domingo, 1 de março de 2020

Razões pelas quais o Brasil sofreu o golpe de Estado


                                                                                  *José Álvaro de Lima Cardoso

     O Senado Federal, em 12 de maio de 2016, aprovou a admissibilidade da denúncia que pediu o afastamento da presidente da República (Dilma) por crime de responsabilidade em 12 de maio de 2016. Faz quase quatro anos, portanto, desse acontecimento. Mas as ações para o golpe haviam começado bem antes. Em 2012 os indícios de que algo estava mudando substancialmente no subcontinente eram muito fortes. Nessa data já havia ocorrido o golpe de Honduras (2009) e o do Paraguai (2012), com metodologias parecidas com a utilizada no Brasil: uso de grupos de direita financiados internacionalmente, apoio maciço da mídia comercial, técnicas de manipulação de massas, etc. O imperialismo norte-americano, nesse período, emitia claros sinais de que não iria mais tolerar nenhum governo nacionalista ou popular na Região.
     O golpe foi obra do imperialismo de conjunto, isto é, o consórcio de países ricos, que dominam a economia mundial, a guerra, o petróleo, as fontes de matérias primas e de energia. Estes países formam uma espécie de clube dos ricos, uma sociedade com fins comerciais. Neste consórcio cada país tem sua cota e um acordo, meio que dividem o mundo entre eles. A América Latina, por exemplo, é considerada o “quintal” dos EUA. Mas o golpe no Brasil não foi uma ação exclusiva dos EUA e sim uma ação do imperialismo no seu conjunto. Não fosse isso, os países imperialistas da Europa, por exemplo, teriam se colocado abertamente ao golpe escancarado que se desenvolveu no Brasil, com evidente coordenação dos EUA.
     Um processo complexo como um golpe de Estado sempre tem muitas causas, estas de caráter econômico, geopolíticos, sociais. Um processo destes é complexo e multicausal, particularmente quando se desenvolve em um país continental e populoso como o Brasil. Mas é possível destacar algumas razões mais importantes para o golpe:
1. O capitalismo atravessa a mais grave crise de sua história, caracterizada por baixas taxas mundiais de crescimento e grande expansão da desigualdade social. Iniciada em 2007, a crise se prolonga, reduzindo taxas de lucros ao nível internacional. Neste contexto tornou-se fundamental pavimentar ainda mais os caminhos para fontes de matérias primas, como petróleo, grafeno, nióbio, água, etc. Governos nacionalistas como o de Dilma, Morales, Kirchner,  Maduro, etc, se tornaram obstáculos a serem derrubados de qualquer maneira;

2.Brasil e América Latina são da banda subdesenvolvida do mundo. Golpes, quarteladas, assassinatos, fazem parte da história da Região. Foram muitos os golpes que o Brasil sofreu desde a proclamação da República em 1889, alguns inclusive omitidos pela historiografia oficial. Sempre que os de baixo levantara a cabeça, a classe dominante deu um jeito de fazê-la abaixar;

3. O Brasil havia recém anunciado, em 2006, a maior descoberta de petróleo do milênio e tinha sido aprovada a Lei de Partilha. O petróleo, claro, está no epicentro do processo golpista. Do ponto de vista econômico esta é a principal causa do golpe. Os EUA são o país que mais consome petróleo no mundo e não é autossuficiente na sua produção. Sua política para o problema é conseguir o petróleo para suas necessidades e ambições. Por bem ou por mal. As consequências do fenômeno são conhecidas pela história das guerras nos últimos 100 anos (pelo menos);

4. A guerra dos EUA contra os seus principais inimigos (China e Rússia) se acirrou nos últimos anos e tornou-se fundamental botar abaixo os governos progressistas da América Latina. Daí o endurecimento com Venezuela, golpe em Honduras, Paraguai e Brasil, intensificação do financiamento da direita no continente, e assim por diante;

5) Um dos elementos decisivos do envolvimento dos EUA no golpe foi a aproximação do Brasil com os principais inimigos dos EUA, via BRICS. Este bloco, dentre outras medidas, planejou substituir gradativamente o dólar como moeda de referência nas transações internacionais. O Brasil sempre foi um país central no hemisfério sul devido à sua dimensão geográfica, demográfica e econômica, o único país nas américas, que rivaliza com os EUA nesses atributos. 
     O Brasil vinha ampliando suas parcerias com a China e a Rússia, e passou a desenvolver políticas de conquista de novos mercados da América do Sul e África. Desenvolveu também políticas de favorecimento das empresas nacionais, principalmente via expansão do crédito público, via BNDES. Os governos anteriores ao golpe também reativaram a indústria bélica (construção do submarino atômico e outros convencionais, em conexão com a França, compra dos helicópteros da Rússia e dos jatos da Suécia). Sempre com transferência de tecnologia, coisa que os EUA nunca quiseram fazer.
     Fundamental na explicação do golpe também: via BRICS foi aberta a possibilidade de substituir o dólar nas transações financeiras e comerciais internacionais. Isso os EUA não toleram, pois o privilégio do país, de emitir a moeda que é uma referências nas principais transações econômicas e financeiras da economia mundial, é fator explicativo essencial do seu poder econômico e geopolítico. Jamais abrirão mão desse privilégio de forma tranquila. Central também foi a definição de que o pré-sal, sob controle da Petrobrás (Lei de Partilha), seria colocado a serviço do povo, via royalties, destinados à saúde e à educação.
    Uma questão essencial, na decisão de operar o golpe, foram os aumentos reais do salário mínimo. Entre 2003 e 2014 o salário mínimo, que é um preço fundamental na economia brasileira em função dos baixos níveis salariais, cresceu 77% acima da inflação. Esse fato incomodou muitos empresários brasileiros, o que revela uma cegueira econômica e política, inacreditável. Uma informação recente do mercado de trabalho nos traz uma noção da importância que a política de aumentos reais do salário mínimo teve na decisão de apoio ao golpe. Segundo o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), em 2019, todo o saldo positivo do emprego verificado é de empregos que estão na faixa de até 1,5 salário mínimo. Acima de 1,5 SM o saldo foi negativo em 621.000 postos de trabalho. O golpe foi dado também para aumentar a exploração e o arrocho de salários
                                                                                                   *Economista. 29.02.20

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