domingo, 12 de fevereiro de 2012

Entrevista – José Walter Bautista Vidal: “O Brasil é o futuro da humanidade”.

José Walter Bautista Vidal- é um físico brasileiro, ex-professor da Universidade de Brasília que, juntamente com Urbano Ernesto Stumpf (1916-1998), foi o idealizador do motor à álcool.




Detentor do maior potencial energético do planeta, por ser o único país capaz de comandar o processo mundial de substituição do petróleo, em vias de extinção, por energias renováveis e limpas derivadas do álcool e de óleos vegetais, o Brasil estará cometendo um enorme erro se utilizar o óleo da camada do pré-sal para solucionar  o problema da escassez do petróleo. Ao invés disso, o país deve exportar o petróleo do pré-sal para montar uma grande infraestrutura para a produção de biocombustíveis e, com isso, se tornar a maior potência energética do mundo, soberano na produção de energia a partir da biomassa (vida mais energia concentrada), independente financeiramente e acabar com a pobreza.

Quem dá a receita é  o físico José Walter Bautista Vidal, considerado uma das maiores  autoridades do país em produção de energia,  responsável pela construção de cerca de 30 instituições de pesquisas no Brasil, dentre elas o CEPED, na Bahia e pela implantação do Proálcool, em meados da década de 70 do século passado, até então o maior e único programa mundial de substituição do petróleo, por biocombustíveis, no caso o álcool da cana-de-açúcar. O Proálcool começou a ser demosntado em 1979, depois que o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, disse que “os EUA não permitiram  um outro Japão ao sul do Equador”, iniciando com isso o neoliberalismo e o esfacelamento do Estado.
Respeitado pela comunidade científica internacional, Bautista Vidal, nascido em Salvador há 75 anos,  exibe a energia de um dínamo, quando fala em produção energética.  Visionário bionenergético,  Bausta Vidal foi homenageado pelo Governo da Bahia, no dia 18 de outubro, na abertura da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia na Bahi, por ter sido o primeiro secretário de Ciência e Tecnologia do Brasil, quando ocupou a Secretaria de C&T da Bahia (hoje SECTI), criada em 1968 pelo então governador Luís Viana Filho.  Buatsita Vidal é também autor de importantes livros que explicam o Brasil do passado e pensam do país do futuro, como De estado Servil a Nação Soberana – Civilização Solidário dos Trópicos, A reconstrução do Brasil e Poder dos Trópicos – Meditação sobre a alienação energética na cultura brasileira,e ste em parceria com o sociólogo Gilberto Felisberto Vasconcellos.
Antes de viajar para a Bahia, o “Mestre da Biomassa”, como é chamado por uma geração de alunos e admiradores de seu pensamento libertário,  concedeu, em seu apartamento  do 106 Sul, de Brasília, esta entrevista ao jornalista Elieser Cesar, da Assessoria de Comunicação da SECTI.
ELIESER CESAR – Professor, o senhor tem repetido que a chamada “civilização do petróleo” está prestes a acabar, por explorar um recurso natural que não é renovável. A descoberta da camada do pré-sal, no Brasil, muda esste contexto de exaustão do produto?
BAUTISTA VIDAL – Não muda o contexto, porque  todo mundo precisa de petróleo e as reservas do Brasil não são assim tão grande. Mas, você pode usar energia renovável, através do sol, por menos da metade do preço; pode usar o que é mais barato e vender o petróleo para quem necessita. Todo o mundo necessita do petróleo, menos o Brasil, que tem condições de vender o produto e, com isso, montar uma estrutura produtiva de energia renovável, com o álcool substituindo a gasolina e os óleos vegetais substituindo o óleo diesel.
EC – Qual seria o resultado, a longo prazo, dessa ação?
BV – Isso aí transformaria o Brasil na maior potência energética do mundo. O ministro da Energia do Brasil seria o ministro mais importante em termos mundiais. Esse é um projeto que libera o Brasil da dependência econômica. O Brasil vai ganhar muito dinheiro, inclusive, para implantar um vasto programa de   energia renovável e viver dessa energia, porque o custo é muito inferior. Então, as perspectivas brasileiras são muito positivas.
EC-­ E o que falta para que isso aconteça?
BV – É preciso o Governo assumir esse projeto, pois não se leva avante nenhum programa prioritário sem ajuda governamental. Até para se trazer as empresas multinacionais de petróleo e eletrônica se precisa da ajuda do Governo. É isso que está faltando e que eu estou propondo, há anos.
