quinta-feira, 28 de maio de 2020

Alternativas de Políticas Econômicas na Crise “Visão dos Trabalhadores”


https://sintespe.org.br/curso-de-formacao-alternativas-de-politicas-economicas-na-crise-visao-dos-trabalhadores/?fbclid=IwAR3Du4ydayhFHl8Pe_PrO3rc7cE-iPE-cWs3zQMiTJbfeC6UQQvYY7A7sno

Tudo para o grande capital, nada aos pequenos e pobres


                                                                       *José Álvaro de Lima Cardoso
     Em qualquer país as políticas econômicas adotadas são sempre uma opção de quem detém o poder. Obviamente as políticas escolhidas se baseiam em alguns parâmetros técnicos, é muito difícil sustentar qualquer coisa apenas apoiado em ideologia. Mas a política econômica é, essencialmente, uma opção de quem detém o poder na sociedade.
     Por exemplo, a fome e a pobreza voltaram a crescer no Brasil depois do golpe, após o pais ter saído do Mapa da Fome em 2014. A partir de 2016 todos os indicadores pioraram e a fome retomou e já campeia no Brasil, que deve voltar para o Mapa da Fome da ONU.  Esta foi uma decisão técnica errada dos governos Temer e Bolsonaro, ou é opção de política econômica? Claro que tem muita incompetência nisso aí também, mas esta é, principalmente, uma decisão política. Não que eles quisessem que a política econômica levasse ao aumento da fome, até porque isso causa instabilidade política. Mas a volta da fome foi uma decorrência da política que eles adotaram conscientemente. Para Michel Temer foi mais importante doar um trilhão de reais para as multinacionais de petróleo, (através da “MP da Shell”) do que manter ou ampliar os gastos com a política de combate à fome. Ou seja, o aumento da fome não foi um objetivo, mas decorrência direta da escolha de política adotada. Para eles o ideal seria que não houvesse fome, mesmo com as migalhas que destinam para a questão social.
     Em muitas temáticas, não se trata de ter ou não conhecimento do problema, ou adotar medidas tecnicamente “erradas”. É uma opção de não resolução de uma questão que, para a maioria da população é um problema, mas para as elites muitas vezes é uma solução.  Por exemplo, a regressividade do sistema tributário (o fato de que os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos), além de ser injusto, atrapalha o desenvolvimento do país. Por que o problema não foi resolvido, já que é conhecido já uns 50 anos, no mínimo? Porque para os mais ricos, que detém o poder, não é um problema, mas uma baita solução.
     Um exemplo muito simples: a questão do exército de desempregados, chamado de exército industrial de reserva. Nós, os ingênuos, em 2014, elogiávamos o fato de que o Brasil tinha a menor taxa de desemprego da história e, em alguns estados havia até algo próximo ao chamado “pleno emprego”. E achávamos que a opinião era unânime. Mas boa parte do empresariado, especialmente aquele que tem consciência de classe, não gostava daquele resultado, porque sabia que isso traz o “risco” de aumentar salários e diminuir suas margens de lucros.
     A aprovação da contrarreforma da previdência, recentemente, mostrou também que a questão não é técnica. O DIEESE e outras instituições especializadas produziram milhares de páginas, estudos técnicos, provando que 98% dos argumentos que o governo utilizou para aprovar a contrarreforma da previdência são mentirosos. Foi realizada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional, presidida pelo senador Paulo Paim, em 2018, que organizou vasta documentação provando que não existe déficit na previdência social. Nada adiantou, o resultado da CPI foi simplesmente escondido da população. Eles aprovaram a contrarreforma, e pronto.
     É possível usar outro exemplo. Mesmo usufruindo de todas as vantagens de ser o principal país imperialista da terra, os EUA enfrentam grandes contradições internas, porque o seu modelo de desenvolvimento gera imensa desigualdade social. O país possui, por exemplo, mais de 40 milhões de pobres. Isso representa uma verdadeira bomba relógio, pois uma sublevação dos trabalhadores dentro do país imperialista mais rico do mundo teria um efeito político, econômico e social, simplesmente imprevisível. Mas a pobreza é um efeito colateral da opção de política econômica dos governos nas últimas décadas. Os estrategistas do Estado norte-americano sabem que as políticas neoliberais, de destruição do Estado de bem-estar social (que já era fraco), levam à pobreza, mas optam por isso porque o objetivo é salvar os lucros do capital. Do ponto de vista econômico, trata-se de fria racionalidade.
     Da mesma forma, o Brasil não se tornou o epicentro do covid-19 porque os que estão no poder são burros. O fato é decorrência de uma opção de política econômica que é não gastar com a proteção da população. O governo Bolsonaro está preocupado em colocar dinheiro no cofre dos banqueiros. Não quer gastar com a população, por isso a política de combate ao coronavírus se resume a um isolamento “meia boca”, sem investimentos em saúde, sem testagem, sem nada. Claro que os responsáveis por essa política não desejavam que o Brasil se tornasse o centro da crise no mundo. Esse resultado, efeito decorrente da política adotada, era um risco.
     Na reunião ministerial de 22 de abril, cuja publicação foi liberada recentemente pelo STF, o ministro da Economia Paulo Guedes, disse ao menos quatro coisas muito polêmicas (que foram escondidas na grande mídia):

1. Falou em privatizar “essa porra” do Banco do Brasil. Detalhe: o Banco do Brasil registrou lucro líquido contábil de R$ 18,16 bilhões em 2019. O resultado representa um aumento de 41,2% na comparação com 2018, quando a instituição lucrou R$ 12,86 bilhões. Ou seja, quer entregar a preço de banana uma empresa que dá lucro de R$ 18 bilhões num ano;
2. Confessou que colocou uma granada no bolso do funcionalismo público (ficar sem reajuste até dezembro de 2021). Já tinha se referido anteriormente ao funcionalismo como “parasita”;
3. Disse que o governo ganharia dinheiro se associando a grandes empresas no pós-pandemia: “Nós vamos botar dinheiro, e vai dar certo e nós vamos ganhar dinheiro. Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”.
4. Afirmou que pretende contratar 1 milhão de jovens, junto ao Ministério da Defesa, pagando R$ 200 mensais, para usar como mão-de-obra barata.
     Esses quatro pontos, pode-se dizer, compõem uma síntese de um programa de governo, mas não têm nada de estritamente “técnico”. Tecnicamente, aliás, estas medidas são desastrosas, todas elas pioram a situação do país. Mas a questão não é técnica, trata-se no fundo de um programa à serviço exclusivamente do grande capital, especialmente o capital financeiro. O lema é: tudo para o grande capital, nada aos pequenos e pobres.
     São afirmações cristalinas do ministro, que jamais seriam ditas daquela forma em público. Guedes defenderá as mesmas políticas em qualquer entrevista, mas elas virão floreadas de “embasamento técnico”. Que não passariam de argumentos vazios, pois nada pode sustentar aqueles argumentos a não ser uma imensa vigarice e um compromisso absoluto com a grande burguesia.
     A lista de ações econômicas que realmente interessa a esmagadora maioria da população é bastante conhecida e todas tecnicamente muito sustentáveis. Mas sua implementação mexe diretamente com interesses de classes, portanto passa por mudanças na correlação de forças. Esse pessoal que está no poder, fruto de golpe de estado e fraude, não irá melhorar a vida do povo, porque está à serviço de interesses econômicos e políticos, estrangeiros.
                                                                                     
