Artigo da Folha, extraído do blog Combate
A delação completa de Sérgio Machado,
além de detonar a cúpula peemedebista, mostra a longevidade das
práticas desbaratadas pela Lava Jato. O Estado não foi tomado em 2003
por uma organização criminosa especializada em propinas: esse é o modo
tradicional de financiamento político no Brasil. Para não deixar
dúvidas, o delator retroage ao longínquo ano de 1946, ou seja, quando se
inaugurou a democracia de massa no país e as campanhas ficaram mais
caras, o ponto em que situa o início da maracutaia generalizada.
O ex-presidente da Transpetro sabe do
que fala. Consta no “Dicionário Histórico-Biográfico” do CPDOC, a fonte
mais confiável sobre os políticos brasileiros, que seu pai ingressou no
antigo PSD (Partido Social Democrático) em 1946, e foi, sucessivamente,
deputado estadual, federal e ministro de Viação e Obras Públicas. Ficou
na Câmara até ser sucedido pelo filho, em 1991, numa típica passagem das
aristocracias que compõem o Parlamento.
Que o regime 1946-1964 fosse tocado a
expressivas doses de corrupção não surpreende qualquer leitor
medianamente informado. Embora as denúncias recaíssem, de maneira
desequilibrada, sobretudo em cima da coalizão popular getulista,
atingiam todo o espectro. Basta lembrar o dístico que celebrizou o
ex-governador paulista Adhemar de Barros (longe de ser um
contestatário): rouba, mas faz.
Quanto ao período militar (1964-1985),
se faltassem dados antigos, aí está o depoimento recente do empresário
Ricardo Semler, segundo o qual, nos anos 1970, era impossível vender equipamentos para a Petrobras sem pagamento de propina.
Na mesma direção, Pedro Corrêa, ex-deputado e ex-presidente do PP,
herdeiro da antiga Arena, afirmou, na sua colaboração premiada, saber
dos desvios na estatal desde a ditadura. O próprio depoente reconheceu
receber propinas desde aquela época, só que por contratos no velho
Inamps.
Restabelecidos os civis no poder, pouco
parece ter mudado. O pessedebista Semler relata que a sua empresa voltou
a tentar vender para a Petrobras nos anos 1980 e 1990, encontrando a
mesma situação anterior. “Não há no mundo dos negócios quem não saiba
disso”, escreveu. Senador pelo PSDB durante o mandato de FHC, Machado,
ele mesmo, realizou operações de desvio para os tucanos (que haviam
deixado o PMDB em 1988 por causa da corrupção!).
Nada disso exime o PT, principal acusado
antes de Machado escancarar a abrangência do método. Ao contrário,
também criado para combater tais práticas, o partido precisa explicar
por que, onde e quando mudou de direção. Mas descarregar toda a
indignação sobre o petismo não só é injusto, como não contribuirá para
que o sistema no Brasil de fato mude.
–
* É cientista político e professor da
USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e
secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Mauro Costa Assis.
Bandeira queimada no Rio Grande do Sul. Foto: Caco Konzen/ Ag. RBS.
Nenhum comentário:
Postar um comentário