*José Álvaro de Lima Cardoso
Na luta
pela valorização do Salário Mínimo os trabalhadores aprenderam, ao longo dos
anos, que não se consegue manter o seu poder de compra, exclusivamente através
da lei. A questão não é simplesmente fazer uma bela lei de salário mínimo e aguardar
que todos a cumpram comportadamente. A experiência mostra que se consegue manter
e melhorar o salário é pela mobilização política dos trabalhadores e pela
viabilidade material na economia. O Decreto Lei que instituiu o salário mínimo nacional
(DC 399) é de 30 de abril de 1938, ou seja, de 82 anos atrás. No entanto, da População
Economicamente Ativa de cerca de 100 milhões de brasileiros, pelo menos metade
está na economia informal, ou seja, eventualmente recebe menos do que um
salário mínimo. Não adiantou, portanto, ter votado uma lei, pura e simplesmente,
já que para uma parte da população o salário mínimo não tem efeito. A luta
continua até hoje para amplificar a abrangência da lei, sendo que neste momento
perdemos terreno, com o aumento substancial da informalidade.
De
uma forma geral, o mesmo acontece com os direitos. Não adianta conquistar,
apenas: tem que lutar para conservá-los. Como o sistema capitalista está em
crise há muitos anos, há um ataque constante aos direitos, o que funciona como mecanismo
de compensação das crises, por parte do Capital. Nas crises, o Capital ataca os
direitos; quando a economia cresce há uma política mais frouxa, de concessões e
de negociação de melhores salários. O que aconteceu no Brasil com o golpe de
2016 é a comprovação de que não existe direitos eternos. Quando muda a
correlação de forças, quem está no poder, tende a retirar os direitos sociais e
sindicais.
O salário mínimo é fundamental porque o
Brasil, como toda a América Latina, tem um povo muito pobre. Segundo a Síntese
de Indicadores Sociais, do IBGE, em 2018 o país tinha 13,5 milhões de pessoas
com renda mensal per capita inferior a R$ 145, ou U$S 1,9 por dia, critério
adotado pelo Banco Mundial para identificar a condição de extrema pobreza. Esse
número de pobres extremos no Brasil é equivalente à população da Bolívia, ou de
Cuba, ou Grécia ou Portugal. Em 2018 significava,
esse número, 6,5% da população. Segundo o estudo do IBGE (Síntese de
indicadores sociais), em 2018 um quarto da população brasileira, ou 52,5
milhões de pessoas, ainda vivia com menos de R$ 420 per capita por mês.
A
situação está pior agora, não resta dúvidas, em relação à 2018. Considerando
que a renda per capita do país é de R$ 34.532,60 (R$ 2.877,72 ao mês) pode-se
concluir o quanto a renda é concentrada no país. Mesmo que se tire um quarto
desse valor para investimentos, pode-se concluir a margem de melhoria da renda
que tem o Brasil.
A chave principal do combate à pobreza no
Brasil está no mercado de trabalho: além da taxa dramática de desemprego e
subemprego, os salários são muito baixos. O salário mínimo necessário calculado
pelo DIEESE, foi de R$ 5.005,91 em outubro, o que corresponde a 4,79 vezes o mínimo
vigente, de R$ 1.045,00.
Este é o mínimo necessário para uma família de 4 pessoas (dois adultos e duas
crianças) suprirem suas necessidades alimentares mensais.
No período 2004/2014, a economia cresceu e
distribuiu renda entre assalariados, fato inédito nos últimos 50 anos, até
então. E foi com base principalmente no crescimento da massa salarial, através
do aumento dos empregos e dos salários. Os ganhos reais do salário mínimo foram
grandemente responsáveis por esse desempenho do perfil da renda no Brasil.
O valor médio do rendimento do trabalho no
Brasil, de R$ 2.330,00 em 2019, mostra porque uma das primeiras ações dos
golpistas de 2016 foi acabar com a políticas de ganhos reais do salário mínimo.
Os rendimentos do trabalho são muito baixos no Brasil. Não pode ter salário
mínimo alto, pois ele denuncia os níveis desses rendimentos. Por isso ele tem
que ser baixo. No debate que houve no início dos anos 2000, para implantação da
política de valorização do salário mínimo, os empresários diziam que não podiam
aumentar o valor do salário mínimo porque isso iria causar inflação. Precisou
ter, entre 2003 a 2015, ganhos reais do salário mínimo acima de 74% para o
pessoal se convencer que não havia uma relação direta e necessária entre aumento
de salários e elevação da inflação.
O momento em que vivemos, inclusive,
demostra a falácia daquele argumento. Assistimos um empobrecimento violento da
população com achatamento de salários, não negociação da inflação nas datas
base, desemprego em massa, etc. No entanto, a inflação vem aumentando,
especialmente a inflação de alimentos, que impacta mais o assalariado. Ou seja,
a afirmação de que aumentos salariais necessariamente leva ao aumento da
inflação, é pura ideologia.
Vamos lembrar que quando vigorava a
escravidão no Brasil essa não só era tida como natural pela maioria da
população, como também não faltava quem se ocupava em listar argumentos
defendendo as “vantagens” do sistema escravocrata. Alguns autores iam mais
longe e “provavam” que o fim da escravidão no Brasil encaminharia a economia
brasileira para o colapso. Por analogia, pode-se comparar o fenômeno da
escravidão com os baixos salários de hoje.
A naturalização da exploração do
trabalhador no Brasil é tão grande, que uma parte dos dirigentes partidários,
mesmo nas agremiações de esquerda, está defendendo os R$ 600,00 como uma “renda
mínima” de dignidade para o trabalhador desempregado ou subempregado. Mas, será
que esse valor (que agora foi reduzido por Bolsonaro para R$ 300,00) pode mesmo
dar dignidade para um trabalhador açoitado pelas necessidades humanas?
Há muitos anos o movimento sindical
brasileiro tem uma referência de salário mínimo “necessário” para o trabalhador
e sua família suprirem suas necessidades básicas, calculado pelo DIEESE (conforme
mencionado, de R$ 5.005,91
em outubro). Rebaixar as reivindicações não resolverá as profundas derrotas
recentes da classe trabalhadora brasileira. Temos que intensificar - em muito -
as lutas.
*Economista 05.11.20.
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