havia chegado ao limite.

Então chega Vladimir Putin com suas frotas aéreas e mísseis e, de repente, tudo muda. Enquanto estávamos ocupados afirmando que os russos estavam bombardeando os rebeldes "moderados" – moderados que já não existiam de acordo com o alto comando americano – deixamos de prestar atenção à ofensiva militar que os próprios sírios empreendem agora contra os combatentes da Frente Nusra, ao redor de Alepo e no vale do Orontes.

Agora, são os comandantes sírios que dão as coordenadas para quase todos os ataques aéreos russos. No começo, eram entre 200 e 400 coordenadas por noite. Hoje, o número chega a 800. Não que os russos vão atrás de cada referência no mapa, é claro. Os sírios descobriram que os russos não querem disparar contra alvos em áreas edificadas; eles preferem deixar hospitais incendiados e massacres em festas de casamento para os norte-americanos no Afeganistão. É claro que esta política pode mudar. Nenhuma força aérea bombardeia países sem matar civis. Nem sem ultrapassar fronteiras.

Mas os russos agora estão informando suas coordenadas de vôo aos turcos – e, pela lógica, esta informação deve chegar aos norte-americanos. Ainda mais incrível é que criaram uma linha direta entre sua base na costa mediterrânea da Síria e o ministério da Defesa de Israel, em Tel Aviv. Mais ainda mais surpreendente é que os israelenses – que têm o hábito de atacar pessoal sírio e iraniano perto das Colinas de Golã – de repente desapareceram dos céus. Em outras palavras, os russos estão envolvidos em uma grande operação, não numa atuação-relâmpago apenas na Síria. E é provável que dure muito tempo.

Os sírios estavam inicialmente ansiosos para retornar a Palmira, capturada pelo Exército Islâmico em maio, mas os russos demonstraram mais interesse na região de Alepo, em parte por acreditarem que suas bases costeiras próximas a Lattakia estejam vulneráveis. A Frente Nusra disparou vários mísseis em direção a Lattakia e Tartous, e Moscou não tem nenhuma inteção de deixar sua força aérea se tornar alvo em solo. Mas o exército sírio está agora deslocando suas quatro principais unidades – a 1ª e 4ª Divisões, as Guardas Republicanas e as Forças Especiais – para as frentes de batalha, e a movimentação se aproxima da fronteira turca.

Não está claro se os ataques aéreos russos ao redor da "capital" do Estado Islâmico, Raqqa, estão enfraquecendo o EI, embora os sírios gostem de se vangloriar de ter um eficiente serviço de informação na cidade. Seria interessante, se for verdade, porque o EI é especialista em torturar até a morte os "agentes do regime" e seria preciso muita coragem para passar informações a Damasco. Mas os contos dos viajantes podem ser verdade. Há uma rota de ônibus regular de Raqqa a Damasco – ônibus têm o estranho hábito de cruzar linhas de combate na maioria das guerras civis – e mesmo se os passageiros não quiserem falar com jornalistas, vão falar sobre o que viram ao chegarem em casa.

Tudo isso é apenas o começo da aventura de Putin. Ele se tornou um grande viajante para o Oriente Médio – e já fez grandes amigos em outro importante país da região, como aquele o presidente-marechal de campo que obteve mais de 96% nas pesquisas e atualmente governa o Egito. Mas o exército egípcio, lutando sua guerrinha no Sinai, não tem mais a experiência estratégica de uma grande guerra. Apesar do flerte com o Iêmen, a Líbia, a Síria e outros alvos de ocasião, as autoridades militares da Arábia Saudita, Emirados Árabes e Jordânia também não têm muita ideia de como uma verdadeira guerra é travada. O exército da Líbia está em pedaços. E os militares do Iraque dificilmente ganhariam uma medalha pelo combate a seus inimigos islâmicos.

Um fator, porém, não deve ser menosprezado.

Se vencer – e se mantiver unido, e se seu efetivo, reconhecidamente baixo, for preservado – o exército sírio sairá desta guerra como o mais duro e experiente exército árabe em toda a região. Ai de qualquer um de seus vizinhos que se esquecer disso.

Tradução de Clarisse Meireles


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