sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Miriam Leitão e a rendição ao medo

Por Luis Nassif, no Jornal GGN: do blog do Miro

Há três forças conflitantes no caminho de Jair Bolsonaro: a dos princípios, a do oportunismo e a da coragem/medo. É por aqui que o Sistema vai atuar.

A Globo é sistema. O STF (Supremo Tribunal Federal) é sistema. A Procuradoria Geral da República (PGR) é sistema, assim como os tribunais superiores, a alta burocracia pública, as Ordens de Advogados, as grandes corporações etc.

Um Ministro do STF é poderoso quando o Sistema funciona. E o funcionamento do sistema obedece a um pacto político-jurídico que nasceu com a democracia representativa e que tem como pilar central a Constituição:

O pacto é selado em torno da Constituição.

O STF funciona como o guardião da Constituição, interpretando e obrigando os demais agentes a cumprir o que diz a Constituição.

A PGR atua como braço operacional em defesa da Constituição.

Quando há desobediência aos preceitos legais, na ponta final há o poder de polícia para enquadrar o infrator.

Então, o poder do Ministro, lá do STF em Brasília, chega até a ponta, permitindo a regulação geral, a previsibilidade jurídica

O que aconteceu com a democracia brasileira?

Com a crise econômica instalou-se um mal-estar amplo na população. A Globo passou a instrumentalizar esse mal-estar através de suas manchetes e transmissões. Qualquer infração administrativa, tratada como crime pela Globo, resultava em endosso total pelo Ministério Público Federal e pela ação de polícia.

À medida em que o mal-estar avançava, a Globo ia atropelando todos os princípios constitucionais de presunção da inocência, de direitos individuais. E seus critérios de julgamento açulavam a massa e eram aceitos pelos Ministros do STF e pelos procuradores gerais, liberando a base de juízes e procuradores para praticar todo tipo de arbitrariedade.

A Globo usou e abusou dessas prerrogativas. E Ministros do Supremo, como Luís Roberto Barroso, aproveitaram para cavalgar a onda e tirar do caminho esse empecilho ao empreendedorismo jurídico: a Constituição. Justamente o pilar que impedia a casa do STF de cair.

Ministros, procuradores, jornalistas mostravam uma valentia indômita, de bater em um inimigo que sequer sabia se defender - o PT – e em um instituto que era a base do seu próprio poder – a Constituição.

Impuseram toda sorte de narrativas falsas, equiparando o inimigo “republicano” às milícias venezuelanas, ao terror na Nicarágua. Valentes até a medula, valentes de fancaria, valendo-se do seu poder para entrar em órbita, abandonando até os limites impostos pela Constituição.

Se o clamor das ruas lhes deu um poder divino, de poderem ser os arautos da rebelião das massas, porque Luiz Fux, Luis Barroso, iriam se submeter a uma mera Constituição preparada por humanos?

E a Constituição foi se esboroando. A cada dia, placas de legitimidade iam sendo arrancadas, expondo o aço e tijolo de uma corte sem alma. E assim foi, plantando ódio a todo momento.

Na Globo, Miriam sempre foi uma campeã desse contorcionismo.

Como no dia em que denunciou que seu perfil na Wikipedia havia sido manipulado por um computador da extensa rede de computadores do Palácio. Uma alteração de nada, lembrando que ela errou em previsões econômicas. Mesmo que fosse grave, era uma ação individual de um usuário.

Imediatamente ergueu-se um clamor nacional contra as milícias digitais petistas, e uma presidente, ingênua até a medula, correu para pedir desculpas pelo ocorrido e abrir uma sindicância.

O segundo momento foi em uma manifestação em um avião, de sindicalistas contra a Globo. A manifestação foi filmada, divulgada por várias pessoas e em nenhum momento aparecia sequer o nome ou a figura de Miriam Leitão. Dois dias depois (!) ela aparece em sua coluna, com a indignação dos justos, dizendo-se vítima dessas hordas petistas, afirmando, inclusive, que marmanjos passavam por sua poltrona e davam esbarrões propositais, que nenhum outro passageiro viu, nenhum outro passageiro se manifestou. Mais um tijolo na construção da narrativa das milícias castristas, chavistas ou o escambau.

O Sistema ajudou a criar os fantasmas e, no meio da bruma, apareceu o lobo faminto. Instala-se o pânico no Sistema. E Miriam ousa um momento de grandeza, no Bom Dia Brasil, colocando a coragem e os princípios na frente do oportunismo, e reconhecendo o óbvio: com todos seus defeitos, o PT não é autoritário, enquanto Bolsonaro fez toda sua carreira em defesa da ditadura, da tortura e do preconceito. Enquanto que o PT nasceu e cresceu na democracia e jogou o jogo democrático.

Ampla repercussão! Só que, em vez de petistas indignados, mas jogando dentro das regras democráticas, contidos pelas normas do Sistema, Miriam se viu frente a frente com a malta bolsonariana e com a possibilidade concreta de se ter um Bolsonaro presidente.

Hoje, no Globo, Miriam joga a toalha: “Compromisso de Haddad e Bolsonaro com a democracia é alívio”. O que Bolsonaro fez? Uma mera declaração no Jornal Nacional.

Tempos atrás, a própria Miriam criticou o mercado por incorrer no “autoengano” de supor Bolsonaro um liberal, confiando apenas em meras declarações.

A reação de Miriam é uma antecipação do que será a reação de valentes Ministros do Supremo, da PGR, dos defensores da “refundação”, que ajudaram a jogar o país nesse atoleiro.

Tiveram excesso de coragem com os fracos – o que é sinônimo de covardia. E ausência absoluta de coragem com as ameaças reais.

Este é o país Macunaímico das falas de Barroso.

PS – A fala de Gerson Camarotti, repetindo o mesmo bordão, mostra que, depois de um dia de indefinições, a Globo já definiu qual será o discurso a ser adotado por seus comentaristas.

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