                                                                                               *Economista  27.05.20



O coronavírus escancara as maiores fraquezas do Brasil


                                                               *José Álvaro de Lima Cardoso

     Em função de uma macabra combinação de fatores (crise econômica gravíssima, Estado débil e o pior governo da história), o Brasil é caso mais problemático do mundo no que se refere ao enfrentamento da pandemia. No domingo o Brasil atingiu 22.666 mortes e 363.211 casos confirmados. Em menos de um mês o país passou de 100 mil casos para mais de 300 mil infectados pelo coronavírus, com clara aceleração do número, nas últimas semanas. Com os números disponibilizados até sexta, sabe-se que o Brasil já ultrapassou a Rússia em número de casos confirmados, assumindo a posição do segundo pais do mundo com o maior número de contaminados, atrás apenas dos Estados Unidos, que tem 1,6 milhão.
     Os números disponíveis, que são gravíssimos, provavelmente estão subnotificados. O país está se movendo na escuridão, a política dos governos é de ocultação do tamanho da tragédia. Há cálculos de que os números reais possam ser até 20 ou 30 vezes maior do que o anunciado. Mesmo que consideremos que a subnotificação é de 10 vezes, muito abaixo de algumas estimativas, o número de mortos, nesse caso, seria de mais de 220.000. O país caminha para ser o centro mundial da doença, e claramente não está conseguindo controlar a crise. Com um governo federal como o atual, não poderia ser diferente.  
     No Brasil não há outra ação de enfrentamento da pandemia, além do isolamento. Mesmo assim é um isolamento “meia boca”, que tem sido  flexibilizado a cada semana e atualmente abrange uma parte minoritária da população. Desde o início da crise, não há testes, não há planos para isolamento completo da população, não há investimentos no setor, não há política de amparo ao pessoal que perde o emprego ou que ficou sem fonte de renda, como acontece com boa parte da população. Apesar da situação na América Latina ser muito semelhante à do Brasil, há diferenças muito importantes entre este e os vizinhos latino-americanos. É a “gestão” da crise que pode explicar que o Brasil tenha 51 vezes mais mortes por coronavírus que a Argentina (até o momento), apesar da diferença de população entre os dois países ser de 4,8 vezes. 
      Um fator importante no Brasil, também, é a numerosa população pobre, que não tem as mínimas condições para um isolamento social. Se calcula que 13,6 milhões de pessoas morem em favelas no Brasil. Estes brasileiros têm que se amontoar, muitas vezes, em um ou dois cômodos, o que impossibilita o isolamento, inclusive dos idosos. Além disso, não dispõem de reservas financeiras para resistir, nem um mês, sem rendimentos do trabalho. Vivem de “bico em bico”. Muitos perderam seus já precários ganhos com a pandemia. Esta é a realidade do mundo todo: os mais atingidos pela pandemia são os mais pobres. As classes médias estão sendo atingidas, mas os mais pobres, que são impactados muito mais fortemente, sob todos os pontos de vista.
     No mundo todo a crise evidenciou um conjunto de desigualdades o qual já se conhecia, mas que agora está em realce: renda, educação, acesso à equipamento digital, acesso à Internet. Sem falar em desigualdades de riqueza patrimonial (por exemplo, habitação, que é fundamental no processo de isolamento). No caso do Brasil as desigualdades estão se agravando à medida que a crise se desenrola e a saída do isolamento começa na prática. É ilusão achar que as contradições irão acabar no final da pandemia, inclusive porque todas as medidas que o governo está tomando agravam a concentração de renda. Passada a pandemia, não se sabe quando, os salários e outros tipos de rendimentos estarão em níveis muito abaixo. O rebaixamento estrutural dos rendimentos dos trabalhadores é uma estratégia constantemente verbalizada por Paulo Guedes. 
     A política de isolamento puro e simples, defendida por uma parte das elites, na medida em que vem sozinha (não há testagem, não tem investimento em saúde) e na medida em que vem desacompanhada de um eixo econômico de assistência efetiva à população pobre, é claramente classista, objetivando proteger a classe média e os ricos. 
     Um agravante é que a pandemia surgiu já com o setor de saúde em processo de desmonte. Em 2017, quando a Emenda Constitucional 95 (não por coincidência chamada pelos sindicatos de “Emenda da Morte”), entrou em vigor, as despesas com os serviços públicos de saúde representavam 15,77% da arrecadação da União; em 2019, os recursos destinados à área no orçamento da União já tinham caído para 13,54%, inferior inclusive aos 15% estabelecido pela Constituição Federal.
      A explosão de casos do novo coronavírus no Brasil estão escancarando as deficiências de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Além da emenda da morte, há a intenção do governo Bolsonaro de desvincular as receitas para o setor. Segundo estudo da Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o SUS já perdeu R$ 20 bilhões de financiamento entre 2016 até o ano passado. O Programa Mais Médicos, vale recordar, foi inviabilizado logo no começo do governo Bolsonaro, de forma irresponsável, com uma argumentação puramente ideológica e usando todo tipo de mentiras. Bolsonaro liquidou com um programa que seria crucial neste momento, especialmente para a população pobre, e situada nas regiões mais interioranas do país.
