quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Implicações da alta de preços dos alimentos essenciais

                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso

    Apesar da inflação no varejo estar em torno dos 3%, o preço dos alimentos tem aumentado em ritmo bem superior à média inflacionária. O cálculo da inflação, como é conhecido, é uma média de muitos preços de bens e serviços. Mas os produtos alimentares têm apresentado aumentos bem acima da média. Segundo a pesquisa de Cesta Básica do DIEESE, relativa a setembro (divulgada hoje), 8 das 17 capitais pesquisadas, apresentaram variações anuais acima de 25%. Em 7 capitais a cesta básica está custando mais do que de R$ 500,00. Essa não é uma cesta para uma família e sim para uma pessoa adulta suprir suas necessidades alimentares básicas.

     A alta dos preços de vários produtos alimentares básicos é causada por uma série de fatores, que confluíram nesta conjuntura, como o aumento das exportações de alimentos e o desmonte dos órgãos e conselhos que cuidam do abastecimento, dos estoques reguladores e das políticas agrícolas. Uma razão importante é a política de especulação com alimentos, por parte dos oligopólios que dominam a comercialização de vários produtos alimentares básicos no Brasil. Obviamente não poderia ser o governo Bolsonaro, um governo lacaio do sistema financeiro, que enfrentaria os oligopólios. Não tem fibra para enfrentar a fome e muito menos disposição para enfrentar o grande capital. Bolsonaro está no poder, aliás, por causa do apoio do grande capital.

     Mas por que a elevação dos preços dos alimentos é um problema grave? Dentre outras razões, porque os salários são muito baixos no Brasil. Quanto mais baixo o salário, maior o peso relativo dos alimentos sobre o orçamento. Uma família que tenha renda domiciliar de R$ 1.500,00, e que conte apenas com um membro trabalhando, provavelmente gasta a totalidade dos recursos com comida, limpeza e higiene. Inflação é um mecanismo adicional de transferência rápida de renda dos mais pobres para os mais ricos, que assim enriquecem ainda mais com a fome e a piora de vida da população mais pobre. Especialmente quando se trata de inflação de alimentos.  

     Para se ter ideia de como a população é esmagada no Brasil: o salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE, foi de R$ 4.892,75 em agosto, o que corresponde a 4,68 vezes o mínimo vigente de R$ 1.045,00. Este é o mínimo necessário para uma família de 4 pessoas (dois adultos e duas crianças) suprirem suas necessidades alimentares mensais. Apesar de ser um cálculo bastante simples, o salário mínimo necessário nos fornece uma ideia de quanto o trabalhador é explorado. O DIEESE procura apenas calcular, com o mínimo necessário, o que está na Constituição Federal em seu Artigo 7º, inciso VI, que estabelece como um direito dos trabalhadores da cidade e do campo, o:

salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

     Quando se observa todas essas necessidades descritas pela Constituição Federal, conclui-se que o valor de R$ 4.892,75, é o mínimo mesmo. Uma família que disponha dos recursos definidos no Mínimo Necessário do DIEESE, não pode cometer nenhuma extravagância ao longo do mês, sob pena do salário não ser suficiente para cobrir as despesas do mês.

     O aumento drástico dos preços dos principais produtos alimentícios, agravam uma situação estruturalmente muito ruim. Dados do IBGE mostram que, em 2019, os 10% mais ricos se apropriavam sozinhos de 43% de toda a renda do país, alcançando um dos maiores patamares históricos de concentração desde que a Pnad começou a ser realizada. Há uma informação impressionante: 58% dos rendimentos domiciliares per capita observados em 2019 ainda eram iguais ou inferiores ao valor do salário mínimo vigente nesse mesmo ano. Isso significa que mais da metade das pessoas no Brasil possuíam rendimento domiciliar per capita de até R$ 1.045,00 (um salário mínimo). Ou seja, tinham menos que um salário mínimo para pagar luz, água, transporte, comida, etc.

     O Brasil tem 29,4 milhões de trabalhadores de carteira assinada no setor privado, o menor número já registrado na série histórica, iniciada em 2012. Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada no dia 30.09 pelo IBGE. Segundo o IBGE o salário médio desses trabalhadores de carteira assinada, que são uma “elite” no Brasil (dado o processo de destruição do mercado de trabalho), é atualmente de R$ 2.535,00, equivalente a 56% do salário mínimo necessário do DIEESE.

     O aumento dos preços dos alimentos é especialmente grave porque foram muito reduzidos os meios de atendimento aos mais pobres, desde o início do golpe, e também porque vem aumentando rapidamente a pobreza no país.  Segundo o Banco Mundial, no Brasil 9,3 milhões de pessoas ganham menos de US$ 1,90 por dia, ou seja, vivem em extrema pobreza. Segundo o Banco, cerca de 5,4 milhões de pessoas deverão passar para a extrema pobreza neste ano em razão da crise econômica e da pandemia. Se a previsão estiver correta, o total chegaria a quase 14,7 milhões até o fim de 2020, ou 7% da população.

     A elevação abrupta dos preços dos alimentos é muito grave porque se dá em um momento que a crise ocorre em várias frentes: mais grave recessão econômica da história, aumento das desigualdades sociais, taxas de desocupação 14,3 %, aumento da pobreza e da fome, crise no balanço de pagamentos. Quem detém o poder (especialmente quando arrancado através de golpe de Estado), tem um temor especial da inflação. A queda dos salários reais e a transferência da crise para as camadas mais pobres da população, que vem sendo esmagadas, traz um grande potencial explosivo.

                                                                                                          *Economista. 06.10.2020.

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