*José Álvaro de Lima Cardoso
Um processo de campanha
salarial, especialmente quando amplo e abrangente, é sempre um aprendizado
coletivo, da parte dos trabalhadores. Quando as centrais sindicais e o DIEESE, em
2006, resolveram travar a luta pelos pisos estaduais em Santa Catarina, os
empresários afirmavam que o estado não podia ter piso porque sua existência iria
causar inflação e desemprego. Os representantes dos empresários bradavam para
“provar” a relação inevitável entre aumento de salários e inflação e desemprego.
Os grandes meios de comunicação repercutiam amplamente a visão dos empresários
e quase não nos davam voz.
Uma das lições essenciais
daquela campanha foi a importância dos trabalhadores aprenderem a pensar e
formular estratégias através das próprias ferramentas de reflexão. Ou seja, é
fundamental termos pensamento político e econômico independentes. Se os
trabalhadores catarinenses não tivessem os seus próprios formuladores de
hipóteses e teorias, e dependessem das formulações dos empresários, jamais
empreenderiam uma luta fundamental como a dos pisos. Os trabalhadores iriam acreditar
que aumento salarial é inflacionário, que os pisos iriam gerar desemprego, e
assim por diante. Assim como no caso do Salário Mínimo Nacional, precisou ter,
entre 2010 a 2020, correção regular dos pisos para o pessoal se convencer que
não havia uma relação direta e necessária entre aumento de salários e elevação
da inflação.
Os que eram contra a adoção
dos pisos no estado diziam, durante toda a campanha, que a sua implantação iria
levar a demissões, o que faria a taxa de desemprego escalar. Como a história é
uma professora irônica, a implantação dos pisos coincidiu com um período no
qual o Brasil atingiu a menor taxa de desemprego já observada: em dezembro de
2014, quatro anos após a implantação dos pisos, o Brasil chegou a uma taxa de desemprego
de 4,3%, a menor da história. Santa Catarina, por sua vez, em dezembro de 2014 tinha
taxa de desemprego de 2,8%, o que pode ser considerado “pleno emprego”. Com uma
taxa dessas, todos que quisessem trabalhar encontravam colocação no mercado de
trabalho.
A suposta relação necessária
entre aumento salarial e inflação, também alegada pelo empresariado para não
implantar os pisos, é desmentida pelo próprio quadro atual. Estamos tendo agora
um empobrecimento dramático da população com o achatamento dos salários, não
negociação da inflação nas datas base, desemprego em massa, etc. No entanto, a
inflação vem aumentando nos últimos meses, especialmente a inflação de
alimentos, que é uma inflação do assalariado, e o desemprego bateu todos os
recordes. Ora, se aumento de salários provoca inflação, a sua redução deveria
ser um fator importante de contenção dos preços. Inflação é fenômeno com muitas
causas. Eventualmente até pode ser causada pelo excesso de poder aquisitivo da
população. Mas o Brasil está longe disso.
O que certamente atrapalha as empresas catarinenses é a política
entreguista e antipopular de Bolsonaro/Guedes, a serviço do sistema financeiro
internacional. Mas não um aumento de 10% ou 15% nos salários para comprar
feijão, arroz, batata e leite. Até porque na indústria, segundo a Pesquisa
Industrial Anual do IBGE, o peso dos gastos de pessoal no custo total
industrial está em torno dos 13%, incluindo salários e encargos sociais. É o
custo do trabalho. Os problemas das indústrias, assim como das empresas em
geral, estão muito mais localizados nos demais custos, como matéria-prima,
câmbio, taxa de juros, política industrial, etc.
Toda a política antinacional e de entrega
do patrimônio, praticada por Bolsonaro, abertamente contra os interesses do
Brasil, é muito mais prejudicial ao empresariado catarinense e brasileiro em
geral, do que qualquer aumento moderado de salários, que só iria beneficiar o
mercado consumidor interno. A campanha
dos pisos salariais de 2020/2021 está buscando aumentar o custo da força de trabalho
(no custo total industrial) em 1,3% ou 2%, exatamente na parte do custo
empresarial que produz valor novo. Máquinas e equipamentos não produzem valor,
apenas o transferem. Estamos querendo proporcionar cerca de R$ 100 ou R$ 120,00
mensais, para quem produz toda a riqueza do País e do estado.
Os trabalhadores são fundamentais tanto na
produção quanto no consumo dos bens produzidos. Quem vive do seu trabalho
alcança a cifra no Brasil, por baixo, de 95% da população. Por que o País está
há seis anos ou em recessão ou estagnado? Porque, dentre outras coisas, o
mercado consumidor está sendo destruído pelo golpe de Estado de 2016. Destruição
de direitos e de salários nunca levou a crescimento econômico em país nenhum.
Pelo contrário. Se o mercado consumidor interno é destruído, aumenta a
dependência do país de mercados externos. Que neste momento de crise mundial
estão sendo disputados à bala no mundo todo.
Como observado, a inflação de
alimentos está em um patamar muito superior à média inflacionária. Inflação é
um mecanismo de transferência rápida de renda dos mais pobres para os mais
ricos, que assim enriquecem ainda mais com a fome e a piora de vida da
população mais pobre. Especialmente quando se trata de inflação de alimentos. É
um mecanismo extraordinário (no sentido de adicional) de exploração dos
trabalhadores, que, em condições normais, mesmo que a inflação seja zero, já são
explorados. Essa é uma razão a mais para haver o reajuste dos pisos salariais
na atual campanha.
*Economista 17.11.20.
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