Por Marcelo Zero
De um lado estão grandes países emergentes e seus aliados como China, Rússia, Índia, Turquia, Irã etc, que estão propugnando por uma ordem politicamente multipolar e economicamente mais equilibrada, na qual todos os países possam conviver de forma mais harmônica e simétrica.
De outro, estão os EUA e alguns aliados, que tentam desesperadamente restaurar a hegemonia antes inconteste da grande superpotência mundial e impor uma ordem mundial unipolar e profundamente assimétrica.
Por isso, a nova doutrina de segurança dos EUA, completamente ignorada pela obtusa imprensa brasileira, não considera mais o combate ao terrorismo como seu alvo prioritário.
Segundo o Secretário de Defesa, Jim Mattis, o "Cachorro Louco" que visitou recentemente o Brasil, "a grande competição pelo poder (mundial) - e não o terrorismo - é agora o foco principal da segurança nacional dos EUA".
E quem são os principais "inimigos" dos EUA nessa competição pelo poder mundial?
Está lá escrito com todas as letras na Nuclear Posture Review, a nova política nuclear norte-americana, divulgada em fevereiro: China e Rússia. Eles e eventuais aliados.
Assim, os EUA declararam guerra às novas potências emergentes e à progressiva constituição de uma ordem mundial mais equilibrada e multipolar.
Querem sua hegemonia absoluta de volta.
Querem a restauração geopolítica da antiga ordem.
Tal restauração está fadada ao fracasso.
Assim como Metternich, o famoso chanceler austríaco, acabou fracassando na sua tentativa de conter o avanço do liberalismo político na Europa, Trump fracassará em conter o avanço inexorável da China, Rússia e outros emergentes.
Fracassará em impedir a liberalização e descentralização da ordem política mundial.
Não há como deter a história.
Na realidade, no complexo tabuleiro geoestratégico do mundo, EUA e aliados estão na defensiva, na maior parte do globo.
No Oriente Médio, a intervenção da Rússia na Síria equilibrou um jogo de posições que pendia unicamente para os interesses dos EUA, Israel e aliados conservadores, como Arábia Saudita.
A Turquia, país chave da região, passará a integrar a Shanghai Cooperation Organization (SCO.
Também já anunciou que quer integrar o BRICS e participar da "des-dolarização" do comércio mundial e do Arranjo Contingente de Reservas do grupo, o que viria bem a calhar com o atual ataque especulativo à lira turca.
Por isso, a imprensa tupiniquim, profundamente obtusa e ignorante em assuntos estratégicos, já começa a chamar Erdogan de "ditador".
Na Ásia Central, a iniciativa da China do One Belt, One Road, colocará toda a região sob sua órbita geoeconômica.
A China será a principal potência econômica mundial em breve. Não há forma de evitar isso.
No Extremo Oriente, a Coreia do Sul mandou às favas os interesses belicistas norte-americanos e está se aproximando da Coreia do Norte de forma autônoma, visando, no futuro, a integração e unificação da península coreana.
Mesmo na Europa, já há fraturas na aliança antes sólida com os EUA.
Contribui para isso a política protecionista agressiva de Trump, que vem fazendo adversários no mundo todo.
Na América do Norte, a recente eleição de López Obrador, em boa parte motivada pelas humilhações impostas por Trump ao México, tende a redefinir uma relação profundamente assimétrica.
Aparentemente, a única região onde as forças da restauração conservadora norte-americana estão ganhando terreno é a América do Sul. Graças em grande parte, é claro, ao golpe no Brasil.
Com efeito, com o golpe, o nosso país passou rapidamente de grande ator internacional, criador do BRICS, cortejado e respeitado no mundo todo, a mero peão dos EUA em sua luta pela restauração de sua hegemonia.
Uma combinação abominável de subserviência política, sabujice ideológica, cegueira estratégica e interesses inconfessáveis substituiu, num átimo, a política externa ativa e altiva, que tanto nos elevou, por uma política passiva e submissa, que nos faz rastejar no tabuleiro de xadrez mundial como pária das relações internacionais.
O Brasil tornou-se vergonha mundial.
Abdicou da integração regional, que tanto o beneficiava, para tornar-se capitão-do-mato dos interesses do Império.
Obedecendo cegamente aos seus novos donos, dedica-se a perseguir países como a Venezuela e a dar pontapés em antigos aliados, como o pequenino Uruguai.
Inviabilizou-se como mediador de conflitos e já não participa de quaisquer decisões sobre conflitos regionais.
Perde protagonismo no mundo todo.
Protagonismo diplomático e também econômico, já que a Lava Jato e o golpe destruíram nossas grandes empresas exportadoras de serviços.
Some-se a isso os retrocessos gritantes na política de Defesa, evidenciados pela participação dos EUA em exercícios militares na Amazônia e pela venda da Embraer à Boeing e temos um caso de país em profunda erosão de sua soberania.
Um país que tende inexoravelmente à irrelevância.
O pior é que, como no passado neoliberal, esse ressuscitada subserviência não confere nenhuma vantagem econômica ou diplomática ao país.
Ao contrário, quanto maior a subserviência, mais o Brasil é tratado a pontapés pelos EUA.
Assim, a tentativa do governo golpista de ingressar rapidamente na OCDE, o "Clube dos Ricos", sofreu veto imediato de Washington.
Os EUA também não hesitaram em incluir o "comportadinho" Brasil do golpe na sua lista de países que sofreriam sobretaxas sobre aço e outros produtos.
Agora, vêm regularmente ao Brasil autoridades "subs" para nos esculachar em público, como fez recentemente o sub Pence.
Num discurso inacreditável, feito em pleno Palácio do Itamaraty, em plena casa do Rio Branco, o sub esfregou na cara de Temer uma ação mais efetiva contra a Venezuela.
Com mais de 50 crianças brasileiras presas em masmorras norte-americanas, sequer teve a decência de se desculpar pela prática nazista.
Ao contrário, fez ameaças claras contra países que não respeitam as fronteiras dos EUA.
É que o se ganha com subserviência e cegueira estratégica.
Pontapés, sobretaxas e vetos.
As nossas "elites", que vivem ideologicamente em Miami, não aprenderam que a restauração da hegemonia dos EUA exige vassalagem e assimetria.
Os EUA sabem muito bem que o Brasil é, agora, o "elo fraco" do BRICS e o peão que pode pender o equilíbrio de poder para seu lado na América Latina, região vital para a reafirmação da sua hegemonia.
Por tal razão, é vital que a agenda entreguista e de subserviência geoestratégica promovida pelo golpe se aprofunde e se consolide.
As eleições presidenciais brasileiras têm, dessa forma, grande importância para o jogo geoestratégico mundial.
Nelas, se vai se decidir se seremos, de novo, um grande país que defende seus interesses nacionais e uma ordem multipolar ou se continuaremos a ser mero peão dos EUA, condenados à eterna irrelevância de colônia vira-lata.
Entenderam porque Lula precisa continuar preso?
Ou precisa desenhar?
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