segunda-feira, 24 de maio de 2021

O que justificaria privatizar um porto que gera empregos e renda, e é estratégico para o desenvolvimento regional e nacional?

 

                                                                 

 *José Álvaro de Lima Cardoso

Os portos públicos brasileiros estão na linha de tiro dos golpistas para serem privatizados. Em fevereiro deste ano o governo catarinense anunciou a extinção da Santa Catarina Parcerias, a SC-Par, empresa estadual que administra os portos de Imbituba e São Francisco do Sul. Ainda que as informações sejam desencontradas e nada transparentes, segundo o que foi anunciado, a extinção da SC-Par virá acompanhada da privatização desses dois portos, ambos do governo federal, mas administrados em concessão pelo governo catarinense.

As medidas anunciadas não são fatos isolados. Os portos públicos brasileiros - e toda a complexa estrutura que os coloca em funcionamento - sofrem neste momento uma intensificação dos ataques da direita privatista. O modelo de exploração portuária que prevalece no planeta é o Landlord Port (exploração compartilhada público-privada). Esse modelo possui uma Autoridade Portuária (pública, naturalmente), geralmente municipal ou estadual, que tem o papel de fiscalizar e regular a atividade. É o modelo que vigora nos portos da Europa (Rotterdam, Bélgica, Hamburgo etc.), nos EUA (Los Angeles, New York-New Jersey) e Ásia (China, Coreia e Japão). Os portos citados são todos referenciais mundiais em eficiência, agilidade e sustentabilidade. O Landlord Port é o modelo sob o qual funciona, atualmente, o Porto de Imbituba, unidade para o qual dirijo este modesto artigo.

Os portos públicos do Brasil são organizados também sob o modelo Landlord Port, com gestão pública e operação portuária privada. A maioria dos especialistas defende que este é mesmo o modelo mais eficiente para os portos públicos, no qual a concessão ao setor privado ocorre somente nas atividades de administração do condomínio portuário e na zeladoria. As demais funções, como regulação, fiscalização e planejamento portuário permanecem com o setor público. Toda estrutura complexa, como é um porto, tem problemas, com origens e naturezas diferentes. Por exemplo, é evidente que os portos públicos no Brasil, em geral, sofrem o problema de falta de investimentos em ações estratégicas em suas dependências, como dragagem, sinalização, automação, governança, entre outras. Mas, como poderemos observar nas páginas seguintes, este não é bem o caso de Imbituba, que tem recebido investimentos importantes.

O sistema portuário brasileiro é estratégico, sob os pontos de vista econômico, geopolítico e militar. O país possui uma costa de 8,5 mil quilômetros navegáveis, - número que sobe para 10 mil km se incluído o Rio Amazonas – e é composto por 37 portos públicos, entre marítimos e fluviais. É um gigante, que requer um padrão elevado de gestão, para ser bem aproveitado. Esse sistema gigantesco movimentou, em 2020, 1,151 bilhão de toneladas, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Desse total, os Portos Organizados, que são os públicos, movimentaram 391 milhões e os Terminais de Uso Privado (TUPs), 760 milhões de toneladas de produtos. O setor portuário brasileiro viabiliza mais de 90% das exportações do país.

Ao invés de decorrer de uma estratégia, a adesão pura e simples à privatização dos portos catarinenses, revela, por parte do governo estadual, uma ausência de estratégia de desenvolvimento do estado (o que aliás, é muito evidente). Uma estratégia que leve em conta a necessidade de recuperação da indústria, que promova uma política agrícola forte e a elevação do valor agregado das exportações catarinenses. Se não existe planejamento público do desenvolvimento, empresas públicas estratégicas, como um porto, perdem também um pouco a razão de existirem.

O porto de Imbituba foi construído pelos ingleses em 1880, para o escoamento da produção de carvão, extraído nas minas na cabeceira do Rio Tubarão e transportado pela Estrada de Ferro Donna Thereza Christina. No início do século XX, a concessão das minas de carvão e da ferrovia foi transferida para a firma carioca Lage & Irmãos, que também assumiu o porto. O Porto foi decisivo historicamente para a viabilização de milhares de empresas, ao enviar a produção catarinense para várias partes do Brasil e do mundo. O Porto está localizado à apenas 6 KM da BR-101, uma das mais importantes rodovias do país, que é totalmente pavimentada em concreto rígido. O Porto localiza-se em uma enseada aberta e, além disso, possui profundidade que o caracterizam como um dos portos brasileiros de melhores condições de navegação. Isto possibilita por exemplo, a atracação de navios de grande porte, com grande capacidade de transporte de cargas, o que oferece ao porto uma razoável vantagem competitiva.

O Porto teve em 2020 um dos melhores anos de sua existência. O ano foi histórico, com recordes de embarques e de movimentação mensal e anual. Além disso o Porto obteve a diversificação das cargas movimentadas e atraiu fortes investimentos, num ano em que a economia brasileira recuou 4,1%. Entre janeiro e dezembro de 2020, foram movimentadas no Porto 5,9 milhões de toneladas, volume 1,8% maior que o realizado em 2019 e cerca de 85 % superior ao primeiro ano de administração pelo Estado de Santa Catarina, em 2012. Dentre as cargas mais movimentadas no ano passado está o coque de petróleo, a soja, o minério de ferro, os contêineres, o milho, o sal e a ureia. Ao todo, foram 234 atracações de navios em 2020.

