sábado, 19 de setembro de 2020

A farsa da Lava Jato e a espiral da crise

 

                                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso

 

     Nesta semana o Intercept Brasil e o sítio da Agência Pública, divulgaram mensagens privadas, trocadas em 2018 entre o então coordenador-geral da operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, e Bruno Brandão, diretor-executivo do escritório brasileiro da ONG Transparência Internacional. Mais do que mensagens casuais os vazamentos transparecem um razoável grau de articulação entre a ONG (que tem sede na Alemanha) e a Lava Jato, principal instrumento do imperialismo para encaminhar o golpe no Brasil.  Pela troca de mensagens entre os dois fica evidente o uso do prestígio da ONG para o desenvolvimento das ações políticas golpistas da Lava Jato, e para proteger os membros da operação, que àquela altura, ainda enganavam a maioria da sociedade brasileira, fantasiados de paladinos da moralidade.

     Essas denúncias de agora, as da Vaza Jato em 2019, e as de alguns meses atrás (que revelaram o envolvimento estreito entre a Lava Jato e o FBI), confirmaram o que a gente já sabia: o óbvio envolvimento dos países imperialistas no golpe de Estado no Brasil. Claro, com destaque para os EUA, que considera a América Latina o seu pátio dos fundos. A comprovação da atuação, e interesse, do imperialismo no golpe, são dimensões fundamentais da compreensão do turbilhão de acontecimentos ocorridos no Brasil nos últimos oito ou nove anos.  Sem o conhecimento e a concatenação desses complexos fatos, é muito difícil entender a conjuntura brasileira atual. Assim como ocorreu em 1954, 1964, e em outros golpes contra o povo brasileiro, entre os principais grupos de interesses no golpe de 2016, o principal é o do Império. É fundamental compreender isso porque muito do que está ocorrendo na economia e na política brasileiras, está relacionado com o fato. Ou seja, o processo golpista está vivo e em andamento.  

     Por conta da crise econômica mundial e dos golpes de Estado, que atingiram quase todo o subcontinente, a situação política na América Latina é instável e caracterizada por grande polarização. Com a crise mundial, para o imperialismo não foi mais possível conviver com governos reformistas e nacionalistas, que atrapalhavam as intenções dos EUA na região. A crise econômica mundial tornou imperativa uma política geral de guerra contra os direitos da população. Governos de esquerda, mesmo que moderados, são sempre obstáculos importantes a implementação deste tipo de política, mesmo porque, chegaram ao poder respaldados pelo voto. Obviamente que esse tipo de política antipopular gera uma instabilidade muito grande, na medida em que uma parcela expressiva da população, mais consciente e aguerrida, se nega a seguir para o matadouro sem lutar. 

     No Brasil, os golpistas diziam que era tirar Dilma Roussef que o crescimento econômico e os investimentos internacionais retornariam, como num passe de mágica. Dado o golpe, com a grande farsa do impeachment, o governo Michel Temer foi um verdadeiro show de horrores, com continuidade na política de destruição do Estado e um retumbante fracasso na economia. Intencionando “fechar” o processo golpista, fraudaram as eleições de 2018, apoiados numa operação gestada no Departamento de Estado norte americano. Entrou Bolsonaro e a coisa só piorou. Com o advento da pandemia, logo de saída ficou evidenciado que Bolsonaro é o pior governo da história do país, uma penitência cruel, que o povo brasileiro jamais mereceria.

     Passados pouco mais de quatro anos do golpe de 2016 no Brasil (tomando o impeachment de Dilma Roussef como referência), é evidente a degradação do regime político vigente. Era inevitável que isso acontecesse já que os governos pós Dilma são frutos da liquidação do pouco de democracia que o país tinha até o golpe. O golpe levou a um retrocesso político e econômico muito grande. O país está nas mãos de uma direita terraplanista completamente lunática, e dos militares. Isso traz um risco concreto não só de um golpe militar aberto, numa eventual piora da situação econômica, mas da instalação de um regime fascista. Para o qual, inclusive, o fato do núcleo de poder federal já ser fascista, contribuiu enormemente.

     Apesar do evidente avanço dos golpistas no Brasil (e em toda a América Latina), estes não conseguiram dar uma estabilidade política ao país, a polarização política é muito grande. A instabilidade está relacionada diretamente com o fato de que eles não conseguiram dar uma saída para a crise econômica. E o seu programa de governo, que se resume a destruir direitos e entregar patrimônio, obviamente está tornando a situação ainda pior. 

    Como há uma crise internacional muito profunda, o sistema financeiro mundial (que comanda verdadeiramente o processo no Brasil), quer mais. Toda a destruição de direitos, o enfraquecimento dos sindicatos, a entrega de patrimônio, o enfraquecimento da Petrobrás, a privatização da água, tudo isso não satisfaz os setores que financiaram e deram o golpe no Brasil.

     A população brasileira, e mundial, está comendo o pão que o diabo amassou. Milhões de trabalhadores perderam seus empregos em decorrência da falência de pequenas e médias empresas, e da falta de alternativas de recolocação no mercado de trabalho. Os trabalhadores informais são ainda mais impactados, visto que a maioria não tem acesso a qualquer tipo de proteção trabalhista ou social e a auxílios governamentais. A renda do trabalhador informal funciona ”da mão pra boca”, ou seja ele não dispõe de reservas. Se perde o emprego, como não tem nenhum tipo de seguridade social, cai em insegurança alimentar, ou seja, começa a passar fome mesmo.

     Do outro lado, as grandes empresas aproveitam a crise econômica e pandêmica para aumentar ainda mais os seus lucros. A ONG Oxfam realizou uma análise para algumas das empresas mais lucrativas do mundo com operações nos Estados Unidos, Europa, Austrália, Índia, Nigéria e África do Sul. A organização observou que 32 empresas devem faturar US$ 109 bilhões a mais no exercício fiscal de 2020 do que na média dos quatro anos anteriores. Segundo o estudo, cinco empresas - Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft – devem ter lucros excedentes de US$ 46 bilhões durante a pandemia. Detalhe: lucros excedentes, acima dos “normais”.

     No Brasil, os efeitos da pandemia também têm sido desiguais. Enquanto a maioria da população perdeu emprego e renda (o país tem hoje cerca de 13 milhões de desempregados e 40 milhões de trabalhadores informais) e mais de 600 mil micros, pequenas e médias empresas já fecharam as portas, os 42 bilionários brasileiros tiveram sua riqueza aumentada em US$ 34 bilhões (mais de R$ 180 bilhões) durante a pandemia.

     Um ciclo de aceleração da concentração da riqueza, como esse analisado pelo estudo da Oxfam, resolve o problema imediato do capital porque aumenta lucros, enxuga empregos, aumenta o exército industrial de reserva, etc. Mas este mesmo ciclo, agrava o problema no médio e longo prazos, em função da impossibilidade de o sistema realizar a riqueza produzida, trazida pelo empobrecimento de uma grande parte da população. Ou seja, aparentemente resolve o problema imediato, mas agrava as contradições estruturais do sistema capitalista no médio e longo prazos.  

 

                                                                                                 Economista, 18.09.20

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