*José Álvaro de Lima Cardoso
No
Brasil, devido ao imenso potencial hidroelétrico, o maior custo na composição das
tarifas de energia está justamente nos investimentos e juros de implantação das
estruturas. Estudos da própria Aneel (Agência Nacional do Setor Elétrico) dão
conta de que, tirando os custos de investimento da tarifa, o preço real
(operação e manutenção) da energia produzida fica em R$ 9,50 (nove reais e
cinquenta centavos) por 1.000 KWh (Quilowatt-hora). Extremamente barato para os
padrões internacionais. Não por acaso as grandes aves de rapina estão de olho
nesse patrimônio do povo brasileiro em setor tão estratégico do desenvolvimento
e da soberania nacional. Neste novo ciclo de privatização do setor, que Paulo
Guedes pretende promover, as empresas que abocanharem as estatais do setor não
precisarão construir nada. Pegarão prontas as usinas e ainda elevarão as tarifas.
Há um
princípio fundamental dos processos de privatização, que aprendemos no governo
de Fernando Henrique Cardoso: as multinacionais só querem o filé. A carne de
pescoço fica para o povo e para o Estado nacional. Observem os lucros líquidos
recentes da Eletrobrás:
2018: R$ 13,348 bilhões
2019: R$ 10,7 bilhões
2020: R$ 307 milhões (1º Trimestre, quando “acabou o
mundo”)
2020: R$ 4,597 bilhões (2º trimestre)
O que
justifica privatizar um sistema que injeta lucro líquido na veia do Tesouro e
das estatais, a não ser a mais grossa privataria? As empresas que comprarem a Eletrobrás não precisarão
construir nada, já pegarão tudo pronto. Também não contratarão ninguém, aliás
provavelmente irão demitir. Pegarão o patrimônio completamente enxuto e com
investimentos feitos anteriormente, como sempre ocorreu nas privatizações no
Brasil. A Eletrobrás, possui entre suas 47 hidrelétricas as melhores produtoras
de energia do país, são verdadeiras joias que estarão sendo doadas ao capital
privado, possivelmente internacional. A Empresa controla 31% do setor elétrico
brasileiro e possui 71.000 Km de linhas de transmissão de energia, o que
corresponde à praticamente a metade da extensão dessa rede em nosso país. Atua
nos segmentos de geração e transmissão, mas não tem distribuidoras. Tudo o que
produz é para ser vendido a quem vai colocar a energia dentro das casas das
pessoas e cobrar por esse serviço. E estão trabalhando para entregar a empresa
de bandeja ao capital internacional.
A
promessa com a privatização do setor (assim como acontece com as privatizações
em geral) é que o Estado diminuiria a dívida pública e ainda investiria mais em
educação, saúde e segurança. Mas quem acredita que os fascistas que estão no
poder irão investir em educação e saúde, se são fruto de um golpe de Estado que
veio justamente para impedir gastos nessas áreas? Segundo estudo da FGV, após o
golpe de 2016, houve mais de 15 operações de fusões no setor elétrico, que
somaram quase R$ 86,2 bilhões em valor de empresa. Desse total, R$ 80,5 bilhões
(mais de 93%) representaram aquisições em que os compradores eram empresas
estrangeiras. Este dado mostra a relação direta entre privatização e
desnacionalização.
Os dados
técnicos mostrando o quão lesivos esses processos de privatização são para o
Brasil, são abundantes e estão à disposição de quem queira conhece-los. Mas a
questão não é de falta de conhecimento e sim de correlação de forças. Ter uma
estrutura totalmente dominada por grandes multinacionais, neste complexo
sistema de energia elétrica, significará uma tragédia para o Brasil. A Aneel, (agência
reguladora brasileira), para fiscalizar todo esse sistema continental, tem 300
funcionários. Só a Agência Reguladora do Setor Elétrico dos EUA tem 1.500 funcionários
e cada estado do país tem uma agência do setor elétrico.
O governo
vai realizar a privatização da Eletrobrás após uma série de investimentos
públicos no setor. Provavelmente, muitos dos investimentos que foram feitos em
estações e linhas vão aparecer depois da privatização como se fosse uma grande
obra do setor privado. Ao lado dos bancos, as empresas de energia foram as que
obtiveram mais lucros em anos anteriores. Por serem, em sua maioria,
estrangeiras, todo o lucro é remetido ao país de origem das empresas sem ser
reinvestido no Brasil. Nosso grande potencial hídrico cobra tarifas muito altas
para a população e remete todo esse lucro para fora do país.
Ao
contrário do que ocorre no Brasil, Estados Unidos, China e Canadá mantêm o
domínio do setor elétrico. Nos EUA, a maior parte é controlada publicamente pelo
governo federal, em grande parte inclusive pelo próprio exército americano. Lá,
o Corpo de Engenheiros do Exército é o maior operador de energia elétrica do
país, controlando as grandes barragens de John Day, The Dalles e Bonneville. Na
China, a estatal Three Gorges Corporation controla a maior hidrelétrica do
mundo, a Três Gargantas. No Canadá, o setor é controlado por companhias dos
governos provinciais, semelhantes aos governos estaduais brasileiros.
A Eletrobrás
tem 47 usinas hidrelétricas responsáveis por 52% de toda a água armazenada no
Brasil. 70% dessa água são utilizados na irrigação da agricultura. Imagine tudo
isso nas mãos de uma empresa privada que só se interessa pelo lucro. E
estrangeira ainda. Conforme nos alertam os especialistas, uma usina
hidrelétrica jamais deveria ser privada porque ela detém o controle das águas. Acumula
água para, nos períodos de seca, transformar a água represada em energia. Mas
cada gota utilizada na transformação da água em energia é uma gota a menos para
o abastecimento, daí a necessidade de controle público.
Não é por
acaso que a imprensa fica cobrando eficiência de Paulo Guedes nas privatizações:
elas são uma parte do programa dos golpistas que unificam a extrema direita e a
direita tradicional. Não vamos nos iludir, não vão parar, com a privatização do
setor elétrico. Desde o golpe de 2016 está claro que querem privatizar tudo,
inviabilizar a empresa nacional, acabar de destruir os direitos que restaram, liquidar
completamente com educação e saúde públicas, acabar com todo o tipo de
assistência pública.
*Economista. 26.11.20
Nenhum comentário:
Postar um comentário