*José Álvaro de Lima Cardoso
No que se refere ao mercado de trabalho o
objetivo declarado do governo Bolsonaro, definido ainda antes de assumir, é colocar
todo o mercado de trabalho brasileiro em pé de igualdade com o setor informal,
ou seja, não ter direitos trabalhistas. Diminuir ao máximo os direitos e
substituir, na melhor das hipóteses, por uma política assistencialista, que
mantenha os trabalhadores em situação de pobreza crônica. Isto é verbalizado frequentemente
pelos membros do governo. Não por acaso, mesmo com a pandemia as
medidas do governo continuaram aprofundando a vulnerabilidade, insegurança e
precariedade no mercado de trabalho.
Em função das mais de 40 milhões de
pessoas em situação de desemprego aberto ou oculto no Brasil, está em debate no
interior do governo a proposta de Renda Brasil ou Renda Cidadã, como medida
assistencial substitutiva do Bolsa Família. O governo está dividido em relação
à medida, dentre outras razões porque, aparentemente, o segmento mais poderoso
da coalização golpista (o grande capital), vetou a proposta. Aprovada ou não
dentro do governo, a proposta indica a intenção no referente à questão social:
concessão de um benefício mínimo para os mais pobres, combinada com a extinção sistemática
de direitos históricos dos trabalhadores (como abono salarial, 13º salário e
outros).
Há cerca de um mês o governo apresentou a
proposta de custeio do Renda Brasil/Renda Cidadã, que envolveria recursos do
FUNDEB e de precatórios, com evidentes reflexos sobre o financiamento da
educação no Brasil. O governo parece ter recuado da ideia, em função de divergências
internas. Mas, desde 2016, era relativamente fácil prever que os golpistas
iriam atacar a educação pública como um todo, inclusive no nível fundamental. Recentemente
membros do governo falaram em congelamento de
aposentadorias, desta vez incluindo também pensões. A ideia inicial era
congelar todos os níveis de aposentadorias, porém, em função da reação mesmo
dentro do governo, a proposta passou a ser de congelamento nos benefícios superiores
a um salário mínimo.
Os tempos não estão para brincadeiras. Surgiu
recentemente (ou ganhou visibilidade) um movimento intitulado Convergência
Brasil, formado por grandes empresários, defendendo um Projeto de Lei que prevê
a destinação de 30% dos recursos arrecadados com privatizações e com a economia
advinda de uma Reforma Administrativa para o programa de renda básica que está
sendo proposto pelo governo. Empresários sem nenhum compromisso com o
desenvolvimento do país, lutando para privatizar empresas estratégicas para o Brasil,
fundamentais sobre todos os pontos de vista, com a desculpa de destinar uma
esmola para as multidões de desesperados que brotam no país. São figuras completamente
sem escrúpulos, que defendem a privatização da Caixa, Banco do Brasil,
Petrobras, Correios, a serviço de uma articulação internacional, que conspira
contra o Brasil. É mistura de crueldade, oportunismo e picaretagem do
empresariado brasileiro, que apoiou em massa o golpe de 2016, seguindo uma orientação
“vinda de cima” e visando melhorar suas condições de assalto ao Estado.
A estratégia do governo e desses
empresários, para a questão social, portanto, é ampliar a assistência aos
crescentes excluídos do mercado de trabalho, cortando direitos trabalhistas e
políticas sociais duramente conquistadas. Ao mesmo tempo, vai implementando as políticas
de guerra contra o povo, cujo um dos eixos centrais é liquidar direitos
históricos. Compõem esse cenário a continuidade das medidas relacionadas à
Reforma Trabalhista, proposta ainda não apresentada formalmente, mas
reiteradamente mencionada por Paulo Guedes em seus pronunciamentos. É o caso da
renovação da Carteira de Trabalho Verde e Amarela (que havia sido prevista por
meio da MP 905/2019, mas que foi revogada pela MP 955/2020, ante sua não
conversão em lei pelo Congresso Nacional), com características ainda mais negativas
aos trabalhadores que a proposta original.
O objetivo de Paulo Guedes, que
funciona como um seguro dos banqueiros para iniciativas de Bolsonaro que possam
contrariar seus interesses, é a de redução de custos. Guedes fala em remuneração
por hora, com pagamento proporcional de direitos trabalhistas, bem como de
ampliar a margem de utilização do referido contrato. As empresas começariam com
10% dos empregados contratados pelo regime de pagamento por hora trabalhada no
primeiro ano, até ter todo o conjunto dos empregados pagos por hora.
O governo é obcecado em
reduzir custos do trabalho. Mas o salário mínimo necessário calculado pelo
DIEESE está em R$ 4.892,75, quase cinco vezes o salário mínimo oficial. Quase 58%
dos rendimentos domiciliares per capita observados em 2019 eram iguais
ou inferiores ao valor do salário mínimo vigente nesse mesmo ano. Isso
significa que quase 60% das pessoas no Brasil possuíam rendimento domiciliar per
capita de até R$ 1.045,00 (um salário mínimo). Ou seja, contavam com menos
que um salário mínimo para pagar luz, água, transporte, comida, remédio, etc.
O conjunto das ações do
governo Bolsonaro aponta para a destruição de uma sociedade calcada nos
direitos trabalhistas. Por um lado, destrói direitos em escala industrial. Por
outro vai tapeando a sobrevivência dos mais pobres, numa perspectiva exclusivamente
assistencialista, o que dissolve a ideia de Direitos do Trabalho e submete cada
vez mais os assalariados à concorrência, e às incertezas do mercado capitalista,
sem praticamente nenhum anteparo do Estado.
Todo esse “mercado de trabalho
dos sonhos” dos capitalistas no Brasil, implica em retirar o movimento sindical
do caminho. A Reforma Trabalhista e as medidas provisórias que a seguiram, objetivaram
inviabilizar a existência de sindicatos autênticos, verdadeiros. Não por acaso,
a asfixia das organizações de trabalhadores começou logo após o golpe, com a Contra
Reforma Trabalhista de 2017. O enfraquecimento dos sindicatos é um pressuposto
do projeto governamental, de erigir um mercado de trabalho completamente precário,
mercantilizado e vulnerável, totalmente à mercê dos desígnios do Capital.
A extinção de direitos nos
moldes em que está pretendendo Guedes e Bolsonaro não combina com democracia,
mesmo sendo essa muito limitada no Brasil. É impossível colocar o país no
século XIX em termos de direitos sociais e trabalhistas e manter um sistema
democrático ao mesmo tempo. Democracia tem que se concretizar em direitos nas
várias dimensões da vida humana. Liberdade no abstrato, têm pouco valor se as
pessoas não têm o que comer. O risco inclusive é de uma ditadura militar
aberta. Que pode não vir no curto prazo, mas que é uma espada que paira sobre a
cabeça de todos nós.
*Economista, 26.10.20
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