     A desvinculação das despesas de saúde dos orçamentos da união, estados e municípios é um sonho que Paulo Guedes vinha anunciando antes mesmo de assumir.  Atualmente os estados destinam 12% da Receita Corrente Líquida (RCL) para saúde e os municípios 15%. Existem cálculos elaborados pelos especialistas na área que estimam que, se houvesse desvinculação de receitas para o setor de saúde, o SUS seria reduzido, em termos de capacidade de atendimento, a um terço do que ele é hoje. É quase uma unanimidade entre o pessoal da área, que a tragédia do covid-19 só não está sendo maior no Brasil em função do SUS. Com o Brasil caminhando para o epicentro mundial da pandemia é possível imaginar como o pais estaria com apenas um terço do SUS em funcionamento?  
     Antes do covid-19, o Brasil já vinha enfrentando também o retorno de doenças que, teoricamente estavam extintas, ou relativamente controladas, como mortalidade infantil, dengue, sarampo, sífilis, HIV/Aids e tuberculose. Ou seja, já seria necessário ampliar os investimentos em pesquisa, medicamentos em geral e recursos para atenção básica da população. Fundamentais num país com numerosa população pobre e grandes desigualdades sociais em cada região, assim como entre as regiões. Nos últimos anos, por exemplo, foram extintas um grande número de equipes de Saúde da Família, com a demissão dos trabalhadores do programa.
     Antes da pandemia o país já enfrentava a explosão da desigualdade social (evidenciada por inúmeros indicadores), trazida pelo processo golpista. Além do aumento brutal do desemprego, do trabalho informal e da disseminação de vínculos trabalhistas cada vez mais frágeis, advindos da contra reforma trabalhista de 2017.  Como revela a pesquisa “Síntese de Indicadores Sociais 2019: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira”, divulgada recentemente pelo IBGE, no ano passado, 25,3% da população brasileira estava abaixo da linha da pobreza, com rendimentos inferiores a R$ 420 mensais, ou cerca de 40% do salário mínimo atual.
     Para uma parte majoritária da população não é possível o isolamento social. Apenas uma fração consegue ficar em casa, com a manutenção do emprego e rendimentos, mesmo que, em alguns casos, rebaixados por algum tipo de acordo trabalhista. A IFC (Instituição Fiscal Independente) do Senado Federal estima que o número de pessoas elegíveis para receber o auxílio emergencial (coronavoucher) chegará a 79,9 milhões. Mas com o agravamento do desemprego, que simplesmente explodiu a partir da pandemia, o número pode chegar o 100 milhões, quase metade da população.
     O país está enfrentando em 2020 a maior recessão da história, com um recuo esperado da economia de 12% ou 13% no ano. Isto após cinco anos da maior estagnação da história na economia brasileira. O efeito que este processo está tendo sobre a renda e o emprego é absolutamente dramático. Já se sabe que a fome, que já tinha voltado em larga escala a partir de 2016, foi imensamente agravada, ainda que careçamos de informações mais completas sobre o assunto. As crianças pobres deixaram de ter a alimentação da escola. A alimentação das crianças e jovens na escola é uma estratégia fundamental para o combate à fome, tendo ajudado para que o pais saísse do Mapa da Fome da ONU, em 2014. Nos grandes centros urbanos já se observa que aumentaram muito as filas nos locais públicos que servem comida barata, em restaurantes populares. No aumento da necessidade as pessoas perdem a vergonha de procurar restaurantes de R$ 1,00 ou R$ 2,00, subsidiados pelo poder público, cada vez mais raros. 
    Segundo o último censo da Prefeitura, do mês de dezembro/19, somente em São Paulo, existem mais de 24 mil pessoas em situação de rua. Este número provavelmente aumentou nestes primeiros cincos meses do ano. No começo de maio a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo alertou o governo e as prefeituras para a possibilidade de uma convulsão social causada pelo desemprego e abandono de parte da sociedade, em meio à pandemia. O padre Júlio Lancellotti, monsenhor da Igreja São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca em São Paulo, é grande conhecedor da situação da população de rua. Em sua igreja passam mais de 500 pessoas todos os dias, que recebem alimentos (lanches e biscoitos), além de produtos de higiene, água e até mesmo cuidados básicos. O padre Lancellotti recentemente propôs que as vagas existentes nos hotéis ociosos em São Paulo, sejam utilizadas para acolhimento da população de rua.
     A situação de São Paulo, guardadas as devidas diferenças, é um retrato do que está acontecendo no país. De todas as vulnerabilidades e mazelas do Brasil, o aumento da pobreza e da fome são as mais graves, por causarem sofrimento imediato nas pessoas. Decorrentes de uma opção política, estas vulnerabilidades desnudam a crueldade e o descompromisso com o pais da burguesia.
                                                                                                                    *Economista. 25.05.20


