*Samya Campana
*José Álvaro Cardoso
A esta altura dos acontecimentos no Brasil já
está para muitos que só os trabalhadores, conscientes e organizados, conseguirão
barrar o golpe em andamento. Comprovação desse fato tem sido as vitórias
recentes dos eletricitários: foi anunciada no Congresso o adiamento da votação
do projeto de lei 9.463/18, que trata especificamente da privatização da
Eletrobrás, para o ano que vem; o ministro do STF, Lewandowski, entrou com
liminar suspendendo o leilão das distribuidoras, que estava previsto para
acontecer nos próximos meses; em função da liminar do STF, o BNDES teve que
cancelar um pregão que faria para definir formatação da privatização da
Eletrobrás. Além disso, conseguiram: a suspensão das vendas das SPEs (Sociedades
de Propósito Específico e que são parte dos ativos da empresa), liminar
determinando suspender o contrato da FSB Comunicação, empresa que foi
contratada pela direção da Eletrobrás para desgastar a imagem da Empresa, e
outra liminar retirando a Cepisa (Piauí) do leilão das distribuidoras.
Evidente
que tem sido importante o papel dos poucos parlamentares nacionalistas, e tem
havido também um ótimo trabalho dos sindicatos na dimensão jurídica e no
aspecto da comunicação nas redes sociais. Todas essas iniciativas são relevantes.
Mas a alavanca das vitórias tem sido a atenção e a mobilização da categoria. As
organizações sindicais têm conseguido mostrar para parcela crescente da
sociedade, que a privatização do sistema elétrico não passa de uma grande
negociata para entregar patrimônio público estratégico, a preços de banana, com
profundo comprometimento da soberania energética nacional e da qualidade de
vida do povo brasileiro. As organizações dos eletricitários têm mostrado que um
dos efeitos imediatos da privatização será um significativo aumento do preço da
conta de luz para todos os níveis sociais.
Diante
das intenções do governo no que se referem às empresas públicas estratégicas, a
sensação que temos é que o Brasil perdeu uma guerra que ele mesmo provocou e
agora está sendo governado pelo inimigo. Querem
entregar o sistema elétrico brasileiro porque ele é “filé
mignon” e proporcionará muito mais lucro, principalmente aos grupos econômicos
que o arrematarem à preço de banana, e em detrimento dos bolsos de todo mundo.
A Eletrobrás é o maior sistema elétrico da América Latina e a 6ª maior estatal
de energia do mundo. A
privatização do setor elétrico no Brasil será útil apenas para ajudar a
resolver os problemas das multinacionais do setor e dos grupos financeiros que
vão ganhar dinheiro com a privataria,
que caracteriza sempre os processos de privatização em todo o mundo.
Quem vivenciou, na década de 1990, a
primeira onda neoliberal que devastou a América Latina e que, no caso do
Brasil, significou a privatização de mais de 100 empresas, feito a toque de
caixa e com pouca transparência, sabe que estes processos visavam basicamente
aliviar a crise para as grandes empresas multinacionais. Para o Brasil e sua
população restou apenas preços públicos mais altos, precarização das condições
de trabalho e maior desnacionalização de setores estratégicos da economia
brasileira. O pretexto usado à época era que o dinheiro da venda das estatais
seria destinado à redução da dívida pública. O fato concreto é que, no período de
governo de Fernando Henrique Cardoso, quando ocorreu a maioria das
privatizações, o Brasil perdeu suas estatais e, em simultâneo, a dívida pública
aumentou dramaticamente. Em 1994, ainda no governo Itamar, a dívida correspondia a 30%
do PIB; e no último ano do segundo governo FHC, em 2002, a dívida já havia
alcançado 50% do PIB.
O sistema Eletrobrás, além de ser
estratégico para o país sob todos os pontos de vistas, é um verdadeiro tesouro
como fonte de receita, por isso os especuladores estão de olho. Querem
inclusive aproveitar uma das maiores recessões da história do Brasil para
adquirir ativos valiosíssimos, na “bacia das almas”. Em condições normais, empresas
estratégicas como essas jamais seriam vendidas, mesmo diante de eventuais problemas
como a corrupção ou de natureza gerencial. Os trabalhadores da Eletrobrás são
altamente qualificados e junto com os sindicatos têm incansavelmente denunciado
as ingerências, os desmandos, abusos e casos de corrupção, eventualmente
verificados nas empresas do Sistema.
Como acontece
também nos casos da entrega
do pré-sal e desmonte da Petrobrás, da destruição da CLT, do congelamento dos
gastos com saúde e educação por 20 anos, e da entrega da Embraer, não há um pingo de patriotismo ou de nobreza na tentativa de entregar o
Sistema Eletrobrás para as empresas estrangeiras. Só o que existe nessa ação é
uma política contra o Brasil e sua população. Que governo, senão aquele que
está a serviço de uma potência estrangeira, iria tentar vender o próprio
sistema elétrico do país, estratégico sob todos os pontos de vistas, e que é um
verdadeiro tesouro como fonte de receita? Que governo tentaria torrar um
sistema avaliado em R$ 370 bilhões, como a Eletrobrás, por menos de 10% do seu
valor?
A tentativa de privatização do
sistema elétrico brasileiro, longe de ser um raio em céu azul, deve ser
compreendida dentro do processo político que está se desenvolvendo no país em
termos gerais. O país sofreu um golpe, que está mudando profundamente a relação
do Estado com a sociedade. O governo que é fruto de um golpe financiado
por multinacionais está cumprindo rigorosamente a agenda das empresas
estrangeiras, assim como de sua base no Congresso Nacional. É nesse contexto
que deve ser entendido o PL 9.463/18. O roteiro é conhecido, a partir da experiência histórica de outros
países: converter o Brasil numa economia totalmente dominada
por multinacionais, simples provedora de matérias-primas para o mundo
desenvolvido e importadora de produtos industrializados em geral.
*Economistas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário