quarta-feira, 27 de junho de 2018

Crises cambiais e recolonização do Brasil


                                                                                                  *José Álvaro de Lima Cardoso.


     Se referindo à crise cambial atual – que levou o Banco Central Brasileiro, em um mês, a colocar no mercado, através dos chamados swaps cambiais US$ quase 39 bilhões, visando conter a disparada da cotação da moeda norte-americana - o presidente do BC declarou que pode vir a usar as reservas internacionais brasileiras para resolver o problema. Os mais atingidos pela crise, até o momento, são os países de economias dependentes, como Brasil, Chile, Argentina, Colômbia e Turquia. Em função da tendência de elevação da taxa básica de juros nos EUA, esses países têm sofrido fugas em massa de capitais especulativos, que buscam manter seus lucros, garantindo ao mesmo tempo a segurança das aplicações. Esse movimento tende a provocar um “efeito manada”, ou seja, a fuga de capitais leva a desvalorizações das moedas desses países, o que por sua vez, leva a mais fuga de capitais.
     Essa espiral de especulação e pavor de perdas, que conduz à quebradeira financeira, é bastante familiar ao Brasil que, até 2002, enfrentou várias e graves crises cambiais. Foi uma crise desse tipo que levou recentemente a Argentina a tomar emprestado US$ 50 bilhões do FMI e, para tentar deter a sangria de capitais, elevar a taxa básica de juros para 40% ao ano. Juros nas alturas, como se sabe, inviabilizam o crescimento e colocam a taxa de desemprego nos píncaros. No caso da Argentina a situação é ainda mais grave porque o país, antes da crise cambial, vinha financiando o déficit no balanço de pagamentos em conta corrente (que inclui comércio de bens, serviços, juros e outras rendas do capital) com endividamento externo. Prova disso é que, entre 2015 e 2017, a dívida externa da Argentina saltou de 28% para 36% do PIB.
     No caso do Brasil, um dos aspectos que deu errado no golpe foi o aprofundamento da crise econômica, que colocou o Brasil naquela que seja, possivelmente, a maior estagnação de toda a sua história. Muitos incautos entraram na conversa de que, afastada a presidenta Dilma (nem nenhum crime de responsabilidade), a “fada da confiança” traria os investimentos de volta e a economia entraria em céu de brigadeiro. Não apenas a fada não veio, como conduziram o país para uma das maiores crises da sua história. Isso afastou muitos apoiadores de primeira hora do golpe, que se sentiram enganados, levando a uma impopularidade de um governo, que nem os piores da ditadura militar de 1964, enfrentaram. Gerou também um ambiente que pode conduzir, no médio prazo, a um grande movimento de massas contra o golpe. O que, obviamente, não está nos planos de quem o perpetrou.
     No processo de retrocesso político que assistimos em vários países da América do Sul, seja através de golpes de Estado, seja mesmo através de eleições, um dos aspectos que tem ficado evidente é o aumento da fragilidade econômica dos países. Tal fragilidade está muito relacionada com as opções de políticas macroeconômicas. Sempre que estes países apostaram na ampliação do mercado interno, na valorização dos salários e no crescimento, a vulnerabilidade diminuiu. Vimos isso recentemente na América do Sul. Os países que reduziram sua vulnerabilidade externa na Região, tinham assentado suas políticas socioeconômicas em três pilares básicos: 1º) Inclusão social e combate à pobreza; 2º) recuperação do papel do Estado em todos os aspectos; 3º) política externa com relativa independência.
    Taís políticas, como se sabe, sofreram desde o início, dura oposição do governo imperialista dos EUA e de seus braços políticos e econômicos, como o Fundo Monetário Internacional (FMI). A experiência histórica recente mostra que países que congelam gastos públicos, que destroem mercado consumidor interno, e achatam salários, enfrentam estagnação do PIB e crescente dependência de capitais externos. Quando não há crescimento nem expansão do mercado interno, os capitais ingressam para especular e para adquirir ativos baratos, como estamos assistindo com o desmonte da Petrobrás. Afinal, qual seria a racionalidade de um investidor, realizar aportes produtivos num país em que o mercado interno está encolhendo?
     Na gravíssima crise internacional de 2008 a estratégia do governo brasileiro foi utilizar os bancos públicos para irrigar o mercado de crédito, especialmente o crédito produtivo e seguir com as políticas de expansão do mercado consumidor interno. O restante da América do Sul, com suas especificidades, adotou a mesma linha geral. Em decorrência dessa política, o Brasil, e os demais países, não sofreram tanto os impactos da crise financeira mundial, pelo menos no seu primeiro momento. No caso do Brasil, a economia praticamente não cresceu em 2009 e, em função da política de “fuga para a frente”, voltou a crescer no ano seguinte.  
    A atual crise cambial ainda não pegou o Brasil para valer, em boa parte por causa das reservas internacionais de R$ 380 bilhões de reais, uma herança dos governos anteriores. O presidente do Banco Central já sinalizou que irá lançar mãos delas, se for necessário. As reservas, uma herança dos governos anteriores, são robustas. Porém, se continuarem enfraquecendo o Estado nacional, privatizando estatais estratégicas, desenvolvendo políticas de liquidação do mercado interno, não haverá reservas que cheguem. Políticas de entrega da soberania e de destruição de direitos (levada às últimas consequências pelo governo brasileiro), tornam os países reféns das crises cambiais. Mas não enganem: não é incompetência e sim política deliberada para recolonizar o Brasil e aliviar a crise internacional para os países ricos.  

                                                                                                 *Economista. 27.06.18
                                                                                               


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