sexta-feira, 22 de maio de 2020

Crise econômica, pandemia e indústria: trabalhadores em processamento de carnes


José Álvaro de Lima Cardoso

    Em função da combinação macabra instalada hoje (crise econômica brutal e o pior governo da história do país) o Brasil é o caso mais problemático do mundo, no que se refere ao enfrentamento da pandemia. Com a doença fora de controle, o país caminha para ser o epicentro mundial, rapidamente. O Brasil ultrapassou no dia 20.05, a casa dos 291 mil casos e, com isso, assumiu a condição de terceiro país no mundo com o maior número de registros, com o número de mortos alcançando 18.859.
     Nesse contexto geral, chama atenção o caso dos trabalhadores da indústria de processamento de carnes, que têm grande peso, tanto na matriz industrial do Brasil, quanto na de Santa Catarina. O Brasil é o maior produtor de carnes bovina, o primeiro exportador, e vende carne de frango para mais de 150 países. Em Santa Catarina, que é o segundo maior produtor de carne de frango do país, o setor tem grande peso no volume de produção, empregos, exportações, etc. O primeiro produto exportado por Santa Catarina no ano passado foi carnes de aves, que representou 24,13% da pauta exportadora; o segundo foi carne suína, com participação de 8,1% na pauta. Boa parte desse produto é exportado in natura, sem processamento industrial (coisa de país subdesenvolvido, registre-se).
     A indústria de carnes é um setor essencial, que não “pode parar”, já que, com pandemia ou não, os alimentos têm que ser produzidos e processados industrialmente. Pelas características do processo de trabalho, que é intensivo em mão de obra, o risco de contaminação dos trabalhadores desse setor, pelo covid-19, é muito grande. Não por acaso, mais de 60 frigoríficos em 11 estados do país estão sendo investigados pelo poder público neste período de pandemia, em função da falta de condições adequadas de prevenção à doença. Deve ser o setor da indústria de transformação com maior incidência de contaminação.
     O problema da exposição dos trabalhadores de frigoríficos neste período de pandemia é mundial. Há denúncias vindas de Alemanha, França, Irlanda, EUA, entre outros, de que as empresas estão colocando os trabalhadores em situação vulnerável ao contágio pelo covid-19. Nos EUA, atual epicentro da doença, mais de 10.000 trabalhadores contraíram o vírus, com dezenas de mortos. Nesse país, um dos maiores produtores de carne do mundo, nos municípios com grandes frigoríficos, a taxa de infecção do coronavírus é mais do que o dobro da taxa nacional, após a ordem de Donald Trump ordenar a reabertura dos negócios.
     Em Santa Catarina os dados são impressionantes. Concórdia (cidade com 75 mil habitantes no Meio Oeste catarinense) tem sete mortes registradas até a tarde do dia 20.05. O município já é o segundo no estado, junto a Florianópolis, com mais vítimas fatais da Covid-19. Segundo a prefeitura, no dia 06 de maio havia 176 casos confirmados de Covid-19, 94 deles em trabalhadores de frigoríficos.  Concórdia tem uma grande unidade da BR Foods (antiga Sadia) no próprio município, com milhares de trabalhadores. O caso é tão grave que essa unidade da BRF terá que testar todos os trabalhadores para o Covid-19, a partir de 21.05, por exigência da Vigilância Sanitária Estadual. Os operários que apresentarem o resultado positivo para Covid-19 serão afastados por 14 dias.  
     Em Ipumirim, município vizinho à Concórdia, no dia 18 de maio o Ministério da economia interveio em uma unidade de processamento de frangos da JBS por irregularidades no combate à transmissão do coronavírus entre trabalhadores. Os fiscais encontraram, inclusive, trabalhadores com teste positivo de covid-19 operando normalmente, mesmo tendo atestado médico para afastamento do processo produtivo. A referida planta registra pelo menos 86 funcionários com teste positivo para o novo coronavírus em um universo de 1.500 trabalhadores. É uma taxa de contaminação impressionante. Como uma das características predominantes da pandemia no Brasil é a subnotificação, é possível que o número de contaminados no município seja bem maior.
     Em Nova Veneza, Sul do estado, (15 mil habitantes) dois dos seis casos de coronavírus são de trabalhadores do frigorífico da cidade. Segundo os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Alimentação de Criciúma e Região, uma das regras fundamentais para proteção dos trabalhadores, regulamentadas por portaria estadual, inclusive - que é a distância mínima de 1,5 metro entre os trabalhadores - não está sendo respeitada. Os trabalhadores conseguem manter uma distância de, no máximo, 80 cm entre si. As indústrias de abate e processamento de carnes têm por característica a presença de centenas e, até mesmo, milhares de empregados em um único estabelecimento. Os setores têm elevada concentração de trabalhadores em ambientes fechados, com baixa taxa de renovação de ar, baixas temperaturas. Alguns setores, inclusive, com bastante umidade e com diversos postos de trabalho sem o distanciamento mínimo de segurança, conforme mencionado. Como se vê, a solução, muitas vezes, passa por investimentos que as empresas simplesmente não querem realizar.
     As empresas processadoras de carne usualmente estão situadas em pequenos municípios e exercem muita influência entre as autoridades e lideranças locais. Prefeito, fiscais, e outras autoridades, que poderiam interferir, têm medo que as empresas, que geram empregos e pagam impostos, retirem suas unidades dos seus municípios. O fato é que se depender das empresas que, em regra, pertencem a fundos que investem no mundo todo, a questão econômica se sobreporá sempre à questão humana, à necessidade de preservar a vida dos trabalhadores.
     No setor, portanto, o elevado número de trabalhadores testados positivos pelo coronavírus está relacionado a dois fatores básicos:  
1.As especificidades técnicas do setor: que é intensivo em força de trabalho, tem pouca maquinaria, com o corte ainda muito manual. Tudo isso leva à aglomeração humana;
2. O descaso das empresas: condições inadequadas de trabalho, falta de equipamentos de proteção e segurança, não respeito à distância mínima definida pelos protocolos estabelecidos. Neste caso é claramente um problema de ganância. Os patrões querem gastar o mínimo com investimentos de proteção, colocando a vida dos operários em risco.
     Vale aqui uma reflexão. Imaginem o trabalhador do setor de alimentação, enfrentar essa situação de forma individual, ou seja, sem a organização sindical? Qual a capacidade de o trabalhador impor melhorias e política de prevenção ao covid-19, assim como às outras doenças? A pandemia evidencia ainda mais um fato incontestável: em qualquer cenário do Brasil nos próximos anos, as organizações sindicais (que resistirem) serão ainda mais fundamentais. Não conseguiremos enfrentar este turbilhão de desafios de forma isolada, pois desemprego, falta de dinheiro, e a mais grave pandemia do último século, não podem ser vencidos de forma individual.
     Todos esses problemas só conseguirão ser combatidos de forma eficaz através da organização coletiva, principalmente a sindical, que atua na esfera econômica, que é a fundamental. O isolamento e a fragmentação da luta só interessam aos inimigos da classe trabalhadora. As conquistas obtidas ao longo da história são fruto de sangue, suor e lágrimas. Sem organização dos trabalhadores através de sindicatos, não haveria regulamentação da jornada de trabalho, salário mínimo, seguro desemprego, sistema público de saúde e demais conquistas sociais. Tudo isso, que está sendo rapidamente triturado nos últimos anos, foi obtido à duríssimas penas ao longo da história mundial do trabalho.
     Os que deram o golpe no Brasil entendem isso perfeitamente, razão pela qual estão bombardeando ações, desde 2016, que visam destruir as entidades sindicais. A organização sindical é a melhor ferramenta dos trabalhadores brasileiros contra o fascismo bolsonarista, contra a pilhagem do pais, contra a destruição dos direitos trabalhistas e a educação pública. É a melhor ferramenta também contra a entrega das reservas de petróleo, o massacre da população pobre, dos índios e quilombolas, dos negros. Nesse momento, a organização e a luta são as melhores ferramentas também contra a destruição do Brasil enquanto nação soberana, que, no fundo, é o que está em jogo neste momento.
                                                                                                     Economista, 21.05.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Crise de hegemonia e transição política no Brasil


