terça-feira, 8 de outubro de 2019

Liquidação da indústria e recolonização do Brasil


*José Álvaro de Lima Cardoso
      Enquanto nuvens carregadas se formam no horizonte, ameaçando uma tempestade financeira que pode ser mais grave do que a de 2008, o Brasil amarga uma crise gravíssima, com um golpe em pleno andamento, e o pior governo já registrado na história do país. Todas as medidas encaminhadas pelo governo aumentam a exposição do Brasil aos choques que ameaçam a economia mundial, previstos por especialistas em economia mundial. Dezenas de medidas que acabaram (ou reduziram), com direitos sociais e trabalhistas, entregando as estatais para os abutres, volta da fome, todo esse conjunto, fragiliza ainda mais o Brasil perante eventuais choques internacionais da economia.
     O Brasil, depois de muitas décadas no grupo dos dez maiores países industriais do mundo, corre o risco de perder essa condição, segundo avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, IEDI. Entre os subdesenvolvidos o Brasil há muitos anos ostenta a condição de ser o país mais industrializado. Mas o golpe de 2016, foi desferido contra todos os interesses nacionais, inclusive contra o direito fundamental do país dispor de uma indústria nacional forte. O Brasil ainda não recuperou o patamar industrial que tinha antes da recessão de 2015/2016. A indústria, que vem perdendo espaço desde a década de 1980, tem atualmente peso de 11% na composição do PIB, percentual que deverá recuar em 2019. O país atualmente tem um dos piores desempenhos de crescimento na indústria em toda América Latina, região que já vem crescendo menos que a média mundial. .
     Não há como a indústria crescer num quadro de extraordinário decrescimento econômico, que combina um violento ataque ao mundo do trabalho, com a deterioração rápida de todos os indicadores de distribuição de renda. Se o índice de Gini[1] aumenta, se o produto interno cai e o PIB per capita recua em média 1,5% ao ano desde 2014, é impossível a indústria crescer. O mercado consumidor interno, por sua vez, se restringe continuamente, pois, desde 2014 a taxa de pobreza cresce ao ritmo de 10,4% ao ano e a taxa de desemprego aumenta 20,1% ao ano, na média do período 2015/2019. A saída pela via das exportações, por outro lado, é dificultada porque a conjuntura mundial também é de desaceleração.
     Dada a importância da indústria para o desenvolvimento nacional e a complexidade do tema, o país deveria ter estratégias de longo prazo, envolvendo todos os segmentos importantes da sociedade, para que a indústria recuperasse dinamismo e importância na produção de riqueza. Vale listar alguns excelentes motivos para a defesa do setor industrial do país:
1º) Não há registro na história do país que tenha chegado ao desenvolvimento econômico e social, sem uma generalizada industrialização e um forte e ativo Estado Nacional. Mesmo economias que utilizaram mais as exportações de produtos primários para elevar a sua renda per capita (como Austrália e Canadá), antes atravessaram períodos de elevada diversificação industrial, elemento essencial das suas estratégias de desenvolvimento;
2º) Existe uma relação empírica entre o grau de industrialização e a renda per capita, tanto nos países ricos, quanto nos subdesenvolvidos;
3º) Há uma associação estreita entre o crescimento do PIB e o crescimento da indústria manufatureira. A dinâmica da economia brasileira nos últimos anos, mostra o fenômeno: o PIB apresentou queda, em boa parte, porque a indústria de transformação recuou drasticamente;
4º) A produtividade é mais dinâmica no setor industrial do que nos demais setores da economia, é o setor industrial que puxa o crescimento de produtividade da economia;
5º) O avanço tecnológico que se concentra no setor manufatureiro tende a se difundir para outros setores econômicos, como o de serviços ou mesmo a agricultura. Os bens com maior valor adicionado produzidos pela indústria incorporam e disseminam maior progresso técnico para o restante da economia.
     Nos países desenvolvidos, que em alguns casos se desindustrializaram, a indústria nacional já cumpriu o seu papel no desenvolvimento econômico, colocando a renda per capita da população em elevado patamar. Ao se desindustrializar, o Brasil está perdendo a sua maior conquista econômica do século XX. Entre 1930 e 1980, a economia brasileira cresceu a elevadas taxas (6,8%, entre 1932-1980) baseado no chamado “processo de substituição de importações”, com fortes incentivos estatais à industrialização através das políticas cambial, tarifária e fiscal.
     Caberia neste momento um vigoroso projeto nacional, que possibilitasse a retomada da indústria do país. Ou seja, seria fundamental realizar exatamente o oposto do que está fazendo o governo de Bolsonaro, que está destruindo as ferramentas de execução de política econômica. O conjunto de medidas encaminhadas ou anunciadas pelo governo tendem a debilitar ainda mais a indústria. Venda de estatais estratégicas sem política de valorização dos ativos, entrega do pré-sal e de outros recursos naturais, achatamento do mercado consumidor interno via arrocho salarial, regressão em décadas na regulamentação do trabalho, esvaziamento do BRICS, fragilização do Mercosul, tudo isso enfraquece ou dificulta muito a possibilidade de crescimento de uma indústria robusta no país. Mas não devemos pecar pela ingenuidade. Dado o conjunto da obra não é difícil concluir que a destruição da indústria e a transformação do Brasil num fornecedor de commodities baratas para os países centrais, não são efeitos colaterais, ou “erros”, da política do golpe, e sim partes constitutivas de um projeto de recolonização do Brasil.                                                                                                         
                                                                                                              *Economista
                                                                                                                                     08.10



[1] Instrumento matemático utilizado para medir a desigualdade social de um determinado país, unidade federativa ou município. Quanto menor é o valor numérico do coeficiente de Gini, menos desigual é um país ou localidade.

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