Longe do empreendedorismo de
sucesso, trabalhador é mais prejudicado que os demais.
Trabalho autônomo cresce na
crise, mas em pior condição ainda.
*Clemente Ganz Lúcio.
Trabalhar
sem proteção social durante a vida laboral e não se aposentar na velhice é a
condição de vida predominante para mais de 23 milhões de brasileiros e
brasileiras que trabalham como autônomos ou conta própria. Sem participação
previdenciária contributiva, ficam excluídos do acesso à seguridade e
previdência social. Isso significa que não terão assistência e renda caso
adoeçam ou ocorra algum infortúnio que os impeça de trabalhar e, diante do
afastamento definitivo, ficarão sem proteção previdenciária.
Nos
dois últimos anos, o desemprego, que já atinge mais de 13 milhões de
trabalhadores e tem longa duração, levou muitas pessoas a buscarem o trabalho
autônomo ou por conta própria para poder se sustentar.
No
boletim “Emprego em pauta”, nº 8, de julho de 2018, o DIEESE analisou as condições
desses trabalhadores e constatou que quase ¼ do total dos “conta própria” - ou
seja, 5,3 milhões de pessoas - têm menos de dois anos de atividade nessa
ocupação. Desses, somente 23% contribuem para a previdência social, o que
significa que 77% estão excluídos da proteção social, trabalham sem segurança
diante do afastamento, não têm direito a auxílio-acidente, nem à
licença-maternidade e, menos ainda, à aposentadoria.
A
condição daqueles que estão há mais de dois anos trabalhando como conta própria
não é muito diferente: cerca de 61% trabalham sem contribuição à previdência
social e estão sem proteção alguma. A desproteção é a condição do trabalhador
por conta própria!
Os
rendimentos são baixos e desiguais: a renda média dos que estão há mais de dois
anos no trabalho por conta própria é de R$ 1.685,00 e a dos que estão há menos
de dois anos nessa condição é ainda 33% menor, correspondendo a R$ 1.133,00. As
desigualdades em função de gênero e raça ampliam ainda mais a disparidade nos
rendimentos: um homem não negro, que trabalha como autônomo há mais de dois
anos, tem, em média, rendimento de R$ 2.380,00; já uma mulher negra com menos
de dois anos de trabalho autônomo recebe em média R$ 809,00, isto é, recebe
cerca de 1/3 da renda dele.
A
recente mudança trabalhista enaltece e fortalece esse tipo de situação
ocupacional, estimulando os trabalhadores a viver por conta própria a nova
modernidade do mundo do trabalho! Oferta-lhes os riscos e os infortúnios da
vida laboral, sem proteção e sem vínculos de solidariedade e segurança que o
sistema de seguridade social gera para quem dele participa. Se todos
contribuem, pode-se financiar, com o comprometimento dos participantes e a um
baixo custo relativo, os riscos (acidente, doença, morte) que todos corremos e fazem
parte da vida, bem como o apoio à maternidade, além da aposentadoria dos que
trabalharam por longos períodos. Esses sistemas de cooperação são construções
sociais complexas, resultado de investimentos econômicos, políticos e culturais
de longa duração, que requerem um Estado social comprometido com a proteção e a
cultura da solidariedade.
A
modernidade, no entanto, caminha no sentido contrário, valorizando a renda
atual contra a poupança para proteção ou renda futura e desmontando o sistema
de solidariedade e de seguridade social. Isso é uma bomba relógio armada contra
as futuras gerações. A crise econômica, o desemprego, os baixos salários e o
alto custo de vida pressionam dramaticamente os trabalhadores a defenderem a
sobrevivência no curto prazo.
As
políticas neoliberais cultivam o descompromisso do Estado com o bem-estar da
sociedade, desqualificando a cultura previdenciária e incentivando o trabalho
por conta própria, excluindo trabalhadores de uma participação contributiva e
que possa protegê-los. O Estado lava as mãos das próprias responsabilidades e,
com isso, avança no ajuste fiscal, que reduz despesas futuras e elimina o
direito de acesso à proteção. O Estado neoliberal é hipócrita, pois finge
oferecer igualdade de oportunidades formais, que são destruídas objetivamente
pelas desigualdades de condições – baixa remuneração, desinformação e falta de
assistência, entre inúmeras outras dificuldades.
Não nos iludamos: o trabalho
autônomo e por conta própria é uma característica estrutural do mercado de
trabalho brasileiro e tende a crescer no país e no mundo. A reforma trabalhista
oferece ferramentas para viabilizar esse crescimento.
O
sindicalismo está desafiado a viabilizar a mobilização e a organização desses
trabalhadores. Para isso, deverá se reestruturar para passar a representá-los
na batalha pela constituição de instrumentos de proteção laboral e social,
regulação das relações com os contratantes, adoção de procedimentos para defesa
do trabalho que realizam e do ferramental que possuem e usam para realizá-lo
(moto, carro, barco, caminhão), além da garantia de mecanismos de amparo em
situações de vulnerabilidade. Também será necessário conceber formas solidárias
de proteção social e do trabalho, além de formular modelos de contribuição para
financiá-las. São inúmeros os desafios para que essa parcela expressiva dos
trabalhadores, que hoje vive desprotegida de representação sindical, conquiste
direitos fundamentais.
*Sociólogo e Diretor Técnico
DIEESE
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