segunda-feira, 21 de junho de 2021

Aumento de preços e a coerência dos ministros

                                                                         José Álvaro de Lima Cardoso

      O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), do IBGE – que mede a inflação oficial do país – ficou em 0,83%, em maio. Este foi o maior percentual para um mês de maio desde 1996, há 25 anos. Até maio o IPCA acumula 8,06%, em 12 meses. O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), da Fundação Getúlio Vargas, alcançou 4,10% em maio e acumula em 12 meses assustadores 37,04%.

      O maior impacto do mês passado veio da energia elétrica, que aumentou 5,37%. Em maio começou a valer a bandeira tarifária vermelha patamar 1, que acrescenta R$ 4,169 na conta de luz a cada 100 quilowatts-hora gastos. Segundo os dados do IGP-M o preço da gasolina aumentou 45,80% no último ano, até maio. Conforme o DIEESE, entre junho de 2020 e maio de 2021, o preço do conjunto de alimentos básicos subiu em todas as 17 capitais que fazem parte do levantamento que a instituição realiza mensalmente. As maiores altas foram observadas em Brasília (33,36%), Campo Grande (26,28%), Porto Alegre (22,82%) e Florianópolis (21,43%). A cesta calculada pelo DIEESE, que em maio em Florianópolis custou R$ 636,37, é suficiente apenas para uma pessoa adulta. O DIEESE calcula que o salário mínimo necessário deveria ser equivalente a R$ 5.351,11, valor que corresponde a 4,86 vezes o salário mínimo nacional vigente, de R$ 1.100,00. O cálculo é feito levando-se em consideração uma família de quatro pessoas, formada por dois adultos e duas crianças.

     O processo inflacionário atual tem algumas causas gerais:

1ª) retomada da atividade econômica, principalmente nos Estados Unidos e China. A economia mundial afundou no ano passado, portanto é esperado haver recuperação, sobre uma base que caiu muito. O fenômeno vem elevando os preços das commodities agrícolas e minerais no mundo todo. E o Brasil é o grande fornecedor de commodities para o mundo;

2ª) a taxa de juros mais baixa vem induzindo um maior nível de investimentos na produção, o que pressiona também a demanda;

3ª) a alta do dólar encarece os produtos importados contaminando uma parte dos preços. O Brasil importa uma série de insumos industriais e produtos agrícolas, como trigo, por exemplo.

     O terceiro fator apontado acima sofre uma pressão extra, em função da “percepção de risco” por parte dos especuladores, decorrente da instabilidade política e econômica do país. A cada nova informação negativa, acerca de uma economia já extremamente combalida, assustados proprietários enviam seus dólares para portos mais seguros, especialmente os EUA. Mesmo estando, a taxa básica de juros nos EUA, entre 0% e 0,25%.

       O aumento dos preços das principais commodities alimentares no mercado internacional, como milho e soja, pressiona toda a cadeia de proteína animal no país, levando a um efeito dominó. Quando a carne bovina encarece os consumidores fogem em busca de outros tipos de proteínas (frango, suíno, peixe) e, no momento seguinte, os preços destas sobem também, deixando o consumidor sem alternativas razoáveis. As alternativas acabam sendo comer menos carne, substituir por cortes mais baratos, misturar com farináceos. Ou simplesmente não comer carne. Segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o consumo brasileiro de carne bovina recuou 9% em 2019 e 5% no ano passado. Recuo de quase 15% em dois anos.

       A proposta do governo Bolsonaro para o problema da fome, foi resumida, com singular “brilhantismo” pelo ministro da fazenda, Paulo Guedes. No dia 17 de junho, em evento promovido pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o ministro propôs que “desperdícios” da cadeia e “excessos” cometidos pela classe média, ou seja, as sobras de comida, poderiam ser mais bem aproveitadas e distribuídas aos mendigos e famintos. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que também participou do evento, foi ainda mais longe e defendeu a flexibilização de regras que tratam da validade de alimentos, também como forma de atuação do governo para o combate à atual disparada dos preços dos alimentos. A ideia dela é que alimentos considerados vencidos, pelas boas regras de saúde pública, possam ser vendidos “a baixo custo” ou até mesmo doados.

       As falas dos ministros são de uma coerência irretocável. Os mesmos facínoras que destruíram direitos sociais e a economia do país, que acabaram com a política de valorização do salário mínimo, e que levaram a fome a níveis inusitados, estão agora propondo distribuir restos de comida e remédio vencidos para os pobres. Essas são as políticas de enfrentamento da pobreza, típicas de um governo fascista, fruto de um golpe de Estado e de um processo de fraude eleitoral. Nada poderia ser mais coerente.

                                                                                                                   *Economista. 21.06.21

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