Clemente
Ganz Lúcio [2]
Abordar a
necessidade de acordo social para articular e promover uma
estratégia de
desenvolvimento do Brasil, bem como os elementos que conformam
uma agenda capaz
de viabilizar esse movimento, é o objetivo deste artigo.
O Brasil é
a sétima maior economia do planeta, com fantásticos ativos
naturais, uma base
industrial diversa, grande setor agropecuário, amplos setores de
serviços e
comércio; um Estado complexo com grandes empresas públicas e um
robusto sistema
de proteção social; com diversidade cultural e grande capacidade
criativa; com
um povo que olha o futuro com otimismo, disposto a trabalhar
para antecipá-lo,
aproximando-o do presente. Ao mesmo tempo, a desigualdade e a
pobreza formam um
precipício que nos afasta da condição histórica de fazer desses
ativos
elementos do nosso bem-estar coletivo, com qualidade de vida
para todos e com o
urgente equilíbrio ambiental.
Uma meta
A história econômica de países que alçaram crescimento
como fator de
desenvolvimento indica que precisaríamos dobrar o tamanho da
nossa economia
para, potencialmente, atingir uma condição de riqueza e renda
suficiente para
oferecer as condições materiais para o bem-estar coletivo. Para
dobrar o PIB per
capita até 2030, seria necessário crescer em torno de 5,5%
ao ano.
Entretanto, desde os anos 80, o país cresce muito aquém,
jogando para o
futuro a possibilidade de realizar a meta considerada adequada.
Na segunda
metade da década passada o crescimento do país foi sustentado
pelo comércio
exterior de commodities agrícolas e minerais; pelo
incremento do mercado
interno de consumo de massa e pelo aumento dos investimentos. O
crescimento
econômico se aproximou da meta citada. Entretanto, não houve um
novo arranjo
político-econômico capaz de adicionar àquele ciclo um aumento
sustentado do
investimento em infraestrutura econômica, social, produtiva e
industrial.
Realizar esse arranjo seria condição para continuar ampliando o
mercado interno
de consumo de massa, favorecer o incremento da produtividade,
gerar empregos e
aumentar a média salarial.
Por que fracassamos mais uma vez?
Não
logramos romper com a visão de curto prazo focada somente em
interesses
corporativos, não revertemos a regressão industrial e as
fragilidades
estruturais para o desenvolvimento produtivo, em um mundo cada
vez mais
complexo, interdependente, globalizado e extremamente
competitivo. Fracassamos
porque não enfrentamos a estrutura rentista de brutal
transferência de renda e
riqueza, nem promovemos transformações da estrutura tributária,
na organização
política, na modernização da gestão do Estado, na democratização
dos meios de
comunicação, entre tantas outras mudanças necessárias.
Do sonho
a um projeto
A utopia é
o desenho de um sonho capaz de nos colocar em movimento. O
debate público é o
espaço e o processo por meio do qual se formula a declaração
coletiva de uma
utopia que adquire a qualidade de interesse geral. Ao construir
uma visão compartilhada
sobre o futuro, a sociedade traz esta visão para o presente na
forma de um
projeto: declara uma intencionalidade que orienta o sentido do
desenvolvimento,
para o qual a nação se mobiliza. Sem utopia não há
transformação.
A
construção de um projeto requer acordo
Seja como
meta ou como processo pelo qual se alcança o resultado, as
questões centrais do
desenvolvimento exigem definir, em processo de permanente
reelaboração, a
indicação normativa de onde se quer chegar. Como combinar os
elementos no plano
operativo para promover processos que gerem os resultados
almejados? Como
repartir e enfrentar o custo da transição entre a situação
presente e os
objetivos a alcançar, viabilizando os recursos necessários para
construir
escolhas diante das oportunidades e das restrições, em cada
situação histórica
e frente às possibilidades de processos de transformação?
O
tratamento destas questões, e as necessárias escolhas,
constituem-se na
atividade própria da política, cujo fim é produzir coesão social
suficiente
para intervir e mudar a situação presente. Cabe à política
enunciar o que a
sociedade quer como bem-estar social, qualidade de vida e
equilíbrio ambiental
e, ao mesmo tempo, coesioná-la para dar suporte e promover o
desejo coletivo
enunciado. Nesse contexto, abre-se a possibilidade de outro jogo
social e de
novas regras a reger as relações sociais.
O melhor
resultado é aquele no qual a sociedade ganha porque as partes
que jogam
constroem outras possibilidades de resultados por meio do acordo
social e político.
Acordo político no Brasil?
A
Constituição de 1988 é o nosso atual pacto político, fruto da
luta social pela
liberdade e democracia, que desembocou em um espaço de complexas
negociações
entre forças sociais. Coesionou-se, nos limites da nossa
transição lenta e
gradual, uma nova vontade geral consubstanciada na Carta Magna.
