*José Álvaro de Lima Cardoso
O novo coronavírus (COVID-19) superou os 150
mil infectados em todo o mundo. É uma doença grave, bastante desconhecida, e
por enquanto sem vacina ou cura indicada. Além dos países inicialmente mais afetados
(China e Itália), Estados Unidos, Reino Unido, Colômbia, Rússia e vários
europeus intensificaram as medidas para atenuar o impacto da pandemia. Foram
fechadas várias fronteiras levando ao confinamento de milhões de pessoas. A doença
já matou mais de 5.700 pessoas em 137 países desde dezembro/19.
Poucos países estão preparados para um
problema dessa magnitude, na gravidade que vem apresentando. E os países nem
podem alegar que a falta de prevenção se deve à ausência de doenças, na medida
em que o mundo teve surtos recentes como o SARS-CoV (2002), gripe
aviária, H5N1 (2003), gripe suína, H1N1 (2009), MERS-Co (2012), Ebola (2013), Zyka (2015). Tais surtos estão
relacionados não apenas ao desenvolvimento da produção de alimentos agrícolas e
animais, baseados em técnicas intensivas, com elevada produtividade. Tais
métodos de produção, disseminados rapidamente para garantir a produção e os lucros,
muitas vezes sem o rigor e controle sanitário adequados, acabam disseminando as
doenças.
Chama a atenção a determinação com que a China está enfrentando o
problema. A cidade de Wuhan, principal foco, com 11 milhões de habitantes, está
desde o final de janeiro em uma quarentena absoluta, com serviços, comércio e
indústria completamente parados. Como era esperado a doença derrubou a produção
industrial na China: o valor agregado caiu 13,5% em janeiro e fevereiro,
segundo dados anunciados pelo Escritório Nacional de Estatística chinês nesta
segunda-feira (16). O grande surto da doença foi em Wuhan, mas a mobilização do
governo e da população evitou que a doença se espalhasse maciçamente para outras
cidades. Foi em Wuhan que o governo local construiu um novo hospital, com 1.000
leitos, em 10 dias. Pelas estimativas, a partir de 15 de fevereiro o número de
casos na China começou a diminuir, em função do trabalho forte, articulado e
concentrado do Estado. Temos o exemplo de outros países, como o Japão que fechou escolas por várias
semanas, da Itália e Espanha, que gradativamente ampliam a área de contenção da
epidemia, o que deve levar à controle da doença no futuro, ainda que não se saiba
quando exatamente.
São poucos os países no mundo que se prepararam, como a China, para enfrentar
uma doença como essa, apesar dos inúmeros casos de outras epidemias que
poderiam se transformar numa pandemia global. O fato da maioria dos países não
disporem de preparação para uma pandemia, com planos de emergência e estruturas
montadas para rápido acionamento - mesmos os países ricos – indica o que pode
ocorrer nos países pobres, de economia atrasada, nos quais os sistemas de saúde
são extremamente frágeis. Na maioria dos países a população não tem recursos
para saúde privada, os sistemas públicos de esgoto e saneamento são
insuficientes, uma parte expressiva da população passa fome, inclusive.
O fato de um país desenvolvido como a Itália ser, na Europa, o epicentro
da crise do coronavírus, é um aviso expresso para países subdesenvolvidos como
o Brasil, do que pode vir a acontecer.
A Itália é país
desenvolvido, com destaque em muitos segmentos da indústria do conhecimento, da
moda, dos serviços. O PIB italiano é próximo ao inglês e ao francês, sendo que o
país tem renda per capita próxima à da Alemanha. Se um país desenvolvido como a
Itália está passando por tantas dificuldades para controlar a pandemia, pode-se
concluir que a situação será muito mais difícil nos países subdesenvolvidos,
nos quais parcela da população passa fome, os sistemas de saneamento e higiene
são precários, não há recursos para investimento em saúde pública, e as vezes não
há nem mesmo o interesse.
É preciso dizer: o problema não é a Itália, e sim a Europa como um todo.
A Espanha, o país onde a pandemia mais cresce, juntamente com a Itália, já registrou
1.500 novos contágios (até 14.03), aproximando-se dos 6.000 infectados, e já apresentando
180 mortos. O governo espanhol decretou estado de alerta e abriu um conselho de
emergência com ministros. Em Madri, que concentra o maior número de afetados, foram
cancelados todos os eventos públicos e o fechamento do comércio, exceto os de
bens essenciais (alimentos, remédios, etc.).
Percebe-se que no mundo todo, com algumas exceções, os governos estão
aprendendo a lidar com a pandemia ao fazer o seu enfrentamento. Ou seja, em
geral não há planos prévios de emergência, e sim uma reação, à medida que os
problemas decorrentes da pandemia vão aparecendo. Neste sentido a China serve
de referência no combate à doença, para todos os países.
O surto de coronavírus ampliou o risco de uma grave crise na economia global,
que já estava no horizonte bem antes da pandemia. A previsão é de que no
primeiro trimestre do ano o crescimento será afetado em muitos países do mundo,
especialmente na China. Vimos o que ocorreu com o PIB chinês no primeiro
bimestre em função das restrições à circulação de produtos industriais e os serviços
de uma forma geral. Em boa parte dos aglomerados urbanos as pessoas estão
circulando o mínimo possível, o que afeta frontalmente a economia de uma forma
geral, como a movimentação em restaurantes, centros de compras, cinemas,
teatros, etc.