EC-  Quem produziria a matéria-prima para a energia renovável?
BV – O pequeno produtor, que já produz satisfatoriamente, mas  não tem capacidade de investimento. Por isso, o Brasil tem que criar uma empresa de economia mista para dar apoio à essa iniciativa.
EC – Uma Petrobras verde…
BV –  É, uma Petrobras verde, mas quem vai produzir os combustíveis é o setor privado, os pequenos produtores que sabem produzir com enorme eficiência. Nós montamos um programa no Rio Grande do Sul que envolve cerca de 60 mil pequenos produtores; quer dizer: eles são pequenos produtores, produzem pouco, porém,  60 mil produzem em quantidade para resolver o nosso problema e ajudar os países que necessitam de uma solução energética.
EC  – E o que fazer do petróleo descoberto na camada do pré-sal?
BV – Você pode exportar esse petróleo e, com esses recursos, ajudar as empresas privadas a montar o vasto programa de energias renováveis. Elas têm condições de fazer isso, mas não têm recursos; têm condições porque é fácil produzir o óleo vegetal. O setor privado não tem investimento, precisa do Estado ao seu lado. Além disso, precisa de decisões políticas que só o Estado pode tomar. Estou defendendo, com enorme ênfase, a necessidade do Estado criar uma empresa mista para apoiar a iniciativa privada para a produção de energia renovável e, com isso, substituir o petróleo; no nosso caso, e para exportar, saíndo assim da dependência do petróleo, que temos pouco, ao passo que  somos a maior potência do mundo em combustíveis renováveis. Nós temos condições de ficármos ricos, de pagarmos as dívidas e de sair de país devedor para credor. Esse petróleo vendido vai nos dar condições de montar o programa do álcool que supera as importações de petróleo que, hoje, temos que fazer.
EC – Então o Brasil é, por natureza, um país privilegiado?
BV – O Brasil é o único continente tropical, é o que tem condições de montar um programa mundial de uma energia que substitui o petróleo. O colapso do petróleo é irremediável e, com isso, o mundo entrou numa curva perigosa, poque o fim desse petróleo precisa ser suprido por uma nova energia. Qual é esse energia? A energia dos trópicos. São o álcool e os óleos vegetais. Não existe outra solução. Então, o Brasil está numa condição excepcional, mas é necessário que o Estado brasileiro apoie decididamente, até porque a experiência que o pequeno produtor sabe produzir energia renovável nós já fizemos, com o polo no Rio Grande do Sul, que envolve 60 mil produtores e que está sendo ampliando. E vão se criar muitos outros.
EC – Onde?
BV- Você imagine o potencial do Nordeste, por exemplo. Com tanto sol, com tanta água, se pode produzir uma quantidade de energia renovável gigantesca, para satisfazer as suas necessidades e para exportar. Mas, é preciso dinheiro. Esse dinheiro vem de onde? Da exportação do petróleo,  do óleo do pré-sal. Então, todas as condições para realizar essa iniciativa existem. Basta que o Governo assuma sua liderança, criando uma empresa de economia mista, com recursos necessários e com políticas, pois é também preciso se tracem políticas decisivas.
EC  – Como a Bahia se encaixa  nesse contexto de energias renováveis?
BV – Usando o pequeno produtor, que é capaz de produzir álcool e óleos vegetais suficientemente, a custo muito baixo, muito mais baixo do que o petróleo. O Brasil e a Bahia têm território eram grandes dimensões para produzir energia para suprir, se necessário, até o mundo. O país vai liderar um movimento de substituição do petróleo num momento em que o petróleo está acabando. E sem solução. O colapso do petróleo é uma coisa gravíssima.
EC – Mas, voltando para a Bahia, especificamente…
BV – Quero propor aos pequenos produtores rurais baianos um programa-piloto de produção  de energias renováveis, de implicações nacionais e internacionais, que tornaria o Brasil um país rico e independente. Por que não inciar esse processo na Bahia, com o Governo do Estado, criando uma pequena empresa de economia mista? Depois, viria a área federal, que é indispensável porque tem as políticas e os recursos. E aí, o Estado da Bahia tem condições absolutamente excepcionais de criar esse projeto-piloto, liderando Nordeste, porque não é só a Bahia, é todo o Nordeste, uma região pobre que pode se tornar rica com a riqueza energética. Os caminhos estão traçados. Agora, é preciso a iniciativa política.
EC  – Esta iniciativa não aconteceu até hoje. Por quê?
