*José Álvaro de Lima Cardoso
As
negociações coletivas no Brasil se desenvolvem em meio à uma brutal crise
política, econômica e social. A negociação coletiva, tarefa mais importante dos
sindicatos, nunca foi fácil. Porém, na conjuntura pós-golpe de 2016 se tornou
um grande desafio. Um dos efeitos desse processo é a não reposição das perdas
salariais numa parte das negociações: segundo o DIEESE isso ocorre em quase 30%
das mesas. Como é sabido, para a maioria das negociações o reajuste salarial é
a cláusula mais relevante, em decorrência da pobreza e limitações das
negociações no país. Claro, com exceções. Os patrões estão, inclusive,
aproveitando a crise para retirar os poucos direitos presentes nos acordos e
convenções coletivas. Estão utilizando o momento para “depenar” os acordos.
Tendo data-base em maio, o
Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Brusque assinou uma convenção
coletiva que prevê que a correção salarial que deveria ter ocorrido na
data-base, incida apenas em janeiro de 2021. A convenção prevê um reajuste de
3% (para um INPC-IBGE acumulado de 2,46%), porém sem retroatividade a maio de
2020, e sem qualquer outro mecanismo de compensação das perdas no período. Acontece
que, a partir de junho, julho, mais ou menos, a produção industrial e o emprego
em geral em Brusque, começou a reagir. Os dirigentes sindicais, vendo e ouvindo
as informações na imprensa, ao invés de ficar de braços cruzados, resolveram
fazer uma campanha extraordinária.
Ao que se sabe essa campanha
é única aqui no estado, pelo menos com essas características. Possivelmente,
também, ao nível nacional campanhas deste tipo sejam poucas e localizadas. Esse
tipo de iniciativa serve de exemplo para as demais entidades, que assim
percebem que é possível inovar na campanha salarial, pensar a partir dos
elementos novos que surgem ao longo do processo. Negociação coletiva é sempre
um espaço de aprendizado e reflexão. Essa iniciativa dos metalúrgicos, nos ensina
que não há necessidade de esperar a data-base para negociar. Se surgirem
fatores novos e importantes, que requeiram a iniciativa do sindicato, qualquer
hora é hora de defender os interesses da classe.
A negociação dos metalúrgicos
de Brusque interfere na vida de 5.000 famílias em Brusque e Região, que direta
ou indiretamente dependem da renda gerada por aqueles postos de trabalho. Se
pensarmos em um número médio de 4 componentes por família, significam 20.000 pessoas
- cerca de 15% da população de Brusque - que são impactadas por aquela
convenção coletiva de trabalho. A convenção, do jeito que foi assinada,
significa perda salarial equivalente a 3% dos salários, nos meses de maio,
junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro. Considerados os 8
meses, mais o 13º salário, significa uma perda salarial de 27%, mais de um
quarto dos salários. Se os metalúrgicos não se mexerem esta perda nunca será
reposta. A discussão em maio de 2021 será apenas a inflação acumulada entre
maio/20 e abril/21. A perda decorrente da não reposição no mês de data-base,
não será reposta.
O
reajuste salarial não deveria nem ter sido objeto de discussão na mesa em maio.
As perdas ocorreram antes da pandemia, portanto, não deveriam nem ser
discutidas, apenas repostas. Se não houver correção monetária nos salários, o
trabalhador vai perdendo poder aquisitivo a cada negociação. A reposição de
perdas deveria ser um pressuposto dessa mesa de negociação. Especialmente com a
inflação geral nos patamares baixos em que está, elemento que facilita o
reajuste. Quando a pandemia explodiu no mundo, os metalúrgicos de Brusque já
tinham sofrido o grosso das perdas salariais no seu salário. Por outro lado,
quem pode tirar as empresas da crise é o consumo das famílias, das quais boa
parte abriga metalúrgicos entre seus membros.