Quase 30 anos
depois, a sociedade declara a sua incompletude. O jogo social,
analisado a
partir das possibilidades do desenvolvimento, exige que o
contrato social
expresso na nossa Constituição seja aperfeiçoado, alterado e/ou
detalhado. Essa
é uma tarefa fundamental, indicada na agenda de reformas que
setores da
sociedade conclamam.
Superando a desigualdade
A
desigualdade é um impeditivo estrutural para o desenvolvimento,
pois cada
cidadão ou sujeito coletivo tem capacidade desigual para
intervir na construção
de outra vontade geral. Essa diferença intencionalmente
produzida confere
desvantagem insuperável entre os atores do jogo social e cria
regras que
reproduzem a própria desigualdade. Essa desigualdade se expressa
também em um
estoque de déficits para enormes contingentes de brasileiros.
Articuladas,
essas duas dimensões da desigualdade destroem possibilidades de
coesão social.
Recentemente,
Thomas
Piketty e dezenas de pesquisadores trouxeram para o debate a
questão da
desigualdade. O estudo, assentado na análise de informações
referentes a longos
períodos (desde meados do século XVIII), desemboca em um campo
propositivo que
indica a necessidade de pensar o que é,
e o que será um/o Estado social; observar a centralidade
da questão
tributária nacional e global; e encarar as graves restrições
impostas pelo
pagamento e remuneração da dívida pública. Afirma que o Estado
precisa
mobilizar a nação para responder ao desafio fiscal de
financiamento do padrão
de desenvolvimento seja na dimensão produtiva, seja na esfera
distributiva. Do
mesmo modo, indica que a convergência tecnológica
intencionalmente procurada e
construída, com inovação nos métodos de produção e de
qualificação da mão de obra,
é fator essencial para promover o incremento da produtividade e
da renda
nacional[3].
A
complexidade da sociedade, dos problemas e dos fenômenos, bem
como a
desconfiança - característica presente na vida política de uma
sociedade
desigual - criam enormes dificuldades para a construção de
acordos. Por isso, é
preciso que a questão da transformação seja colocada, com vistas
à promoção da
igualdade, apostando na construção de acordos parciais que
mobilizem, pela
experiência, pelo reconhecimento e pela cultura política que
geram acordos
sociais mais amplos. A aposta é que múltiplos processos e
acordos parciais
abram um campo de possibilidades de novas escolhas e de
construção de confiança
política capaz de orientar e dar suporte à mudança social.
O ponto de partida para a
mudança
O olhar
prospectivo
visa a transformação da dinâmica de baixo crescimento econômico,
reduzido
incremento da produtividade, baixas taxas de investimento e
regressão do setor
industrial que requer uma mudança estrutural.
Desse
ponto de vista,
as estratégias devem buscar a expansão de emprego/renda e da
produtividade, ao
mesmo tempo. Esse propósito deve enfrentar o movimento histórico
concreto no
qual ocorreram profundos descompassos entre essas duas
expansões. Do mesmo
modo, e com urgência, a política de desenvolvimento produtivo
deve ter, no
incremento tecnológico e de capital, a intencionalidade de
reduzir efeitos
perversos da atividade produtiva sobre o meio ambiente, criando
condições,
inclusive, para preservá-lo e recupera-lo.
As
transformações
requerem mudanças estruturais que modernizem o Estado,
potencializem o
investimento, melhorem a capacidade do setor público em
articular o
desenvolvimento produtivo com as políticas macro, setoriais e
industrial.
A
oportunidade do
momento presente
A crise
internacional
revela-se longa, com profundos reflexos sobre a taxa de
crescimento mundial, o
que causa sérios impactos nos países em desenvolvimento,
inclusive o Brasil. As
políticas para a sustentação da renda das famílias e as
inciativas
macroeconômicas e setoriais necessárias para alavancar o
investimento - fatores
determinantes para sustentar a demanda agregada e o crescimento
- encontraram
uma série de entraves e impedimentos que torna o presente um
momento complexo e
que derruba o crescimento da economia.
Há o
desafio de criar
caminhos. A crise traz riscos destrutivos de grande monta, onde
todos perdem, e
podem perder muito. Uma ação institucional deve ser voltada para
indicar a
gravidade do problema, na perspectiva de sua superação, e para
mobilizar para o
enfretamento da crise com o objetivo de criar um campo de
entendimento que
reconfigure as disponibilidades dos atores sociais e agentes
econômicos para
novos arranjos das capacidades do setor privado e público e da
sua relação.
O PPA
2016-2019,
uma oportunidade
Está no
Congresso
Nacional, encaminhado pelo Governo Federal, a proposta de PPA
(Plano
Plurianual) para o período de 2016 a 2019. Quatro eixos
estratégicos norteiam a
estratégia proposta para o desenvolvimento brasileiro, que são:
- Educação de qualidade como caminho para a cidadania e o desenvolvimento social e econômico.