BV – Porque o assunto não é bem conhecido. O petróleo assumiu o domínio na área energética e ninguém fala em substituição. Fui eu que descobri a solução tropical através do programa do álcool. Como os produtores do álcool que produzem o açúcar, hoje, já têm um mercado garantido, eles não se motivaram, não se interessaram. Então, é necessário uma iniciativa que caminhe na direção dos combustíveis para substituir o petróleo. E aí o campo é vasto, o Brasil passa a ser importantíssimo, o ministro da Energia do Brasil passa a ser o ministro mais importante a nível mundial e o país realmente acha seu verdadeiro caminho.
EC – A experiência frustrada do Pró-álcool não pode desestimular os produtores?
BV – Não, porque o Proálcool foi baseado no uso da cana-de-açúcar. A cana-de-açúcar tem um mercado garantido, no Brasil e no mundo. Somos o maior exportador de açúcar do mundo e vamos continuar sendo. Então, os produtores não têm motivação. Agora, existe uma faixa enorme de pequenos produtores que não têm um setor para dominar e esse setor é a produção de energia em substituição ao petróleo, um potencial fantástico. O Brasil é um país que tem um futuro espetacular, se utilizar essas vantagens que a natureza lhe deu. As vantagens brasileiras são cósmicas, ninguém inventou esse negócio. É a natureza que ajuda, por nós sermos o único continente tropical. Nós podemos produzir álcool e óleo vegetal em qualquer região do país, com métodos um pouco diferentes,  para suprir o Brasil e o mundo.
EC – Os usineiros entrariam nesse programa?
BV – Eu não conto com os usineiros. Conto com os pequenos produtores. Os usineiros já têm o seu campo de ação, que é o do açúcar, já têm o mercado, já ganham o dinheiro, já estão crescendo. Deixa eles no açúcar. Vamos usar o que sobra, que é uma quantidade enorme de pequenos produtores, na produção de combustíveis líquidos, o álcool e o óleo vegetal. O campo é imenso. Agora, precisa o Estado participar do projeto, porque, sem o Estado, o pequeno produtor fica meio desarmado.
EC – Há quem diga que a terra é para o alimento, a agricultura e agronegócio…
BV – Bem, isso acabou, né? Está provado que a existência do sol é a maior fonte de energia e o sol não abunda igualmente em todas as regiões do mundo. Ele é abundante nos trópicos. Por isso, a região tropical é a que tem mais sol e deve usufruir dessa riqueza. O sol é um reator nuclear natural. Com ele, você não precisa desenvolver tecnologia, o sol sabe fazer isso de graça e  joga essa energia para o continente tropical brasileiro com enorme potencialidade. E as regiões tropicais, como o Nordeste, têm um potencial fantástico para o desenvolvimento e a criação de empregos no campo, até para 20 milhões de pessoas. Basta começar, porque a demanda é imensa. A China, o Japão, a Índia, a Comunidade Europeia, até os Estados Unidos, têm necessidade de combustíveis renováveis. Então, o Brasil é, indiscutivelmente, no futuro, a grande potencial energético do mundoComo a energia é o que produz trabalho e o trabalho é a razão da existência das civilizações, nós temos condições de criar uma civilização muito próspera.
EC – Professor, para isso é necessário capacitar os pequenos produtores e agricultura familiar…
BV – Essa capacitação não é muito difícil. Tanto que nós implantamos o polo energético do Rio Grande do Sul, que produz álcool, envolvendo 60 mil pequenos produtores. Quer dizer: nós ensinamos a eles a tecnologia, eles aplicam essa tecnologia, produzem álcool e, com isso, se tornam poderosos.  A demanda é muita grande, é do mundo todo. O pequeno produtor produz pouco. Então, você precisa de muitos para produzir em quantidade suficiente para atender a demanda.
EC Há 40 anos, o senhor prega a soberania energético do Brasil. O senhor se sente um visionário, alguém que prega sozinho?
BV – Eu não sou um visionário porque os resultados estão aí. O Brasil é o único país do mundo que tem um programa alternativo ao petróleo, o programa do álcool. Isso foi feito de uma maneira relativamente simples e pode ser aumentado muito, principalmente com os recursos que nós vamos ter disponíveis, provenientes do petróleo do pré-sal. Esses recursos  vão permitir o grande salto de construir uma infraestrutura nacional de produção de álcool e de óleos vegetais, de maneira que se pode abastecer o mundo com substitutos dos derivados do petróleo.