Apesar das dificuldades adicionais advindas da pandemia, que exigiu investimentos específicos, em 2020 o Porto bateu três recordes históricos de volume de movimentação mensal: em junho, (602.370 toneladas), setembro (602.737 toneladas) e dezembro (662.512 toneladas). O Porto registrou também um aumento no volume médio de consignação de cargas por navio, com destaque para a maior delas, que atingiu 119,7 mil toneladas em uma única embarcação, pelo que se sabe o momento o maior embarque de granel sólido do Sul do Brasil, de acordo com os dados disponíveis no Estatístico da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

O Porto ampliou seu portfólio de cargas, agregando celulose, minério de ferro (hematita e magnetita), fertilizante (superfosfato triplo) e alimentos em big bags.[1] Foi a movimentação expressiva de minério que possibilitou que o Porto atingisse recordes de embarque, assim como atraísse importantes investimentos privados, como foi a construção de um novo armazém dedicado exclusivamente à carga, com capacidade de armazenagem estática cerca de 80 mil toneladas.

É possível que, em decorrência de suas características de Porto Público, o combate à Covid-19 tenha sido de qualidade acima da média dos portos brasileiros. A Autoridade Portuária promoveu várias reuniões junto aos representantes da comunidade portuária, realizou a distribuição de materiais de conscientização para a população do Porto e proporcionou suportes adicionais de higiene. Ao que se sabe, Imbituba foi um dos primeiros Portos do país a ter equipe de saúde exclusiva para monitoramento 24 horas de sintomas de Covid-19 nos trabalhadores, caminhoneiros e nos demais prestadores de serviços do Porto. Segundo a Administração, ao longo do ano passado foram mais de 70 mil abordagens de controle de saúde para evitar o contágio dentro da área portuária.

O Porto de Imbituba (como também ocorrem em outros portos públicos) se constitui em um verdadeiro ecossistema que faz interagir arrendatários, operadores portuários, agências marítimas, órgãos intervenientes, trabalhadores portuários autônomos, colaboradores de carreira e comissionados da autoridade portuária, trabalhadores terceirizados, estagiários. É um grande número de atores, com diferentes interesses, o que torna a cadeia extremamente complexa. No caso de privatização, em um contexto no qual a autoridade portuária seja tarefa de um consórcio de empresas privadas, a instalação de outros terminais se tornaria mais complexa. Entre outros fatores, porque poderá haver a concorrência de mercado entre a empresa que está pleiteando o ingresso e alguma (s) das que compõe o consórcio.

O Porto fechou 2020 com um lucro líquido de R$ 10,3 de lucro, em um ano em que milhares de empresas faliram e o PIB recuou 4,1%. Os números financeiros positivos, apesar da crise econômica nacional e dos efeitos da pandemia, aconteceram pelo esforço de diversificação da movimentação, assim como pelo fato de que as receitas do porto advêm principalmente da movimentação de commodities, em especial de origem agrícola e mineral. A movimentação destas, mesmo em momentos de crise brutal, costumam estabilizar ou crescer, como aconteceu no Porto de Imbituba em 2020. Mas o Porto é estruturalmente lucrativo. O lucro oscila em função do comportamento da economia, mas a Companhia tem gerado lucro significativo nos últimos anos, de R$ 17,4 milhões na medida entre 2016 e 2020.

Um dos “segredos” da obtenção de lucros, por parte do Porto, é a regularidade com que tem apresentado ganhos de produtividade. O Porto saiu de uma movimentação de 2,1 milhões de toneladas/ano em 2012, para 5,9 milhões de toneladas/ano em 2020, o que representa um crescimento de 181% de crescimento da produtividade em um período de 8 anos. Com crescimento, inclusive, no ano passado, de quase 2%. O Porto de Imbituba é de múltipla vocação, ou seja, transporta todo tipo de mercadoria.

Não é fácil defender a privatização de um ativo que apresenta indicadores financeiros excelentes, com lucro líquido regular e que ainda possui reservas de lucros que chegam a R$ 108 milhões. Mantendo ainda um patrimônio líquido de R$ 152 milhões, um crescimento de 10,92% em 2020, ano de crises combinadas. No caso do Porto de Imbituba a defesa da privatização ainda é mais difícil pelo simples fato de que o Porto já foi Private Landlord. Foi justamente a partir de 2013, com a assunção da SCPAR PORTO DE IMBITUBA, que ele adotou o modelo atual, de Landlord. A partir do novo modelo de governança todos os indicadores melhoraram, assunto que abordaremos no próximo artigo.

 

                                                                                         *Economista 24.05.2021



[1] Os big bags são recipientes grandes, cúbicos e flexíveis, feitos de um tecido em polipropileno, fazendo com que o tecido tenha alta resistência ao rompimento. Reza a lenda que, quando cheios de material, os big bags podem suportar até 3.000 quilos.

 

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