                                                                                *José Álvaro de Lima Cardoso

     O pano de fundo do atual ciclo dos golpes na América Latina, a partir da derrubada de Manuel Zelaya, em Honduras (2009) é a luta encarniçada dos EUA para manter sua hegemonia em nível mundial (política, econômica, bélica, cultural), atualmente ameaçada. A América Latina, que os EUA consideram como o seu “quintal”, foi tomada por governos progressistas a partir do final da década dos anos 1990 e primeira década dos anos 2000. Venezuela, Equador, Argentina, Honduras, Brasil, Paraguai, Uruguai, etc. passaram a ter governos eleitos democraticamente, com relativa identidade popular e um certo grau de nacionalismo.
     A manutenção da hegemonia política e econômica de um país requer trabalho, mas certamente traz muitas vantagens, o que explica, inclusive, o esforço dos países para obtê-la ou mantê-la. Uma das vantagens é possibilitar a drenagem de uma maior parte do produto mundial, para a sede do império, através de uma série de mecanismos comerciais, financeiros e bélicos. A absorção de parte da riqueza produzida no mundo possibilita a maior disponibilização de recursos para a população interna, especialmente para suas classes mais abastadas.
    Os mecanismos para apropriação de recursos nos países mais fracos são inúmeros. Mas o fato de que a transferência de riqueza, muitas vezes, ocorra através de complexos mecanismos econômicos (como diferentes taxas de produtividade entre países centrais e os subdesenvolvidos) não significa que os métodos primitivos de expropriação dos mais fracos, pelos mais fortes, saíram de cena. Por exemplo, em 2019 os Estados Unidos organizaram e ajudaram a financiar o golpe na Bolívia, apeando do poder, um presidente eleito nos dias anteriores, Evo Morales. Uma das informações confirmadas por várias fontes é que o general golpista, que exigiu a “renúncia” do presidente Evo Morales (em 10.11.19), Williams Kaliman, foi comprado por um milhão de dólares, pago pelo gerente de negócios da embaixada dos EUA na Bolívia. Será que essa compra objetivou restaurar a democracia na Bolívia? O detalhe relevante é que apenas 72 horas após o golpe, Williams Kaliman foi morar nos Estados Unidos, país onde obteve um visto de residência permanente. Consta também que Bruce Williamson, responsável pelos negócios na Embaixada dos EUA em La Paz, foi responsável por entregar um milhão de dólares a cada chefe militar e quinhentos mil para cada chefe de polícia.
      Pode-se citar um exemplo ainda mais atual, de como os EUA enfrentam sua “crise de hegemonia”. No dia 4 de maio, mercenários, possivelmente financiados e organizados pelos EUA, tentaram sequestrar e matar o presidente da República, Nicolas Maduro, a quem o governo norte-americano acusa, sem nenhuma prova, de ser narcotraficante. A operação, chamada de Gedeón, foi comandado pela empresa de segurança americana Silvercorp, e havia implicado em meses de treinamento para ex-militares venezuelanos no deserto colombiano Guajira. O líder da invasão foi Jordan Goudreau, um ex-militar dos EUA que participou das guerras no Iraque e no Afeganistão como parte das forças especiais do Exército. A incursão, que contou com vários outros ex-soldados dos EUA, foi rapidamente aniquilada pela ação conjunta de militares e civis, com saldo de 45 presos e 8 mortos. É possível, nestas alturas dos acontecimentos, que algum incauto ainda acredite que este ataque criminoso a um país soberano tenha como objetivo o combate ao tráfico de drogas ou a restauração da democracia na Venezuela?
     Mesmo usufruindo de todas as vantagens de ser o principal país imperialista da terra, os EUA enfrentam grandes contradições internas, porque o seu modelo de desenvolvimento gera grande desigualdade social. Pelo menos desde o governo do presidente Ronald Reagan (1981/1989), o estado de bem-estar norte-americano, que já era fraco, foi sendo paulatinamente destruído. Se estima que atualmente existam mais de 40 milhões de pobres nos EUA. Cerca de 40% dos estadunidenses se queixam de que não conseguem cobrir despesas inesperadas com emergências, que ultrapassem 400 dólares (ver o artigo: 40 milhões de miseráveis: The New Yorker expõe face oculta e cruel dos Estados Unidos, de Carlos Russo Jr, no Diálogos do Sul em 14.04.20).
     O fato de que os EUA tenham um número tão grande na condição de pobreza, representa uma verdadeira bomba relógio. Uma sublevação dos trabalhadores dentro do país imperialista mais rico do mundo teria um efeito político, econômico e social, simplesmente imprevisível. Risco que deve ter influenciado a decisão dos EUA, há cerca de uma década, de “retomar” os governos da América Latina para sua área de influência.
     No caso do Brasil foi decisiva, na operação do golpe, a aproximação do pais com China e Rússia, através do BRICS. Significava uma ameaça direta ao domínio norte-americano, muito especialmente quando o bloco decidiu começar a comercializar entre si com moedas dos próprios países. Esse fato parece ter sido absolutamente decisivo.  
     No caso do Brasil, além do peso decisivo na América do Sul (no referente a território, população e PIB), o país tomou uma decisão que entrou em rota de colisão com os interesses geopolíticos dos EUA: aproximação, via Brics, dos dois principais inimigos dos EUA. Por razões de manutenção da sua hegemonia, portanto, os EUA promoveram golpes em toda a América Latina, usando estratégias semelhantes nos países, mas adaptadas às distintas realidades. Não nos enganemos: fez isso com o apoio de todos os demais países imperialistas, que formam uma espécie de “clube”.
     Jair Bolsonaro é uma continuidade imperfeita do golpe, porque não era inicialmente, o candidato do imperialismo em 2018. Eles precisariam institucionalizar o golpe em 2018 com um candidato mais palatável, que não provocasse tanto a ira da maioria dos brasileiros. Mas não foi possível, pois nem o imperialismo dispõe de poder ilimitado. Mas Bolsonaro é descartável. Não o substituíram ainda porque a equação de troca não está resolvida. Além disso, têm que fazer uma transição à frio, pois não querem perder o controle do processo que é, de fato, muito sensível, e com muitas possibilidades abertas.  
                                                                                *Economista 18.05.2020.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Sobre o golpe sabemos apenas o mais visível