EC  – Há muitos interesses externos de olho nessa riqueza…
BV – O Brasil não deve deixar que se tomem essa riqueza. Nós temos que montar uma estrutura soberana e defender essa estrutura. Isso todo o mundo faz. A riqueza natural permite a Nação se desenvolver. É isso que nós estamos querendo. O programa do álcool é um exemplo disso. Ele foi desenvolvido com a competência nacional, sem precisar da ajuda de ninguém. Até a tecnologia fomos nós que desenvolvemos.
EC – Seria necessário uma nova campanha do tipo “O Petróleo é nosso”, voltada para as energias renováveis?
BV – O programa de energia renovável é mais importante do que o petróleo, porque o petróleo é limitado, acaba e a energia do sol não é nem limitada, nem acaba; é uma coisa espetacular. Temos que fazer, e para fazer, você tem que investir, competir, avançar na tecnologia, treinar gente. Tudo isso pode ser feito perfeitamente, mas com a participação do Estado, que é absolutamente essencial. O Estado federal, mas o federal começa pelo estadual. É por isso que eu considero a Bahia um Estado privilegiado, que pode desenvolver esse projeto, de maneira autônoma, na parte inicial. Depois, o Governo Federal entra em campo. No caso da Bahia, você pode estender o projeto para todo o Nordeste, que é a maior região tropical do mundo com condições de produzir energias renováveis para substituir o petróleo e para exportar. É uma fonte de riqueza incomensurávelA prova de que nós sabemos fazer é o programa do álcool, basta utilizar os produtores de cana-de-açúcar. Agora, esses já estão saturados, já fizeram o que tinha que fazer. Hoje, você tem que estender muito mais, utilizando os recursos da venda do petróleo e tendo o apoio do Estado brasileiro. O Nordeste, a região mais pobre do país, tem condições de produzir energia em enorme quantidade e se libertar dessa dependência. A Bahia, por exemplo, tem vastas extensões de terras que não utilizadas e que podem ser empregadas, desde que se apoie o pequeno produtor, que é o nosso produtor. Nós não temos grandes produtores, mas temos uma quantidade imensa de pequenos produtores. Está provado que eles são capazes, através do programa do álcool. Agora, para que tudo isso aconteça, precisa-se da liderança de um Estado interessado e eu acho que a Bahia pode ser o grande interessado inicialmente.
EC – O senhor fundou e coordenou vários centros de pesquisas no Brasil, como o CEPED, na Bahia, que foram, paulatinamente, esvaziados. Chegou o momento de revitalizar esses centros?
BV – Claro. O CEPED tinha um campo extraordinário de desenvolvimento, que é o campo energético, mas a maioria nunca cuidou disso. A Bahia e o Brasil, em geral, abandonaram essa área, porque não tinham nenhuma motivação pela riqueza energética, um erro fundamental.
EC – O senhor se diz temeroso com a descoberta da camada pré-sal do petróleo. Por quê?
BV – Isso pode levar as autoridades brasileiras a quererem resolver o problema energético com o petróleo do pré-sal. Isso é um erro fundamental. Você deve usar esse petróleo, que é três vezes mais caro do que o álcool, para exportar, porque o mundo todo tem necessidade do petróleo. Com isso você tem dinheiro para montar uma grande infraestrutura de energia renovável que é o futuro do mundo e o Brasil é o futuro do mundo. E não há nada mais importante do que energia, que produz trabalho, emprego e desenvolvimento. Então, nós temos aí um campo fantástico de desenvolvimento, a partir do Estado da Bahia, que vai se estender pelo resto do Nordeste, que não tem o potencial que a Bahia tem, mas tem um grande potencial. As coisas são muito maiores do que as perspectivas iniciais oferecem. Nós precisamos apoiar, decididamente, os Governos estaduais e federal para que esses programa possam ir adiante, possam entrar na competição, abastecendo os mercados da Índia, da China , do Japão, da Comunidade Europeia. O campo é imenso, é só arregaçar as mangas e fazer. E o Brasio vai ser o líder desse processo, porque ninguém pode competir com o Brasil.
EC – O gigante despertou ou continua sonolento?
BV – Continua sonolento porque não aproveitou o que a natureza lhe deu. O que o Brasil tem de mais importante? É o sol, a grande fonte de energia, não existe outra. Por isso eu digo que Deus é brasileiro mesmo. Ele já deu tudo ao Brasil, mas precisa o brasileiro assumir o seu papel. A demanda energético é absolutamente garantida, porque, sem energia, o mundo entra em colapso e demanda energética é a fonte da vitória.

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