*José Álvaro de Lima Cardoso
Um
dos pilares do golpe é o aumento, em geral, do grau de exploração da força de
trabalho. A lista de medidas nesse sentido é imensa: contrato por tempo
parcial, trabalho intermitente, destruição da CLT, fim das limitações da terceirização a
atividades fim, desmonte do Estado público, demissão e arrocho salarial nas estatais, etc. No entanto, se o programa dos golpistas achata a
renda e precariza as condições dos trabalhadores em geral, para a população
rural ele é simplesmente devastador. No
campo se localizam os maiores índices de informalidade, um menor índice de
organização sindical e uma cultura secular do trabalho escravo. Neste quadro,
através da contrarreforma trabalhista, procuraram desarticular os sindicatos, por
exemplo, com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. O desmonte dos
modestos avanços dos anos anteriores ao golpe, tem sido dramático e muito
rápido.
A partir de 2016, mais de 50 milhões de brasileiros passaram a viver em
situação de pobreza, com uma renda de 387 reais por mês, de acordo com os dados
do IBGE. Para efeito de comparação: em 2013 o programa Bolsa Família (essencial
para a população rural) beneficiou cerca de 14 milhões de famílias número que
totaliza aproximadamente um quarto da população do país. Após uma “limpeza” no
cadastro feita em 2016 e 2017, o governo ilegítimo retirou 1,5 milhão de
pessoas da lista de beneficiários do Programa. A relação entre os cortes dos
programas sociais e a intensificação da pobreza no campo é direta. No ano
passado a pobreza extrema aumentou, pelo terceiro ano consecutivo, em 11%, o
que representa um aumento do indicador em 14,8 milhões de brasileiros.
O desmonte de ações estatais
em benefícios da população é amplo, e abrange todos os programas que
possibilitavam uma atenuação da pobreza e da concentração de renda no campo. O Programa
de Aquisição de Alimentos (que compra produtos a preços de mercado regionais e
os transfere a instituições públicas), fundamental para o escoamento da
produção da agricultura familiar, sofreu cortes orçamentários abruptos, caindo
de 840 milhões de reais em 2012 para 360 milhões de reais no ano passado.
Os golpistas estão destruindo
também o Programa Cisternas, que levou até as comunidades das regiões mais
secas e pobres do país, técnicas de armazenamento e gerenciamento de águas
pluviais. Este programa é extremamente bem-sucedido: desde 2003 mais de 1,3
milhão de cisternas foram instaladas, ofertando água potável para beber e para
a produção agrícola durante a estação seca. Contudo, desde 2015, o programa vem
sofrendo drásticos cortes orçamentários: o orçamento era de 377 milhões de reais
em 2013 e, no ano passado, tinha caído para 46 milhões (88% de redução). Segundo
a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), os cortes no orçamento significam um
número de mais de 350 mil famílias que não recebem as tecnologias de uso de água
potável. O pior é que a redução do Programa vem justamente em um momento em que
o país é atingido por secas violentas e a economia vive uma das mais graves estagnações
da história.
O desmonte dos programas
sociais e a contrarreforma trabalhista, tornam as famílias que vivem no campo
mais vulneráveis, o que as obriga a se submeterem mais as exigências do
capital. A contrarreforma
trabalhista rebaixou o mínimo de garantias que os trabalhadores tinham e
satisfez praticamente todas as exigências das empresas, além de diminuir os custos
do trabalho, tão criticado pelo empresariado rural. O fim do pagamento das
horas in itinere, a terceirização sem limites, a contratação de autônomos, o
trabalho intermitente, a “pejotização”, o banco de horas (compensação de horas
extras, demissão "em comum acordo"; tudo isso piorou em muito a vida
do trabalhador rural.
Em 2017, a apresentação de um projeto de
lei por um deputado do Mato Grosso, que prevê a possibilidade de pagamento dos
trabalhadores rurais através de “remuneração de qualquer espécie”, o que pode
incluir alimentação e moradia, mostra o quanto a bancada ruralista está
determinada a aniquilar direitos sociais e trabalhistas. Essa questão não tem
uma dimensão meramente econômica. A destruição de políticas assistenciais e de
organização do campo tem um aspecto político fundamental: trabalhador sem
direitos e esmagado pela miséria, tende a ser servil e sem vontade própria. O
que facilita, na prática, um regime de semiescravidão.
*Economista.
27.08.18
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