A taxa de crescimento do PIB chinês prevista
anteriormente, de 6% no ano, ficará muito difícil de ser alcançada. Isto deverá
afetar o crescimento mundial como um todo. Um crescimento da economia chinesa
entre 3% e 4% em 2020, como têm alertado os especialistas em economia global, significaria
na prática uma recessão para a China, em face do desempenho do seu PIB nas
últimas décadas.
Numa
hora como essa, políticas públicas adequadas, encaminhadas rapidamente, especialmente
nos campos fiscal e monetário, seriam fundamentais. Porém a margem de manobra para
tais políticas, na maioria dos países, é pequena. Além do mais o tempo de
tomadas das decisões políticas em cada país, é muito mais lento que o tempo de
disseminação do vírus. Como alerta o economista Nouriel Roubini, boa parte das
economias europeias já precisavam de políticas fiscais vigorosas, antes mesmo
da crise da coronavírus. A Itália, por exemplo, o país mais atingido
pelo surto na Europa, já estava quase em recessão antes do coronavírus. É o
caso também da Alemanha, considerado o motor da economia europeia, que cresceu
meros 0,6% em 2019, uma notável desaceleração em relação a 2017
(2,5%) e 2018 (1,5%).
O pior é que a maioria dos países não
poderá utilizar os juros para reativar suas economias, já que em boa parte dos
países aqueles já são muito baixos, frequentemente negativos. É o caso dos
juros europeus e do Japão, que já estão em território negativo. O
economista Roubini tem alertado que a crise atual é um choque de oferta que,
diferentemente da crise de 2008, não pode ser combatida com políticas monetárias
ou fiscais. É como diz o economista: se você não tem alimentos e água
garantidos, não tem políticas monetárias e fiscais que resolvam.
Há previsões que os preços das ações de
empresas globais tenham perdas entre 30 e 40% neste ano. O mercado acionário
brasileiro, que já vinha desde o começo do ano na corda bamba, vem apresentando
quedas do preço das ações neste mês de março, que não aconteciam há anos. Também
como sintoma da incerteza que predomina nos mercados especulativos o dólar vem
batendo sucessos recordes de valorização em relação ao real (está quase batendo
nos R$ 5,00). Por outro lado, há um verdadeiro dilúvio de capitais
internacionais que escapam do Brasil. A saída líquida de dólares da economia
brasileira no ano passado (entradas menos saídas) foi de US$ 44,77 bilhões, maior
evasão de divisas do Brasil em toda a série histórica, iniciada em 1982. Mas
somente neste ano já fugiram praticamente os valores observados em todo o ano
passado. Os grandes “investidores” têm grande sede de lucros e pernas longas.
Têm também informações privilegiadas, as quais nós, meros vendedores da força
de trabalho, não temos acesso. O recorde anterior de fuga de capitais tinha
sido registrado em 1999, quando o saldo cambial (diferença entre as entradas e
saídas de dólares) ficou negativo em US$ 16,18 bilhões.
O que acontece na China e na Europa,
indica o risco que corremos no Brasil em relação ao problema. Não dá para
imaginar que as consequências da doença no Brasil serão menos graves do que na
Europa. O ilegítimo e inepto governo brasileiro, que há uma semana dizia que a
pandemia era uma invenção da imprensa, está desmontando as estruturas de
atendimento nas áreas de saúde, saneamento e reduzindo todo o investimento
público ao mínimo.
A crise econômica mundial que se avizinha,
agora precipitada pelo coronavírus, como se previa, pegará o Brasil no contrapé.
A fragilidade externa do país aumentou muito a partir do golpe de 2016. Por
exemplo, o governo Bolsonaro está queimando as reservas internacionais deixada
pelo governo Dilma Roussef, na tentativa de deter o aumento do câmbio. Somente
em março o Banco Central já injetou US$ 15,245 bilhões em recursos novos no
mercado de câmbio, tentando conter a escalada do dólar. Mesmo assim, o real é a
moeda que mais se desvalorizou no mundo, neste ano. Um outro risco não
desprezível é a possibilidade da elevação da inflação, em função da pressão do câmbio.
A desvalorização do real ameaça contaminar os preços internos, via importações
de insumos e outros, e haver uma elevação significativa da inflação. Não se
sabe exatamente o que poderia acontecer se houvesse um aumento da inflação em
meio a uma estagnação econômica monstruosa como a atual.
A grave crise do coronavírus, cujos
desdobramentos no Brasil devem ser mais graves que na Europa, tornou evidente a
absoluta ausência de estratégia por parte do governo Bolsonaro. Portanto, é
bobagem esperar qualquer medida mais importante que venha de um governo que
nega o problema da pandemia e prega o aprofundamento das “reformas” neoliberais
como solução para os problemas atuais. Sem ilusões e acreditando na sua força, os
trabalhadores devem se organizar e lutar por medidas de retomada do
crescimento, de proteção à saúde da população, e de proteção ao emprego e à
renda.
*Economista.
16.03.20
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