*José
Álvaro de Lima Cardoso
O Senado
Federal, em 12 de maio de 2016, aprovou a admissibilidade da denúncia que pediu
o afastamento da presidente da República (Dilma) por crime de responsabilidade
em 12 de maio de 2016. Faz quase quatro anos, portanto, desse acontecimento.
Mas as ações para o golpe haviam começado bem antes. Em 2012 os indícios de que
algo estava mudando substancialmente no subcontinente eram muito fortes. Nessa
data já havia ocorrido o golpe de Honduras (2009) e o do Paraguai (2012), com
metodologias parecidas com a utilizada no Brasil: uso de grupos de direita
financiados internacionalmente, apoio maciço da mídia comercial, técnicas de manipulação
de massas, etc. O imperialismo norte-americano, nesse período, emitia claros
sinais de que não iria mais tolerar nenhum governo nacionalista ou popular na Região.
O golpe foi obra do imperialismo de conjunto, isto
é, o consórcio
de países ricos, que dominam a economia mundial, a guerra, o petróleo, as
fontes de matérias primas e de energia. Estes países formam uma espécie de
clube dos ricos, uma sociedade com fins comerciais. Neste consórcio cada país
tem sua cota e um acordo, meio que dividem o mundo entre eles. A América Latina,
por exemplo, é considerada o “quintal” dos EUA. Mas o golpe no Brasil não foi
uma ação exclusiva dos EUA e sim uma ação do imperialismo no seu conjunto. Não
fosse isso, os países imperialistas da Europa, por exemplo, teriam se colocado abertamente
ao golpe escancarado que se desenvolveu no Brasil, com evidente coordenação dos
EUA.
Um
processo complexo como um golpe de Estado sempre tem muitas causas, estas de
caráter econômico, geopolíticos, sociais. Um processo destes é complexo e
multicausal, particularmente quando se desenvolve em um país continental e
populoso como o Brasil. Mas é possível destacar algumas razões mais importantes
para o golpe:
1. O capitalismo atravessa a mais grave crise de sua
história, caracterizada por baixas taxas mundiais de crescimento e grande expansão
da desigualdade social. Iniciada em 2007, a crise se prolonga, reduzindo taxas
de lucros ao nível internacional. Neste contexto tornou-se fundamental pavimentar
ainda mais os caminhos para fontes de matérias primas, como petróleo, grafeno,
nióbio, água, etc. Governos nacionalistas como o de Dilma, Morales, Kirchner, Maduro, etc, se tornaram obstáculos a serem derrubados
de qualquer maneira;
2.Brasil e América Latina são da banda subdesenvolvida
do mundo. Golpes, quarteladas, assassinatos, fazem parte da história da Região.
Foram muitos os golpes que o Brasil sofreu desde a proclamação da República em
1889, alguns inclusive omitidos pela historiografia oficial. Sempre que os de
baixo levantara a cabeça, a classe dominante deu um jeito de fazê-la abaixar;
3. O Brasil havia recém anunciado, em 2006, a maior
descoberta de petróleo do milênio e tinha sido aprovada a Lei de Partilha. O
petróleo, claro, está no epicentro do processo golpista. Do ponto de vista
econômico esta é a principal causa do golpe. Os EUA são o país que mais consome
petróleo no mundo e não é autossuficiente na sua produção. Sua política para o
problema é conseguir o petróleo para suas necessidades e ambições. Por bem ou
por mal. As consequências do fenômeno são conhecidas pela história das guerras
nos últimos 100 anos (pelo menos);
4. A guerra dos EUA contra os seus principais
inimigos (China e Rússia) se acirrou nos últimos anos e tornou-se fundamental botar
abaixo os governos progressistas da América Latina. Daí o endurecimento com
Venezuela, golpe em Honduras, Paraguai e Brasil, intensificação do
financiamento da direita no continente, e assim por diante;
5) Um dos elementos decisivos do envolvimento dos
EUA no golpe foi a aproximação do Brasil com os principais inimigos dos EUA,
via BRICS. Este bloco, dentre outras medidas, planejou substituir
gradativamente o dólar como moeda de referência nas transações internacionais. O
Brasil sempre foi um país central no hemisfério sul devido à sua dimensão
geográfica, demográfica e econômica, o único país nas américas, que rivaliza
com os EUA nesses atributos.
O Brasil vinha ampliando suas parcerias
com a China e a Rússia, e passou a desenvolver políticas de conquista de novos mercados
da América do Sul e África. Desenvolveu também políticas de favorecimento das empresas
nacionais, principalmente via expansão do crédito público, via BNDES. Os
governos anteriores ao golpe também reativaram a indústria bélica (construção
do submarino atômico e outros convencionais, em conexão com a França, compra
dos helicópteros da Rússia e dos jatos da Suécia). Sempre com transferência de
tecnologia, coisa que os EUA nunca quiseram fazer.
Fundamental na explicação do golpe também:
via BRICS foi aberta a possibilidade de substituir o dólar nas transações
financeiras e comerciais internacionais. Isso os EUA não toleram, pois o privilégio
do país, de emitir a moeda que é uma referências nas principais transações econômicas
e financeiras da economia mundial, é fator explicativo essencial do seu poder
econômico e geopolítico. Jamais abrirão mão desse privilégio de forma
tranquila. Central também foi a definição de que o pré-sal, sob controle da
Petrobrás (Lei de Partilha), seria colocado a serviço do povo, via royalties,
destinados à saúde e à educação.
Uma questão essencial, na decisão de operar
o golpe, foram os aumentos reais do salário mínimo. Entre 2003 e 2014 o salário
mínimo, que é um preço fundamental na economia brasileira em função dos baixos
níveis salariais, cresceu 77% acima da inflação. Esse fato incomodou muitos
empresários brasileiros, o que revela uma cegueira econômica e política, inacreditável.
Uma informação recente do mercado de trabalho nos traz uma noção da importância
que a política de aumentos reais do salário mínimo teve na decisão de apoio ao
golpe. Segundo o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), em 2019,
todo o saldo positivo do emprego verificado é de empregos que estão na faixa de
até 1,5 salário mínimo. Acima de 1,5 SM o saldo foi negativo em 621.000 postos
de trabalho. O golpe foi dado também para aumentar a exploração e o arrocho de
salários
*Economista. 29.02.20
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