no GGN
Por Ceci Juruá
A erosão da Soberania Nacional frente a uma sociedade anestesiada pela Operação Lava Jato
Ao longo da história do capitalismo, as
sociedades liberais vem sendo constituídas sobre algumas assertivas
doutrinárias, teses construídas e maquiadas sobre duas plataformas. Por
um lado, para o grande público, vende-se a idéia de individualismo e de
liberdade. Por outro lado, para os atores econômicos, a plataforma
doutrinária impõe a prioridade do Mercado na configuração das transações
comerciais. Para os liberais, a ordem econômica preferida, no campo
internacional e internamente, é aquela que implica na mercantilização
absoluta das trocas, que tudo se torne mercadoria, cabendo ao mecenato
cobrir eventuais brechas humanitárias que ameaçam uma necessária, porém
mínima, paz social.
Ao Estado, dizem os doutrinadores, cabem
funções de assessoria aos mercados, tais como regulação/fiscalização
das trocas mercantis. Sistema de poder e sistema político, o Estado
deve – prioritariamente - garantir os marcos jurídicos essenciais à
dominação do Mercado sobre a sociedade. Os liberais repetem à exaustão
tais mantras, há mais de dois séculos, e tentam, muitas vezes com êxito,
impor seus dogmas em escala mundial, sobretudo naquelas partes do mundo
que julgam dominar e controlar. Foi assim sob a hegemonia do império
britânico, está sendo assim sob o império norte-americano.
Por isto, desde a troca de governos
militares para o figurino traçado pelo liberalismo, o grande debate
político no Brasil organizou-se em torno da preferência Estado x
Mercado. Assim, na década de 1990 o PSDB liquidou o patrimônio
estratégico nacional sob comando do Estado – moeda,
transportes/comunicações e energia/petróleo – e o transferiu para o
comando dos mercados mediante privatizações selvagens, isto é, sem maior
debate público e a preços irrisórios. Formaram-se então grandes grupos
nacionais, sementes de uma burguesia nacional. No entanto, parte
significativa do patrimônio formado pelos ativos produtivos estatais,
estratégico para o desenvolvimento e para a soberania nacional, foi
transferida para a órbita dos conglomerados internacionais cuja matriz
situava-se, preferencialmente, nos países anglo-saxões.
Com os governos petistas, principalmente
na gestão de Lula, a grande rapina foi interrompida. O mecenato ficou
por conta do Estado, sem ônus para os segmentos mais ricos da
população. Não houve, por exemplo, mudança nos privilégios tributários
concedidos ao grande capital, o que se verifica analisando a
inalterabilidade de certas normas: desoneração tributária para
exportações (Lei Kandir e outras sucessivamente)e sobre dividendos
(1995), transferência para os usuários/consumidores da carga tributária
representada por impostos diretos e taxas de responsabilidade dos
proprietários, pessoas físicas e/ou jurídicas. Assim, impostos diretos
foram transformados, na prática, em impostos indiretos, acelerando por
este mecanismo os demais mecanismos sociais e econômicos de concentração
de propriedade e de rendas.
Se mais não foi feito, entre 2003 e
2010, foi graças à atuação do Ministério da Fazenda, cuja orientação
buscou aparar certas arestas do modelo econômico. A política econômica
da época procurou restabelecer algum equilíbrio entre a orientação da
produção para os mercados externos e para o mercado doméstico,
utilizando-se para isto de normas jurídicas específicas, como foi o caso
da lei de valorização do salário mínimo e do atrelamento dos benefícios
previdenciários ao salário mínimo. Os mais pobres e miseráveis foram
atendidos por mais serviços públicos (educação e saúde) e pelo bolsa
família. A classe média e a pequena burguesia tiveram à sua disposição
mecanismos tributários do tipo Simples e Super Simples.
Os assalariados no topo da pirâmide de
renda foram os segmentos mais prejudicados. Não só o teto do imposto
de renda foi elevado em 1998, por ocasião dos acordos com o FMI-Fundo
Monetário Internacional, houve também um certo congelamento das faixas
de renda utilizadas para cálculo do imposto sobre a renda de pessoas
físicas. Perderam renda também a maioria dos empregados das estatais que
haviam sido extintas. Tais procedimentos vem tendo aplicação desde os
anos 1990 e não foram sustados pelas gestões petistas.
Apesar dos privilégios continuados e
renovados que beneficiaram os mais ricos da sociedade brasileira, tudo
indica que os ideólogos do liberalismo não ficaram satisfeitos com a
transferência de poder operada em 2002, do PSDB/PMDB para o PT e
partidos aliados, entre os quais o PMDB. Por isto tentaram voltar ao
poder em 2010 e em 2014, sofrendo amarga derrota frente à candidatura de
Dilma Roussef.
A derrota dos candidatos liberais nas
duas últimas eleições presidenciais frustrou certos sonhos típicos das
classes dominantes em uma sociedade capitalista periférica.
