*José
Álvaro de Lima Cardoso
Impressiona o nível da instabilidade nos mercados financeiros, de ações,
e cambiais, mundo afora. Estes mercados já vinham em ebulição nos últimos
meses, mas por estes dias está acontecendo um “estouro da bolha”, com bolsas
despencando no mundo todo, com quedas significativas nos EUA, Europa e Ásia,
Brasil. O Ibovespa caiu 10% ontem, sofrendo a segunda interrupção dos negócios apenas
nesta semana.
A tremenda instabilidade nos mercados é a manifestação da doença, uma espécie
de febre, que alerta para o estado da infecção. A doença mesmo, o fundamento de
toda a turbulência é a própria crise do capitalismo. A crise atual é uma das
mais, se não for a mais grave crise da história do sistema. Esta crise se caracteriza
por baixo crescimento, aumento dramático da desigualdade entre as classes
sociais, dominação do capital financeiro, endividamento das famílias, das empresas
e dos governos no mundo todo.
Na fase atual do capitalismo (a financeira), as chamadas operações
fictícias, especulativas, se tornam mais importantes que a própria produção
real de riqueza. Há um descolamento total entre a esfera real de produção de
riqueza, e a esfera financeira, do dinheiro. Isto significa que o volume de
dinheiro e de papeis circulando na economia mundial, é muito maior do que a
riqueza real existente. Há, portanto uma separação entre a produção de riqueza
e sua representação em dinheiro, o que é um imenso fator gerador de crises e de
instabilidades.
Segundo o Instituto Internacional de Finanças (IIF, na sigla em inglês),
a organização mundial do setor bancário, a taxa de endividamento em relação ao Produto
Interno Bruto (PIB) mundial chegou ao recorde de 322% no terceiro trimestre do
ano passado, e a dívida total a quase US$ 253 trilhões[1].
Para termos ideia do que significam estes números, o maior PIB do mundo, o
norte-americano, é de US$ 20,50 trilhões (2018).
Os mercados acionários desabam porque os investidores correm para
colocar seu dinheiro em investimentos mais seguros. Normalmente papeis da
dívida norte-americana. Numa conjuntura como essa, qualquer elemento mais grave
não previsto leva às turbulências. Mas o determinante no processo é a crise
capitalista caracterizada por baixo crescimento e financeirização, além do
risco de recessão global.
O Brasil talvez seja o país subdesenvolvido mais exposto às atuais turbulências
mundiais. A dureza com que a crise financeira
tem se manifestado no Brasil revela o quanto o país está vulnerável às crises
mundiais. No
ano passado, a saída líquida de dólares da economia brasileira (entradas menos
saídas) foi de US$ 44,77 bilhões, maior evasão de divisas do Brasil em toda a
série histórica, iniciada em 1982, até então. Neste ano, os especuladores
estrangeiros já retiraram até a semana passada do mercado de ações, R$ 34,9
bilhões. Por dia de pregão da bolsa, neste ano, são R$ 918 milhões a menos de
investimento estrangeiro, contra um ritmo de evasão, em 2019, de R$ 179,5
milhões. Para termos uma ideia do que essa saída significa, em 2008, que era
até então o ano de maior saída de estrangeiros em termos reais (ou seja,
corrigidos pela inflação), a retirada, em média por pregão, foi de R$ 180
milhões.
Os capitalistas estão
tirando dinheiro do Brasil não por causa das asneiras que falam Bolsonaro e sua
equipe. Eles estão saindo do país em velocidade inédita por conta da
instabilidade na economia mundial e em função dos fundamentos da economia
brasileira, que são os piores possíveis. Não são as sandices ditas por
Bolsonaro que fazem os capitais estrangeiros sair em nível recorde do país e
sim a instabilidade que uma política de guerra contra a população pode trazer. Tudo
indica que a crise que temos assistido ao nível mundial seja apenas o começo de
um processo que tende a ser cada vez mais dramático. Há uma propensão da crise
se desenvolver em forma de espiral, ou seja, realizar estragos cada vez mais
profundos e abrangentes.
A pandemia do coronavírus
está mostrando o prejuízo que pode significar, principalmente em tempos duros,
um governo ilegítimo, inepto e entreguista. No mundo a maioria dos países está tomando
medidas no sentido de enfrentar a doença com determinação (ampliação da saúde
pública, ajuda financeira às empresas atingidas, auxílio econômico a quem perde
o emprego), o governo brasileiro acelera medidas que não deram certo em nenhum
lugar do mundo, especialmente em tempos de colapso financeiro internacional.
Medidas que vão no sentido de retirar direitos, achatar salários de
funcionários públicos, acabar com programas sociais, desmontar o combate à fome
e à pobreza, precarizar as relações de trabalho, cortar o gasto social de uma forma
geral e entregar patrimônio público. Está uma maravilha para o 1% de super
ricos, mas não se sabe até quando o pais aguenta. Nos guiemos pelo realismo e aguardemos
tempos ainda mais difíceis.
*Economista 12.03.20
[1] Ver o artigo Coronavírus
eleva o risco de uma crise de crédito Endividamento atinge níveis recordes, num mundo de juro baixo. Por
John Plender , divulgado no Financial
Times, de Londres e reproduzido no valor de 06/03/2020
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