                                                                         
  *José Álvaro de Lima Cardoso                      

      Ontem, 12 de maio, completou exatamente quatro anos do golpe de Estado no Brasil. Neste dia, no ano de 2016, o Senado autorizava a abertura do processo de impeachment da presidenta da República Dilma Rousseff, e determinou o seu afastamento pelo período de até 180 dias para decisão do Congresso sobre o assunto. Passados quatro anos, estamos em meio à uma crise econômica muito violenta, e no sexto ano seguido de recessão ou estagnação econômica. Sob o pretexto de “resolver” o problema econômico, o golpe de 2016 piorou muito uma crise que segue sem perspectiva de solução. Como desgraça pouca é bobagem, estamos em meio a uma pandemia, da qual o Brasil vai rapidamente assumindo o epicentro.
      Toda essa conjunção de desgraças acontece no momento em que o Brasil tem o pior governo da história: o mais entreguista; o mais subserviente aos EUA, que quer destruir a viabilidade do país enquanto nação. O governo Bolsonaro é, essencialmente, resultado direto do golpe de 2016. Imperfeito, porque Bolsonaro não era o candidato original dos golpistas, mas resultado direto do processo. Esse cidadão não teria se alojado no poder sem o golpe de 2016 e sem a fraude eleitoral de 2018. É necessário saber: os milhares de mortos pelo Covid-19 (número que ontem chegou a 12.400) são fruto direto e inapelável do golpe, que, dentre centenas de problemas, impôs a Emenda Constitucional 95 (“Emenda da Morte”, que congelou gastos com saúde e educação por 20 anos), e colocou Bolsonaro no poder.
     Em 2012, os indícios de que algo estava mudando na América Latina eram muito fortes. Nessa data já havia ocorrido os golpes de Honduras (2009) e do Paraguai (2012), nos moldes do que eles aplicariam no Brasil em 2016. O imperialismo norte-americano estava emitindo claros sinais de que não iria mais tolerar nenhum governo progressista na região.  Há uma luta encarniçada dos EUA para manter sua hegemonia em nível mundial, que está ameaçada, principalmente pela China. Os EUA consideram a América Latina o seu “quintal”. Este foi tomado por governos progressistas na primeira década dos anos 2000: Venezuela, Equador, Argentina, Honduras, Brasil, Uruguai, etc. Todos eleitos pelo voto direto.
    Dá trabalho, mas ser um país hegemônico no mundo traz também muitas vantagens. Uma delas é poder se apropriar de uma parte maior do produto mundial, para uso de sua população, mas especialmente das suas classes dominantes. A perda dessa condição implica em grandes riscos, inclusive de revoltas internas importantes. Vamos recordar que o modelo de desenvolvimento dos EUA, mesmo se apropriando de riqueza no mundo todo, resulta numa desigualdade social interna brutal. Já imaginaram o significado político e econômico de uma sublevação da classe trabalhadora dentro dos EUA? Por razões de manutenção da sua hegemonia, portanto, os EUA promoveram golpes em toda a América Latina, usando estratégias semelhantes, mas adaptadas às distintas realidades. Não nos enganemos: fez isso com o apoio de todos os demais países imperialistas, que formam uma espécie de “clube”.     
     Há sete anos atrás, em 2014, o Brasil discutia temas como: o que fazer com os bilhões de dólares que representava a descoberta do pré-sal, o Programa Minha Casa Minha Vida, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o cumprimento das Metas do Milênio da Onu, a saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU, a redução da pobreza no país. O país discutia a possibilidade de disputar uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, se debatia o programa Ciências sem Fronteiras, se polemizava se o país vivia ou não uma situação de “pleno emprego”. Comparem com o debate vigente hoje: “rachadinhas”, relação do governo com milícias, grau de subserviência do governo brasileiro aos EUA, e a última asneira verbalizada por Bolsonaro.
     Dilma sofreu impedimento por uma miudeza contábil, uma invenção, uma filigrana jurídica. Uma operação que os presidentes fazem muitas vezes em um mandato, e que foi chamada de “Pedalada Fiscal”. O processo todo foi tão farsesco, que não tiveram coragem de cassar os direitos políticos de Dilma Roussef. Não acharam contas no exterior, nunca recebeu propinas, não há nem mesmo um diálogo comprometedor dela com ninguém. Se Dilma tivesse cometido 1% das barbaridades do presidente atual, não teria ficado uma semana no poder.
     Quando afirmávamos em 2015, que a Lava Jato nada tinha a ver com corrupção e que era uma operação do governo estadunidense para roubar petróleo, água, recursos naturais em geral, biodiversidade da Amazônia, e também pelo interesse de abortar um incipiente e limitado processo de construção de um projeto nacional de desenvolvimento, nos acusavam de estar alimentando uma “teoria da conspiração”. Esses seis ou sete anos, desde a intensificação da construção do golpe, mostraram que a conspiração é muito mais grave do que qualquer teorização do fenômeno. As “confissões” dos crimes cometidos pelos responsáveis pela Lava Jato, trazidas em larguíssima escala pela Vaza Jato em 2019, através do site The Intercept, seria mais do que suficiente, é evidente, para anular toda a farsa do processo de impeachment. O fato de que isso não ocorreu mostra que os golpistas ainda estão no poder (nos vários poderes).
     Mas não dúvidas que somente um processo sofisticado de manipulação da população poderia possibilitar o apoio a uma operação entreguista como a Lava Jato e aceitar com naturalidade o repasse, ao Império do Norte, de petróleo, água, minerais e território para instalação de bases militares.
     O resgate e a compreensão dos intrincados fatos ocorridos no processo de impeachment é um pré-requisito para qualquer projeto de nação que possamos acalentar. A respeito do golpe e dos interesses envolvidos, vimos apenas a ponta do iceberg. Quando os acontecimentos esfriarem, teremos informações muito mais completas. Mas os fatos que sabemos já são muito medonhos. 