Historicamente, e no Brasil tem sido assim, os setores políticos
dominantes em uma sociedade liberal sentem-se mais seguros, mais
protegidos, quando ficam “sob as asas, a augusta proteção” dos senhores
do Império. O petismo os ameaçou, principalmente quando se começou a
falar em disputar a hegemonia dentro dos aparelhos de Estado.
A derrota de 2014 foi particularmente
frustrante, pois havia projetos de lei na gaveta de deputados e
senadores, desde os anos finais do governo Lula. Projetos de lei que
jamais seriam aceitos pela sociedade e pelos governos petistas, em razão
de sua natureza anti-nacional e anti-popular. A decisão de levar à
frente um golpe parlamentar contra o comando petista do aparelho de
Estado parece ter sido motivado pela necessidade de impor novos marcos
jurídicos à sociedade brasileira, marcos que permitam aprofundar a
financeirização da economia, sua dependência do comércio exterior e do
financiamento externo. Esta parece ter sido a razão fundamental,
determinante em última instância, da conspiração em curso. Dizemos isto
com base em constatações empíricas.
Observa-se assim que o governo interino
se dedicou, desde que foi instalado, a enviar ao Congresso propostas de
emenda constitucional e de mudança em leis estratégicas para o
funcionamento do Estado e das finanças públicas. São exemplos:
propostas de emenda constitucionalatravés de duas medidas provisórias de
número 726 e 727, o PLS 229/2009, alterando a Lei Complementar 101/2000
e revogando a Lei 4.320, o PLS 167 transformado em PLS 555 e
atualmente PL 4.918/2016, que reformula a gestão das estatais, o fim da
obrigatoriedade de participação da Petrobrás nos contratos de exploração
do pré-sal, e muitas outras propostas atinentes diretamente à renda dos
trabalhadores empregados ou aposentados, projetos de lei enfim que
deram origem à percepção atual quanto à orientação central do governo
interino: constituir um “Estado mínimo para os pobres e um Estado
máximo para os ricos”.
Dentre as iniciativas do governo
interino, deve-se enfatizar a MP 727, assinada em 12 de maio pelo então
vice-presidente da República e agora presidente interino. Esta medida
provisória parece ser, no conjunto de medidas tomadas desde o
afastamento de Dilma, a mais pérfida, a mais nefasta, pois ameaçará a
unidade do espaço econômico e físico nacional, se se concretizarem
algumas expectativas ali delineadas. Estas expectativas dizem respeito
às consequências econômicas e territoriais da implantação do Conselho
que vai administrar o PPI-Programa de Parcerias de Investimentos. Um
Conselho cuja formação permite prever absoluta centralização de qualquer
decisão estatal em matéria de investimentos realizados em regime de
parceria, pois se trata de um Conselho que terá jurisdição sobre todas
as unidades da Federação e será presidido pelo Presidente da República,
ao qual será dado o direito de selecionar e impor projetos por decreto,
sem passar pelas instâncias parlamentares e por qualquer avaliação de
cunho político.
Como os investimentos do PPI terão a
execução e o financiamento geridos pelo BNDES, é plausível esperar a
repetição do triste espetáculo dos leilões que desnacionalizaram parcela
grande da economia brasileira nos anos 1990. Pode-se prever também que
os estudos preliminares, sobretudo na área financeira (avaliação de
custos e de preços) ficarão por conta de consultorias estrangeiras, como
aconteceu nos anos 1990. Por outro lado, dado o desmonte das maiores
empresas brasileiras de engenharia, promovido pela operação Lava Jato, é
bem provável que os conglomerados estrangeiros sejam os maiores
beneficiários do PPI, como ocorreu nos anos 1990.
Como diz o ditado popular – “os cães
ladram enquanto a caravana passa” -. A caravana, no caso de que
tratamos, é a reformulação dos marcos jurídicos fundamentais do Estado
brasileiro. Cães são a opinião pública manipulada pela mídia e
absorvida por casos de combate à corrupção. Mas a figura metafórica
aplica-se tambéma parlamentares/políticos e ao sistema
jurídico-policial, que se degladiamcomo tripulantes de uma arca de
Noé. Cuidam de interesses particulares e aparentam descompromisso com a
iminente falência econômico-financeira de entidades estatais e
privadas.
Para finalizar, deve-se registrar que a
construção dos marcos jurídicos centrais é a função principal dos
Estados nas democraciais liberais. Quando tais marcos jurídicos são
copiados de outras sociedades, ou por elas impostos, caso da Agenda
Brasil talvez, há um ataque frontal à soberania nacional. Este parece
ser o nosso caso atual, a triste situação da Nação e do povo
brasileiros, intimidados, acossadose anestesiados, como cães famintos,
pelo espetáculo diário da Lava Jato!
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