*José Álvaro de Lima Cardoso
Uma das indagações recorrentes nos debates
sindicais é: quais as razões centrais que levaram os principais blocos de
interesses a dar o golpe de Estado no Brasil? Do ponto de vista mais geral,
pode-se destacar três fatores principais: a) acesso a matérias-primas
(petróleo, água, nióbio, grafeno, ferro, etc.); b) destruição ou redução de
direitos sociais e trabalhistas; c) geopolítica. Em um plano mais específico, é
possível também listar alguns dos motivos mais importantes:
a) O Brasil havia anunciado, em 2006, a maior
descoberta de petróleo dos últimos 30 anos e tinha sido aprovada a Lei de
Partilha. Como até as pedras já sabem, o petróleo está no epicentro do golpe;
b) a mais grave crise da história do capitalismo,
iniciada em 2007, no centro da economia mundial, reduziu taxas de lucros ao
nível internacional e era fundamental abrir os caminhos para as principais fontes
de matérias primas e de patrimônio público (como as estatais estratégicas e
rentáveis);
c) a presidente Dilma Roussef abriu uma frente de
lutas contra os banqueiros, em 2012, exigindo a redução da taxa Selic para
níveis “civilizados”, sem mobilizar para o tema a população, o que foi fatal;
d) A guerra dos EUA contra os seus principais
inimigos se acirrou, e tornou-se estratégico desarticular os governos
progressistas da América Latina. Daí o endurecimento com a Venezuela, golpe em
Honduras, Paraguai e Brasil, intensificação do financiamento da direita no
continente, uso de técnicas de guerra híbrida, e assim por diante;
e) aproximação do Brasil com os principais inimigos
dos EUA, via Brics. Este bloco, entre outras medidas, planejou substituir
gradativamente o dólar como moeda de referência nas transações internacionais.
Isto eles não podiam perdoar. A hegemonia mundial dos EUA, embora esteja
estremecida, está diretamente relacionada, em boa parte, ao fato de poder
emitir dólar à vontade e esta ser a moeda utilizada no grosso do comércio
internacional.
Governos na América Latina que façam
reformas a favor da maioria, mesmo bastante moderadas, enfrentam dura oposição
dos setores conservadores. Além disso, o Brasil é um país de história política extremamente
conservadora, tendo sido o último país do mundo, inclusive, a abolir a
escravidão. Os conservadores sempre dominaram as ações e durante muitos anos o
Brasil foi a nação mais desigual do mundo, e hoje continua sendo uma das mais
desiguais.
As políticas adotadas antes do golpe,
mesmo que moderadas, foram muito importantes para a população. Os ganhos reais
do salário mínimo, a melhoria da distribuição de renda, a ampliação da rede de
ensino público, a ampliação dos gastos com saúde e educação, a elevação do
crédito público, a colocação da riqueza do pré-sal a serviço da população (Lei
de Partilha), a retirada do Brasil do Mapa da Fome, a geração de milhões de
empregos, todas políticas realizadas nos marcos legais, tiveram enorme
repercussão para o país e para a esmagadora maioria da população.
Tais políticas, além de possibilitarem um
apaziguamento social, em regra, tinham custo baixo no orçamento, em termos
relativos. Por exemplo, o que
representa o gasto com o Programa Bolsa Família (0,4% do PIB), comparado com o
custo elevadíssimo da dívida interna brasileira, de interesse de 10.000
famílias de super ricos? É uma fração absolutamente ridícula. Só se entende a
interrupção do processo no Brasil, se levarmos em conta que hoje quem comanda
as ações do empresariado é o capital financeiro, que, no mundo todo, é contra até mesmo pequenas melhorias para a
maioria da sociedade. O projeto do capital financeiro é extremamente conservador,
e contrário ao desenvolvimento e a distribuição de renda. E isso é assim no
mundo todo, como se pode observar pelo processo atual de concentração de renda,
verificado também nos países desenvolvidos.
Com o golpe foi interrompido um processo
de construção de um projeto nacional de desenvolvimento, ainda que com uma
série de limitações, mas fundamental para o país. Por isso foi atropelado. Essa
experiência recente do Brasil, de melhoria dos indicadores, apesar do desfecho extremamente
amargo e perigoso, foi uma amostra de quanto o Brasil pode ser uma grande
nação. A partir do momento em que desenvolver uma política soberana, voltada
para os interesses da maioria da população, isso tende a acontecer, ainda que
não seja inexorável. Por isso, apesar da total escuridão do momento, e das
sombrias perspectivas de curto prazo, vale a pena cantar e trabalhar pelo
futuro, conforme nos ensinam os versos do poeta Thiago de Mello.
Nenhum comentário:
Postar um comentário