*José
Álvaro de Lima Cardoso
Estudiosos da universidade de Oxford, no Reino
Unido, publicaram no dia 15 de março um estudo preliminar comparando as possíveis
mortes pelo novo coronavírus no Brasil e na Nigéria. Apesar de ser um estudo
preliminar, antecipado em decorrência da importância desse tipo de informação
em meio a uma crise sanitária mundial, a projeção é que poderá haver até 478
mil mortes no Brasil. Os cientistas tomaram como referência dois países nos
quais o impacto da doença foi bastante diferenciado: Itália, onde o número de
mortos é altíssimo e a taxa de letalidade é uma das maiores, e Coreia do Sul,
que, apesar de ter um grande número de infectados, tem uma das mais baixas
taxas de letalidade (1%).
Estudando os padrões de letalidade da
doença a partir desses dois países, os cientistas projetaram o que poderia
acontecer em nações que ainda não chegaram ao pico da pandemia, como no caso do
Brasil. Os números devem ser encarados com cautela, pois o estudo é preliminar
e deve passar por aperfeiçoamentos metodológicos. Mas o número geral (risco de
quase 500 mil mortos no Brasil) é impressionante, e deveria servir de alerta
para a horda que vem defendendo retorno ao trabalho, isolamento vertical e
coisas do gênero. Contrariando não apenas os estudos especializados, mas a
experiência concreta recente dos vários países, no enfrentamento da doença.
Com o agravamento
da pandemia prossegue o movimento da burguesia no Brasil para isolar as inacreditáveis
estultices de Bolsonaro, do programa econômico “virtuoso” coordenado por Paulo
Guedes. Mas o que salta aos olhos é que justamente o programa de Paulo Guedes
dificulta muito o combate aos efeitos do coronavírus, tanto no aspecto da saúde
da população, quanto no da economia. No mundo todo as políticas que estão sendo
implementadas são as desenvolvidas a partir dos Estados nacionais. Independentemente
do tipo de governo de cada país, as políticas desenvolvidas utilizam a potência
e a capacidade de centralização e organização do Estado. Mantendo, obviamente, seu
caráter de classe: em todo o mundo capitalista as medidas têm como principal
preocupação a proteção das empresas, especialmente as grandes.
Aqui,
desde o golpe em 2016, os governos vêm enfraquecendo o Estado nacional, que já
tinha muitas debilidades, o que dificulta muito o combate à pandemia neste
momento. Uma coordenação central para o combate à doença é rejeitada pelo
governo não só pela incapacidade de perceber a gravidade do momento, mas também
por razões ideológicas. Ou seja, a política do governo é “cada um que se vire”.
Isso é especialmente preocupante, quando se sabe que os efeitos da pandemia são
mais graves nas regiões mais pobres. As condições de alimentação, moradia, acesso à
remédios, higiene, tudo isso fornece aos ricos e à classe média condições
infinitamente superiores para o enfrentamento da doença, em relação aos pobres.
Quanto menos dinheiro a pessoa tiver, mais sujeito estará a contrair a doença e
menos condições terá de se curar.
Dessa forma os efeitos da crise econômica,
impulsionada agora pela pandemia, sobre a pobreza, poderão ser devastadores. O
problema é que, a partir do golpe, começou o desmonte das políticas de combate à
pobreza, tendência que foi aprofundada no Governo Bolsonaro. Destruíram as
políticas de segurança alimentar e a fome aumentou rapidamente no Brasil. Em apenas
3 anos após ter saído do Mapa da Fome da ONU (2014), o Brasil retornou para o
famigerado Mapa.
A
pandemia disparou uma crise mundial que já vinha se desenhando antes, e que, possivelmente,
será a maior da história do capitalismo até então. Por isso mesmo, os países capitalistas
centrais estão colocando trilhões de dólares, na tentativa de amainar os seus efeitos.
Se calcula que o governo da Alemanha já tenha comprometido cerca de 35% do PIB
para a empreitada. Outros países da Europa, montaram planos com percentuais
semelhantes de investimentos previstos. Os EUA aprovaram o maior plano
econômico da história, de quase dois trilhões de dólares — cerca de 10 trilhões
de reais, uma quantia superior ao PIB brasileiro — para estimular empresas e
famílias. O plano global dos EUA chegará a seis trilhões de dólares, se levar
em conta outros quatro trilhões em empréstimo disponível por parte do Federal
Reserve (banco central). O pacote prevê inclusive o pagamento de recursos
diretamente aos cidadãos com renda inferior aos US$ 75.000,00 ao ano, medida que
alcançará a maior parte da população dos EUA. Ao todo a ajuda direta aos
cidadãos, poderá chegar aos US$ 500 bilhões. Além disso, o plano negociado no
Congresso Nacional prevê uma linha de crédito de US$ 367 bilhões para pequenas
e médias empresas, e um fundo no total de 500 bilhões para indústrias, cidades
e Estados.
Os
trabalhadores que forem demitidos[1]
receberão o seguro-desemprego no valor habitualmente pago em seu estado durante
quatro meses, mais um extra de US$ 600,00. É que o tombo que estão esperando da
economia estadunidense é muito grande: o banco Morgan Stanley calcula que no
segundo trimestre o PIB norte-americano pode encolher 30%. Outras previsões
mais otimistas, acreditam em uma queda de 15% da economia no período citado.