                                                                          *Economista    13.05.20

terça-feira, 12 de maio de 2020

Carecen de empleos, pero el cinismo permanece



                                                                           * José Álvaro de Lima Cardoso
       
    La intensidad de los problemas económicos en los Estados Unidos, el epicentro del capitalismo mundial, es un termómetro de la gravedad de la crisis actual. El Fondo Monetario Internacional (FMI) estima que la economía de América del Norte mostrará una retracción del 5,9% en su Producto Interno Bruto (PIB), que posiblemente no tenga precedentes. Este resultado interrumpe un ciclo de crecimiento de 10 años, iniciado en 2010, luego de la gran recesión global que ocurrió en el período 2007-2009. El período de crecimiento se considera inusual, no solo por su duración, sino también por la tasa de crecimiento razonable (2% por año, en promedio).
     La fuerte caída del PIB con la crisis actual ha llevado a un dramático aumento del desempleo en la economía más grande del planeta. El país registró una tasa de desempleo del 14.7% en abril, la más alta en más de 70 años, desde que los registros comenzaron a realizarse en 1948. El desempleo aumentó del 3.5% en febrero, el porcentaje más bajo en la historia , a 14.7% en abril, un resultado directo de la depresión causada por la pandemia. Según el Departamento de Empleo de EE. UU., Hasta 20.5 millones de personas perdieron sus empleos en abril pasado.
     Según el gobierno de Estados Unidos, la crisis actual ya ha destruido, en un mes, todos los empleos generados después de la gran crisis económica de 2007/2009. En comparación, durante esa crisis, Estados Unidos alcanzó un pico de desempleo de alrededor del 10% en octubre de 2009. Durante todo el período de la crisis, se terminaron 8,7 millones de empleos, frente a más de 20 millones en un mes, en esta crisis. La brutal tasa de desempleo en los Estados Unidos se ve agravada por la inmensa desigualdad, que emerge en el indicador de desempleo: el índice general, por sí mismo ya explosivo, todavía varía considerablemente entre los grupos étnicos. Entre los blancos, el desempleo fue del 14.2% en abril, para los afroamericanos fue del 16.7%, y entre los hispanos alcanzó el 18.9%.
    Bajo el régimen capitalista, el mercado laboral siempre ha sido una variable de ajuste de capital. En el momento H, cuando la crisis empeora, los empresarios despiden a los trabajadores sin pestañear. De ahí también la lucha histórica entre las clases sociales por la legislación laboral. Si fuera por los empresarios, no habría regulación del mercado laboral, ya que "obstaculiza" el ajuste de los costos cuando llega la crisis económica. En otras palabras, los empresarios quieren la libertad de despedir sumariamente cuando surge la crisis, como lo hizo antes de la existencia de los sindicatos. O como sucede hoy con los trabajadores de la economía informal. Incluso es el apoyo empresarial para el programa de derechos de cosecha "Bolsoguedes", lo que explica, en parte, la resistencia de Bolsonaro, a pesar de las atrocidades cometidas diariamente como presidente. Pero el hecho es que la existencia de un trabajo en el sistema capitalista solo se justifica si el capitalista puede apropiarse de una parte del valor producido por el trabajador. No se trata de si el capitalista es "bueno" o "malo", es parte de la naturaleza del sistema.
     Entre los países subdesarrollados, como regla general, nunca ha habido una cultura de preservación del trabajo. Esto, por cierto, es raro de encontrar incluso en los países capitalistas centrales, como es evidente a partir de los datos de empleo en los Estados Unidos, descritos anteriormente. Cuando la crisis económica empeora, los empresarios tienen una jerarquía de estrategias para enfrentar el problema, en la cual el sacrificio de empleo es uno de los primeros. La tasa de rotación en Brasil, que siempre ha sido alta, revela cómo los despidos se encuentran entre las estrategias preferidas de los patrones en el momento de la crisis. Si la tasa de rotación es monstruosa, hasta el punto de que en algunas categorías “roda” el 100% del personal en un solo año, es porque no es costoso despedir, como afirman los patrones en Brasil.
      En Brasil, están aprovechando la pandemia para transferir la carga principal de la crisis al trabajador, como ejemplos de la Medida Provisional 937 y MP 905, y otros. Al final de la pandemia, el trabajador inevitablemente será más pobre y el patrón de ingresos y empleo, que se ha deteriorado en los últimos años, estará en un nivel más bajo.
     Un ejemplo de la "consideración" con la que las personas en Brasil son tratadas. El día 6, la Cámara de Diputados aprobó, en una segunda ronda, la Propuesta de Enmienda a la Constitución (PEC) 10/2020, que permite al Banco Central (BC) adquirir papeles podridos de grandes bancos e inversores, sin ningún límite en la cantidad. Los expertos que siguen el asunto de cerca dicen que el PEC aumentará la deuda pública en varios trillones de reales. Si bien el gobierno propone asignar R $ 200 reales por mes a los desempleados e indefensos (los R $ 600.00 llegaron a través de una negociación, basada en una propuesta de R $ 1,000.00 de la oposición), aprueban una PEC que aumentará la deuda exponencialmente que, al final, serán pagados por la población.
     La gran comunidad empresarial se siente tan a gusto, en un país donde la mitad de la población depende de R $ 600.00 en ingresos de emergencia para evitar el hambre, que a veces algunos de ellos tienen ataques de "sinceridad inconveniente": Guilherme Benchimol, presidente y El fundador de XP Investimentos, dijo la semana pasada que Brasil está yendo por el camino correcto y ya ha superado el coronavirus en las clases alta y media. Él dijo en una entrevista: “Siguiendo un poco nuestras cifras, diría que a Brasil le está yendo bien. Nuestras curvas aún no son tan exponenciales, hemos podido aplanarlas. Tendremos una imagen más clara en las próximas dos o tres semanas. El pico de la enfermedad ha pasado cuando analizamos la clase media, la clase media alta ”(Revista Fórum na Internet, 05.05.20).
     La crisis actual es muy grave, porque es una combinación de:
1. crisis económica mundial inusual;
2. una crisis económica brasileña muy violenta: Brasil ha pasado de tres años de estancamiento, después de dos años de brutal recesión (2015/2016) (mucho peor por un golpe de estado);
3. una pandemia que ya es la más grave en el siglo pasado;
4. dramática crisis política, con gran polarización en la sociedad.
Como, según la sabiduría popular, "poca desgracia no tiene sentido", esta combinación de crisis ocurre en un momento en que Brasil tiene el peor gobierno de la historia, en todos los aspectos.

