*José Álvaro de Lima Cardoso
Os trabalhadores catarinenses, através de suas centrais, e com a
coordenação política e técnica do DIEESE, iniciaram nesta semana mais uma
campanha pela correção monetária dos pisos salariais catarinenses. A negociação
dos pisos, pela abrangência e capilaridade que tem, acaba se tornando uma
referência para as demais negociações no Estado. Quando os pisos foram
implantados, em janeiro de 2010, ao longo daquele ano, a nossa estimativa foi a
de que eles impactaram, direta ou indiretamente, a renda de 1 milhão de
trabalhadores. Se hoje a população catarinense está em torno de 7,2 milhões, dá
para imaginar o significado que teve o referido impacto há 11 anos atrás.
Existem pisos estaduais somente em cinco
estados da federação (os 3 do Sul, RJ e SP). No entanto, possivelmente só em
Santa Catarina há, todo ano, um sistemático processo de negociação, com várias
rodadas, argumentos de ambos os lados, e um razoável envolvimento dos
trabalhadores. Na saga para a implantação
dos pisos (que já tem 14 anos, começou em 2006), os patrões se posicionaram
completamente contra, fazendo de tudo para os trabalhadores não terem êxito. Em
2009, inclusive, a Confederação Nacional do Comércio entrou com uma ADIN (Ação
Direta de Inconstitucionalidade) na Justiça contra a lei que implantou os
pisos. O Supremo Tribunal Federal, indeferiu o pedido do patronal e considerou
constitucional a lei de Santa Catarina. Vale observar que o empresariado até hoje
resiste contra o Salário Mínimo, que começou a ser pago em 1940. Por que não
seria contra os pisos estaduais?
A luta dos pisos é muito mobilizadora
porque atua no cerne do problema da distribuição da riqueza produzida. É muito
mais fácil um conservador apoiar algo genérico como “liberdade” ou “democracia”,
do que uma luta concreta para melhorar a renda e a vida da maioria da população.
A implantação dos pisos, e sua atualização todo ano, disputa diretamente uma
maior fatia do bolo de riqueza produzida, daí o esperneio do empresariado, até
hoje.
Os empresários alegavam no início (fazem até
hoje) que a lei dos pisos tem pouca importância, porque a maioria dos salários em
Santa Catarina está “bem acima” dos pisos. Portanto, o reajuste nos pisos pouca
influência teria sobre o conjunto da massa salarial em Santa Catarina. Esta
hipótese desmascaramos na prática, com um argumento muito elementar: “já que os
salários catarinenses estão “bem acima” do valor dos pisos, não há, então,
problema em implantá-los, visto que não influenciarão a política salarial praticada
nas empresas”.
Os dados práticos também desmontaram
aquela hipótese empresarial. No ano em que os pisos foram implantados (2010) houve
categorias que tiveram até 40% de aumento nos seus pisos. Sabemos que um
aumento no piso desloca a escala salarial para cima porque o trabalhador, cuja
remuneração está logo acima do piso, irá desejar aumentar o seu salário também.
O mesmo fenômeno ocorre quando o salário mínimo tem aumentos reais.
A luta dos pisos também nos mostrou na
prática, em batalhas muito concretas e diretas, a serviço de quem o Estado capitalista está. Por exemplo, o governo do Estado, a quem cabia a
atribuição de encaminhar o projeto à Assembleia Legislativa, apenas enrolava os
trabalhadores, adiando permanentemente o envio do projeto. Em função disso, em
2009 organizamos uma campanha de coleta de assinaturas em todo o estado, visando
obter o 1% necessário a um Projeto de Emenda Popular. O movimento sindical foi
extremamente exitoso na empreitada, obtendo mais do que as 50.000 assinaturas mínimas
necessárias, o que viabilizava o projeto de Emenda Popular, via ALESC. Às vésperas
de entregarmos oficialmente as cinquentas e tantas mil assinaturas coletadas, na
Assembleia Legislativa, o governador, pressionado, encaminhou o projeto de lei.
Uma campanha salarial representativa é
sempre um rico processo de aprendizado. Com a luta pela implantação dos pisos, aprendemos
na prática o que já sabíamos em teoria: no Brasil, assim como em toda a América
Latina, o povo é muito pobre. A chave
principal da pobreza (e do seu enfrentamento) no Brasil está no mercado de
trabalho: além da taxa dramática de desemprego e subemprego, os salários são
muito baixos. Como o Brasil tem muita desigualdade regional, Santa Catarina tem
uma situação melhor do que a média. É o estado, por exemplo, que tem a menor
taxa de pobreza da federação. Mas os salários são tão baixos quantos os do
restante do Brasil, com pequenas diferenças.
Se a negociação
dos pisos foi importante há 10 anos, com o golpe de 2016, e a consequente
destruição de direitos, hoje ela é ainda mais fundamental. Os pisos catarinenses,
nos primeiros anos de existência, surfaram na política automática de reposição
do salário mínimo. Como o salário mínimo aumentava conforme a variação do PIB
(e a economia estava crescendo), e os pisos estaduais deveriam manter uma
distância do salário mínimo (até para ter razão para existirem), os pisos
catarinenses andavam no vácuo do salário mínimo e sempre tinham ganhos reais
também. Mas isso acabou. Bolsonaro liquidou a política de reajuste automático
do salário mínimo, obtida pelas centrais sindicais em negociação com o
presidente Lula em 2006.
O que já perdemos de direitos neste
período de vigência dos pisos, significa uma verdadeira tragédia. Não é figura
de linguagem dizer que o golpe de 2016 veio para colocar os direitos sociais e
sindicais no século 19. Não se trata de uma metáfora, eles estão liquidando os
direitos, em escala industrial. Neste contexto, as dificuldades na campanha
salarial dos pisos irão aumentar, o que exigirá inteligência estratégica e uma
ação dos trabalhadores desenvolvida com força de vontade e “sangue nos olhos”.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina 12.11.20
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