No
Brasil o que foi negociado até agora para a população mais diretamente afetada
pelas crises somadas foi muito pouco. A Câmara de Deputados aprovou projeto na
semana passada, negociado com a direita no Congresso, que prevê pagamento de um
auxílio emergencial aos mais pobres (Projeto de Lei 9236/17), no valor de R$
600 mensais. O auxílio será concedido durante três meses para as pessoas de
baixa renda afetadas pela crise sanitária. Para ter acesso ao benefício, além
de uma série de outras exigências a pessoa deve ter renda familiar mensal de
até meio salário mínimo (R$ 522,50) ou renda familiar mensal total (tudo o que
a família recebe) de até três salários mínimos (R$ 3.135,00).
O valor
negociado, R$ 600,00, é melhor do que nada (qualquer coisa é), mas é muito
pouco. Uma cesta de alimentos, com 13 produtos essenciais para uma pessoa no
mês de março, custou em média R$ 517,13 em Florianópolis (pesquisa divulgada ontem),
praticamente o valor que será distribuído para os mais pobres, segundo o PL.
Tem um problema adicional: o governo não tem encaminhado mesmo as ações que
decide e divulga para a sociedade. O governo Bolsonaro por princípio é contra
este tipo de medida, portanto a possibilidade de serem criadas dificuldades
para as pessoas obterem o recurso, é grande. Isto está acontecendo com o Bolsa
Família: recentemente o governo congelou o benefício em 200 municípios pobres e a estimativa é que a fila já
esteja em mais de 1 milhão de pessoas. Os brasileiros que estão na fila
já tiveram seus dados checados, não têm nenhum problema técnico ou de qualquer
outra ordem. São pessoas miseráveis, com filhos, que têm direito a ingressar no
Programa. Elas não entram no Programa porque o governo não quer gastar com
pobres.
Ao mesmo tempo em que segura o benefício
aos famintos, o governo demostra extrema generosidade com os ricos. Um exemplo
é a MP 927, editada na semana passada e que prevê o repasse aos banqueiros no
montante de R$ 1,2 trilhão, que deve ser a maior transferência de dinheiro
público ao setor privado, da história do país. Teoricamente, esses recursos
seriam emprestados ao setor privado a juros mais baixos, visando melhorar as
condições de investimento do setor produtivo. Mas qual o sentido de o governo
subsidiar os banqueiros privados, para que estes disponham de mais recursos
para a concessão de empréstimos, tendo a estrutura de bancos públicos federais?
Este
dinheiro todo está sendo colocado no sistema financeiro sem nenhuma contrapartida
social. Por exemplo, os bancos estão demitindo fortemente há anos, trocando
trabalhadores por máquinas, apesar dos lucros exorbitantes. A injeção do
recurso poderia ter, no mínimo, como contrapartida, a estabilidade no emprego
para os bancários. Os banqueiros, vale observar, representam neste momento o
segmento mais capitalizado da burguesia: o lucro líquido dos 4 maiores bancos
do Brasil com ações na Bolsa (Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander)
cresceu 18% em 2019, na comparação com o ano anterior. Os ganhos acumulados
chegaram a R$ 81,5, maior lucro consolidado nominal já registrado pelos grandes
bancos na história do Brasil.
Esta seria
de a hora de:
1. Combater imediata e vigorosamente a fome, com
uma política de guerra para atender os brasileiros que já estão sem o que
comer;
2. Amparar de várias formas o pessoal pobre, os que
recebem o Bolsa Família, a grande massa de trabalhadores informais e os micros
empresários;
3. Injetar recursos no SUS para suportar a
sobrecarga que inevitavelmente virá com a chegada do pico da pandemia;
4. Usar as reservas internacionais, de 346 bilhões
de dólares, para atender as necessidades da população, garantindo por exemplo,
o máximo isolamento social da população, combinado com uma política de renda
mínima;
5.Aumentar o patamar da dívida pública para atender
as necessidades da crise, como estão fazendo governos no mundo todo.
O Brasil
tem condições técnicas e financeiras para realizar ações dessa envergadura.
Todas as medidas para enfrentar a pandemia e a crise econômica têm que ser coordenadas
pelo Estado. Como tem sido apontado por alguns especialistas, o Brasil, em
função da precária situação de vida de sua população, e em face das precárias condições
do setor de saúde, poderá se tornar o epicentro mundial de disseminação da
doença. A pandemia evidenciou para uma grande parcela da sociedade, como se faz
fundamental uma estrutura pública de saúde, que dê conta de atender adequadamente
a população, seja no dia a dia, seja em momentos críticos de crises sanitárias. Em relação às bobagens proferidas diuturnamente
por Bolsonaro devem ser tomadas todas as medidas cabíveis e possíveis. Mas não
devemos perder de vista que o central é o programa de guerra contra a
população, cuja natureza canibal, com o advento da pandemia, está ficando cada
vez mais nítida.
[1] As demissões estão ocorrendo em massa
nos EUA. Os pedidos iniciais de pedido-desemprego aumentaram para 3,28 milhões
na semana passada, contra 282 mil na semana anterior. Para se ter uma ideia, o
recorde anterior de pedidos em uma única semana, foi em outubro de 1982, com
695 mil, segundo o Departamento do Trabalho dos EUA.
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