AMLO e o poder real
Ontem, primeiro de julho, milhões de mexicanos foram votar e se não houve fraude de Estado monumental, Andrés Manuel López Obrador (AMLO) será o próximo presidente da República.
Se não ocorrer nada de extraordinário no período de transição, no próximo primeiro de dezembro AMLO deverá assumir o governo.
Mas, neste período, e mais além no médio prazo, o poder seguirá nas mãos da classe capitalista transnacional.
É previsível, também, que a partir do 2 de julho o bloco de poder (a plutonomia, Citigroup dixit), inclusive seus meios hegemônicos (Televisa e TV Azteca, de Azcárraga e Salinas Pliego, ambos multimilionários da lista Forbes) e seus operadores nas estruturas governamentais (Congresso, aparato judicial, etc.) escalarão a insurgência plutocrática buscando ampliar seus privilégios e garantir seus interesses de classe, para seguir potencializando a correlação de forças a seu favor.
Mais além do ruído das campanhas, o processo eleitoral transcorreu sob o signo da militarização e a paramilitarização de vastos espaços da geografia nacional, e de uma guerra social de extermínio (necropolítica) que elevou a violência homicida a limites nunca antes vistos no México moderno, similares às de um país em guerra (“naturalizando” na véspera das eleições o assassinato de candidatos a cargos de escolha popular).
Como recordou Gilberto López y Rivas em La Jornada, esse “conflito armado não reconhecido”, cuja finalidade é a ocupação e a recolonização integral de vastos territórios rurais e urbanos para o saque e uso de recursos geoestratégicos, mediante uma violência exponencial e de espectro completo que é a atual configuração do capitalismo; o conflito e a repressão como meio de acumulação da plutonomia.
Para isso a classe dominante fez aprovar a Lei de Segurança Interior.
E está pronta, para ratificação pelo Senado, a iniciativa de deputados de retirar o foro do presidente da República; a denominada estratégia de lawfare aplicada no Brasil contra Dilma Rousseff e Lula da Silva, que implica no uso da lei como arma para perseguir e destruir um adversário político pela via parlamentar/judicial; uma variável de golpes suaves de fabricação estadunidense poderia se voltar contra AMLO.
A respeito e mais além de seu giro rumo ao centro e o redesenho de seu programa de transição reformista-capitalista, democrático e nacional, com grandes concessões ao bloco de poder dominante, a chegada de López Obrador ao governo poderá implicar, em princípio, num “respiro” (Galeano dixit) à tendência do fim do ciclo progressista e restauração da direita neoliberal na América Latina.
O impulso de uma nova forma de Estado social, sem ruptura frontal com o Consenso de Washington, significará, não obstante, uma mudança na correlação de forças regional e terá tremendo impacto nos povos latinoamericanos.
Por isso não é nada inocente — ou simplesmente centrado no aprofundamento das políticas de mudança de regime na Venezuela e Nicarágua — o recente giro neomonroísta do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, pelo Brasil, Equador e Guatemala.
Cabe recordar o editorial inusualmente crítico do Washington Post no dia 18 de junho, que assumiu como suficientemente críveis as relações de colaboradores próximos de López Obrador com os governos de Cuba e da Venezuela, e as declarações do senador republicano John McCain, intitulando AMLO como um possível “presidente esquerdista antiamericano” e as do atual chefe de gabinete do governo Trump, general aposentado John Kelly, que afirmou que López Obrador “não seria bom para os Estados Unidos, nem para o México”.
Segundo assessores de política externa de AMLO, ante Washington seu governo colocará “a defesa profunda da soberania nacional”; revisará a cooperação policial, militar e de segurança (DEA, CIA, ICE, Pentágono, etc.), e sob a premissa de que a imigração não é um crime, incrementará a proteção dos mexicanos irregulares, como se fosse uma procuradoria diante dos tribunais dos Estados Unidos.
Também revisará os contratos petroleiros e de obras públicas.
O que sem dúvida causará fortes confrontações com a Casa Branca e a plutocracia internacional.
Como disse Ilán Semo, no México a presidência da República encerra potencialidades simbólicas insuspeitas; uma espécie de “carisma institucional”.
Não importa quem a ocupe, mesmo um inepto (como Vicente Fox), o cargo lhe transmite uma aura: é “o presidente”.
Depois da Independência, da Reforma e da Revolução Mexicana, AMLO quer passar à história como o homem da “quarta transformação”.
Mas, para isso, necessita uma mudança de regime e grandes saltos na consciência política dos setores populares; sem um povo mobilizado por trás de um projeto de mudança radical e profundo, não há carisma que seja suficiente.
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