- Inclusão social e redução das desigualdades, com melhor distribuição de oportunidades e do acesso a bens e serviços públicos de qualidade.
- Ampliação da produtividade e da competitividade da economia, com fundamentos macroeconômicos sólidos, sustentabilidade e ênfase nos investimentos públicos e privados, especialmente em infraestrutura.
- Fortalecimento das instituições públicas, com participação e controle social, transparência e qualidade na gestão.
Uma
questão central
para a promoção do desenvolvimento econômico e social é aumentar
a
produtividade e o investimento. Quatro vetores devem conduzir
esse processo:
- Aumentar o investimento público e privado, especialmente em infraestrutura econômica, social, urbana e produtiva.
- Aumentar o investimento em educação, com foco na qualidade do ensino.
- Incentivar e promover a pesquisa, o desenvolvimento tecnológico, a inovação no chão das empresas e a difusão entre os setores, dentro de cada setor e entre as empresas e organizações.
- Modernizar o Estado, promovendo reformas institucionais que simplifiquem e promovam a progressividade tributária, desburocratizem e agilizem a administração pública e as obrigações das empresas e do cidadão, aperfeiçoem a regulação dos mercados, entre outros.
Um
acordo social
poderia ser construído a partir do debate público dessas
propostas, conformando
nossas escolhas estratégicas e definindo sua forma de
financiamento.
Os
atores sociais têm
suas agendas, com propostas e projetos, que devem ser colocadas
sobre a mesa de
negociação e compartilhados, compreendendo como cada proposta se
relaciona com
a perspectiva geral do desenvolvimento e como sua implantação
altera a posição
relativa de cada um no jogo econômico e social. Construir o
interesse geral não
é promover a soma dos interesses específicos, mas é construir no
espaço de
conflitos e contradições, uma nova disponibilidade de cada um
para se colocar
em outro jogo social.
Frentes
de expansão
Concordamos
com
Bielschowsky, quando diz que há três frentes de expansão,
verdadeiros “motores”
do desenvolvimento brasileiro, que poucos países têm e que devem
estar no
centro da nossa estratégia:
“um amplo mercado interno de consumo de massa
– que será
tanto maior e mais amplo quanto melhor vier a ser a distribuição
de renda – e
também uma estrutura produtiva potencialmente capaz de vir a
realizar
localmente boa parte da produção em larga escala correspondente,
nos setores
primários, industriais e de serviços, sem prejuízo de ampliar as
exportações; uma
forte demanda nacional e mundial por seus abundantes recursos
naturais; e
perspectivas favoráveis quanto à demanda estatal e privada por
investimentos em
infraestrutura (econômica e social).”[4]
O
investimento em
inovação e no encadeamento produtivo será determinante para
potencializar essas
três frentes de expansão.
Posicionamentos
recentes
Nas
últimas semanas
houve várias manifestações de dirigentes sindicais, líderes
sociais,
empresários e lideranças políticas, indicando a necessidade de
algum tipo de
diálogo.
Há uma
preocupação
com a crise e com as alternativas para enfrentá-la e superá-la.
Manifesta-se a
intenção de um movimento para reunir força política e capacidade
cognitiva para
indicar caminhos para a transição para o crescimento e sua
sustentação no médio
e longo prazo.
A
política econômica
de desenvolvimento produtivo com distribuição de renda requer
promover a
redução da taxa de juros básica da economia e do spread bancário; sustentar taxa de câmbio que
permita às empresas
competitivas produzirem e participarem do mercado interno e
externo e sustentar
incremento do investimento.
A
oportunidade da crise
atual é eliminar a zona de conforto, reacendendo o debate sobre
caminhos e
escolhas. Há espaço para diferentes caminhos, inclusive para
aqueles que podem
representar retrocesso de várias magnitudes e em diversos
aspectos. Há, porém,
espaço para a construção de uma agenda que recoloque na
centralidade da ação do
governo e dos atores sociais, a articulação de alternativas para
o crescimento
e o desenvolvimento.
O desafio é
resignificar
os sentidos da liberdade, da igualdade, da justiça e do
desenvolvimento, neste
momento de enormes desafios. Abre-se, assim, a possibilidade de
construção de
novos compromissos. Há decisões políticas que são capazes de
antecipar o
futuro, fazendo do presente um campo fértil de construção do
nosso
desenvolvimento.
[1]
Artigo publicado no Le Mode Diplomatique Brasil, número 99,
ano 9, outubro de
2015, pp 6 e7. Disponível em www.diplomatique.org.br
[2] Sociólogo, diretor técnico do
DIEESE, membro do CDES
– Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
[3] PIKETTY, Thomas, “O capital no século XXI”,
Rio de Janeiro,
Intrínseca, 2014, 677 p.
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