*José Álvaro de Lima Cardoso
Desde
a grande crise econômica mundial, em meados da década de 1970, os direitos vêm
sendo atacados no mundo todo, praticamente sem trégua. Este é um processo
mundial, que assume feições específicas em cada país. No Brasil os ataques
começaram já na ditadura militar e se arrastaram por quase todos os governos
posteriores. Mas o processo se intensificou muito a partir do golpe de 2016,
com a destruição em escala industrial dos direitos sociais e trabalhistas, uma
das marcas registradas do processo.
Em
1974 o capitalismo mundial entrou em profunda crise, encerrando o chamado “período
de ouro” do capitalismo, de quase 30 anos, que significou crescimento com
melhoria de vida nos países do capitalismo central. Foi um período caracterizado
também pela Guerra Fria, ou seja, a União Soviética servia, para os
trabalhadores do mundo, como exemplo de país que tinha realizado uma revolução
popular. Isso obrigou o sistema capitalista mundial, naquele período, a fazer
concessões aos trabalhadores, no campo dos direitos e salários. Nesse período
as políticas macroeconômicas na maioria dos países, se desenvolveram com base
no chamado Keynesianismo, o que significava dentre outros aspectos, o funcionamento
da economia capitalista com forte intervenção do Estado.
Essa
crise econômica, e a incapacidade de reação imediata do bloco capitalista mundial
no enfrentamento da crise, levou a uma série de revoluções em todo o mundo,
como Polônia (1980), Nicarágua (1979), Irã (1979), e outras. Para conter esse
processo de reação dos trabalhadores no mundo, e para tentar retomar a economia,
a burguesia lançou a Política Neoliberal, mais ou menos em 1985. O Neoliberalismo
defende políticas de liberalização econômica profundas, receita que os países
imperialistas prescrevem para os subdesenvolvidos, mas que eles mesmos não
praticam: privatizações, austeridade fiscal, desregulamentação, livre
comércio, e o corte de despesas
governamentais. A política neoliberal, ao destruir estatais e mercados
internos, significou também a destruição de boa parte das forças produtivas da
sociedade, especialmente na periferia capitalista.
A política neoliberal veio também com o
objetivo de enfraquecer a organização sindical e política dos trabalhadores e desmontar
o chamado Estado do Bem-Estar Social, existente principalmente na Europa. Essa política
que é extremamente destrutiva, provocou um retrocesso enorme na sociedade, e
também nas conquistas da classe operária no mundo todo. O desemprego aumentou,
todas os direitos conquistados depois da Segunda Grande Guerra, num contexto da
Guerra Fria, foram sendo esfarelados, e espalhou-se o chamado emprego precário
no mundo todo.
Em
simultâneo à crise capitalista a China inicia um processo de abertura para os
países ocidentais (em 1976, ano também da morte do grande líder da revolução
chinesa, Mao Tsé Tung). Nos anos seguintes, a União Soviética e o Leste Europeu
entram em crise, e iniciam um processo de abertura para os países do Ocidente.
Se estima que, a partir dessas crises na China e no Leste Europeu, mais de 1
bilhão de trabalhadores ingressaram no mercado de trabalho mundial. É possível
que este número esteja superestimado, visto que a força de trabalho mundial em
1985 estava em torno dos 3 bilhões. De qualquer maneira um número enorme de
pessoas ingressou no mercado de trabalho global, o que exerceu uma pressão
incalculável sobre a luta e a organização dos trabalhadores em todo o mundo.
Com
a crise, o desemprego no Leste Europeu, por exemplo, foi dramático, com centenas
de empresas quebrando em todos os países. Isso colocou no mercado uma
quantidade imensa de trabalhadores, em busca de emprego. Esse grande excedente de
trabalhadores, provocou uma defensiva muito grande da classe trabalhadora
mundial. O processo significou um atraso muito grande no movimento dos
trabalhadores. Com a formação desse imenso exército de reserva mundial, o
movimento sindical não teve como sustentar o padrão de direitos que os
trabalhadores tinham obtido ao longo dos anos no centro do capitalismo (principalmente
na Europa), e um pouco em países da periferia do capitalismo, como no Brasil.
Os
brasileiros com um pouco mais de idade sabemos bem o que representou a política
neoliberal, com os oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, que estão
entre os piores da história do Brasil, no qual direitos e a economia nacional
foram destruídos em escala industrial. A política de FHC foi explosiva para o
país: entrega de estatais a preço de banana (processo conhecido como
Privataria), destruição intensiva de direitos sociais e aumento da
vulnerabilidade externa. Quando Fernando Henrique Cardoso afirmou que iria
sepultar a era Vargas, em 1995, ele se referia não apenas à dramática redução da
presença do Estado na economia, mas também estava dando um recado que os
direitos trabalhistas iriam ser dizimados. Como realmente o fez, em boa parte.
Neste
momento a crise da política neoliberal é profunda. Os golpes aplicados em toda
a América Latina, a partir de Honduras em 2009, são uma tentativa do
imperialismo de reverter esse processo de crise em todo o mundo. Como há uma
crise internacional muito profunda, o sistema financeiro mundial (que é quem dá
as cartas realmente no processo do Brasil), quer mais e precisa extrair mais do
país. Estão destruindo direitos, enfraquecendo os sindicatos, entregando patrimônio,
fatiando a Petrobrás, estão tentando desmontar o setor público e acabando com
direitos históricos dos servidores. Ao contrário do que alguns imaginam, não se
trata de uma força de expressão: a destruição de direitos e da pouca democracia
existente, e o aumento dos níveis de desigualdade, estão colocando o Brasil na
mesma situação da Europa no fim do século 19. O pior é que no médio prazo todas
as medidas do governo irão empobrecer o povo e concentrar a renda ainda mais.
Desmontar
tudo que é público, já sabíamos no final de 2018, era a missão principal do
governo Bolsonaro/Guedes. Bolsonaro vem cumprindo, em quase dois anos de
governo, promessa feita nos Estados Unidos, em jantar com representantes da
extrema-direita, de que teria chegado ao poder para levar adiante um projeto de
destruição nacional. "O Brasil não é um terreno aberto onde nós iremos
construir coisas para o povo. Nós temos que desconstruir muita coisa",
afirmou em 18.03.2019, na sede da Agência Central de Inteligência
norte-americana (CIA), em Washington.
A lista de ataques aos direitos sociais e trabalhistas, ações contra a
cultura, contra o meio ambiente, contra a educação, é quase interminável. No
governo Bolsonaro, foram centenas, possivelmente milhares, de ações abolindo ou
reduzindo direitos, ferindo a soberania nacional, enfraquecendo instrumentos de
intervenção estatal, e assim por diante. A quantidade de direitos sociais e sindicais, liquidados pelo governo de
extrema direita nos dois anos são, por si só, a demonstração de que a
correlação de forças continua muito desfavorável aos trabalhadores.
*Economista.19.10.2020.
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