O acordo foi assinado em
plena chegada da pandemia, num momento em que parecia que “o mundo iria acabar”
(na expressão do presidente do Sindicato, em fala recente). No segundo
trimestre do ano, em plena campanha salarial, a retração do PIB no Brasil foi de 9,7% em
comparação ao 1º trimestre de
2020. A indústria foi exatamente o setor que mais retraiu com queda de 12,3%
no período. Nos últimos meses, porém, a indústria no estado e em Brusque voltou
a produzir e fazer horas extras. A
pandemia provocou uma retração drástica da indústria no estado (como no país)
nos meses de março e abril, quando apareceram os primeiros casos de Covid-19 no
Brasil. Passados os piores meses, em março (-17,7%) e abril (-14,2%), a indústria
catarinense iniciou uma recuperação.
Vários segmentos metalúrgicos, não apenas
em Brusque, estão retomando num ritmo superior à média. Possivelmente porque,
em parte cortaram excessivamente no auge da crise, quando não se sabia
exatamente onde estava o “fundo do poço”. Além disso, com a maior queda da taxa
básica de juros da história (taxa Selic), houve um aquecimento no setor
imobiliário, o que acabou puxando parte do crescimento do setor metalúrgico. Em agosto todos os indicadores industriais (Faturamento, Horas
trabalhadas na produção, Emprego, Massa salarial, Rendimento e Utilização da
Capacidade Instalada) avançaram ao nível de Brasil. O Faturamento da indústria
e a Utilização da Capacidade Instalada, alcançaram patamares próximos ao nível
pré-pandemia. Nesse mês, houve também o primeiro resultado positivo do emprego
industrial em 2020: o emprego avançou 1,9% com relação a julho. Em agosto, o setor industrial nacional
apresentou alta em 12 dos 15 locais analisados pela Pesquisa Industrial Mensal
(PIM-Regional). Segundo a pesquisa do IBGE a produção industrial nacional
cresceu 3,2% em agosto, quarta alta seguida. Em Santa Catarina, em agosto, a
indústria cresceu 6,0%.
Alavancado principalmente pela indústria e
pela construção civil, o emprego no estado de Santa Catarina começou a reagir
em junho. Em setembro o estado obteve um saldo positivo de 24.827 vagas, o
melhor desempenho na região Sul e terceiro maior saldo acumulado do país. Em
Brusque, o emprego formal também vem reagindo desde o mês de junho. Em setembro
Brusque apresentou saldo positivo do emprego formal (1,1 mil), pelo terceiro
mês seguido. Pela primeira vez o saldo foi superior a mil postos de trabalho. Importante:
a indústria puxou o emprego em Brusque, com saldo de 822 empregos formais em
setembro. Pelo quarto mês seguido este setor lidera o crescimento do
emprego.
Possivelmente essa retomada da indústria,
ainda incipiente, esteja ligada, em parte, à desvalorização cambial, já que um
dólar mais caro inibe importações. A demanda, tanto da própria indústria,
quanto do comércio, acaba optando pelas alternativas internas, como a produção
industrial de Brusque. Ou seja, a desvalorização do real, ao tornar as
importações mais caras, tornou o produto industrial de SC e Brusque mais
competitivos. Para a competividade da indústria são muito mais importantes a
política cambial, a política monetária, a política industrial. Não será 3% de
reajuste no custo da força de trabalho (ajuste que já está atrasado), que irá
inviabilizar a indústria.
O custo do trabalho sobre o custo total da
indústria é de apenas 13%. Está se falando de 3% sobre 13%, que é igual a 0,39%
de aumento do custo industrial. Com o detalhe de que o único fator que geral
valor novo no processo produtivo é o trabalho, o restante dos fatores apenas
transfere valor para as mercadorias produzidas. Além do fato de que o aumento
do poder aquisitivo dos trabalhadores é fundamental para a vendas das
mercadorias produzidas em Brusque, tanto do setor metalúrgico quanto dos
demais. Portanto, todo o apoio aos trabalhadores metalúrgicos de Brusque, que
nos indicam um caminho a ser trilhado!
*Economista, 09.11.20.
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