                                                                              *Economista 12.05.


segunda-feira, 11 de maio de 2020

Faltam empregos, sobra cinismo



                                                                                        *José Álvaro de Lima Cardoso
       
    A intensidade dos problemas econômicos nos EUA, epicentro do capitalismo mundial, é um termômetro da gravidade da crise atual. O Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que a economia norte-americana irá apresentar retração em 5.9% no seu Produto Interno Bruto (PIB), o que é, possivelmente, inédito. Este resultado interrompe um ciclo de 10 anos de crescimento, iniciado em 2010, a partir da grande recessão mundial ocorrida no período 2007-2009. Período de crescimento considerado incomum, não só pela sua duração, como também pela taxa razoável de crescimento (2% ao ano, em média).
     A queda abrupta e profunda do PIB com a crise atual, levou a um crescimento dramático do desemprego na maior economia do planeta. O país registrou em abril um índice de desemprego de 14,7%, o mais elevado em mais de 70 anos, desde que os registros começaram a ser realizados em 1948. O desemprego saltou de 3,5% em fevereiro, menor percentual da história, para os 14,7% de abril, resultado direto da depressão causada pela pandemia. Segundo o Departamento de Emprego dos EUA, até 20,5 milhões de pessoas perderam o emprego em abril último.
     Segundo o governo dos EUA a crise atual já destruiu, em um mês, todos os empregos gerados após a grande crise econômica de 2007/2009. Para efeito de comparação, durante aquela crise, os Estados Unidos, alcançaram um pico de desemprego na casa de 10%, em outubro de 2009. No período todo da crise foram liquidados 8,7 milhões de postos de trabalho, contra mais de 20 milhões em um mês, nesta crise. A brutal taxa de desemprego nos Estados Unidos, é agravada pela imensa desigualdade, que aflora no indicador de desemprego: o índice geral, por si só já explosivo, ainda varia bastante entre as etnias. Entre os brancos o desemprego foi de 14,2% em abril, para os afro-americanos foi de 16,7% e, entre os hispânicos chegou a 18,9%.
     No regime capitalista o mercado de trabalho sempre foi uma variável de ajuste do capital. Na hora H, quando a crise aperta, o empresariado demite os trabalhadores sem pestanejar. Daí também a luta histórica entre as classes sociais em torno da legislação trabalhista. Se dependesse dos empresários não haveria nenhum tipo de regulamentação para o mercado de trabalho, na medida em que “atrapalha” o ajuste dos custos quando vem a crise econômica. Ou seja, os empresários querem liberdade para demitir sumariamente quando a crise aflora, como acontecia antes da existência dos sindicatos. Ou como acontece hoje com os trabalhadores da economia informal. É inclusive o apoio empresarial ao programa ceifador de direitos de “Bolguedes”, que explica, em parte, a resistência de Bolsonaro, apesar das atrocidades cometidas diariamente no cargo de presidente. Mas o fato é que a existência do posto de trabalho, no sistema capitalista, só se justifica se o capitalista puder se apropriar de uma parte do valor produzido pelo trabalhador. Não é uma questão de o capitalista ser “bom” ou “mau”, faz parte da natureza do sistema.
     Entre países subdesenvolvidos, regra geral, nunca houve uma cultura de preservação dos empregos. Esta, aliás, é rara de encontrar mesmo nos países capitalistas centrais, como fica evidente nos dados de emprego nos EUA, descritos acima. Na hora do agravamento da crise econômica os empresários têm uma hierarquia de estratégias para enfrentar o problema, na qual o sacrifício do emprego é uma das primeiras. A taxa de rotatividade no Brasil, inclusive, que sempre esteve nas alturas, revela como as demissões estão entre as estratégias preferidas dos patrões na hora do aperto trazido pela crise. Se a taxa de rotatividade é monstruosa, a ponto de em algumas categorias rodar 100% do quadro em um único ano, é porque não é oneroso demitir, como os patrões alegam no Brasil.
     No Brasil estão aproveitando a pandemia para transferir o principal do ônus da crise para o trabalhador, como são exemplos a Medida Provisória 937 e a MP 905, e outras. Ao final da pandemia, inapelavelmente o trabalhador estará mais pobre e o padrão de renda e emprego, que já vinha em processo de deterioração nos últimos anos estará em um patamar inferior.
     Um exemplo de como as elites endinheiradas no Brasil tratam a população. O Ministério Público do Estado Mato Grosso, instituiu no mês de abril um “Bônus covid” de até R$ 1.000 para procuradores, promotores e servidores usarem em gastos de saúde durante a pandemia. A medida, de 04 de maio de 2020, terá um custo de R$ 680 mil por mês. Procuradores e promotores têm direito a R$ 1.000 e os demais servidores a R$ 500. O ato administrativo do Ministério Público de Mato Grosso, surge num momento em que a população mofa nas filas da Caixa Econômica Federal tentando sacar os miseráveis R$ 600,00, para não morrer de fome.
    Um segundo exemplo da “consideração” com que tratam o povo no Brasil. No dia 06 a Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2020, que permite ao Banco Central (BC) adquirir papéis podres dos grandes bancos e investidores, sem nenhum limite de valor. Especialistas que acompanham de perto o assunto, afirmam que a PEC irá aumentar a dívida pública em vários trilhões de reais. Enquanto o governo propõe destinar R$ 200 reais mensais para os desempregados e desamparados (os R$ 600,00 vieram através de negociação, a partir de uma proposta de R$ 1.000,00 da oposição) aprovam uma PEC que irá aumentar exponencialmente a dívida pública, a qual, no final das contas, será paga pela população.
     O grande empresariado se sente tão à vontade, num país onde metade da população está dependendo dos R$ 600,00 da Renda Emergencial para não morrer de fome, que às vezes alguns deles tem ataques de “sinceridade inconveniente”: Guilherme Benchimol, presidente e fundador da XP Investimentos, afirmou na semana passada que o Brasil está indo no caminho certo e já superou o coronavírus nas classes altas e médias. Afirmou em entrevista: “Acompanhando um pouco os nossos números, eu diria que o Brasil está bem. Nossas curvas não estão tão exponenciais ainda, a gente vem conseguindo achatar. Teremos uma fotografia mais clara nas próximas duas a três semanas. O pico da doença já passou quando a gente analisa a classe média, classe média alta” (Revista Fórum na Internet, 05.05.20).
     A crise atual é muito grave, porque é uma combinação de:
1. crise econômica mundial inusitada;
2. crise econômica brasileira muito violenta: Brasil vem de três anos de estagnação, após dois anos de brutal recessão (2015/2016) (muito piorada por um golpe de Estado);
3.uma pandemia que já é a mais grave do último século;
4.crise política dramática, com grande polarização na sociedade. 
Como, segundo a sabedoria popular, “desgraça pouca é bobagem”, essa combinação de crises acontece no momento em que o Brasil tem o pior governo da história, em todos os aspectos.

                                                                                               *Economista
11.05.