*José
Álvaro de Lima Cardoso.
A
situação conjuntural brasileira é uma das mais complexas da história. O país sofreu um golpe de que
está mudando profundamente a relação do Estado com a sociedade. Em cerca de
dois anos destruíram a legislação trabalhista, restringiram a democracia,
aumentaram a pobreza e a fome, entregaram o pré-sal e rifaram a soberania
nacional. Com o golpe e a aplicação de
um ultra liberalismo completamente fora de moda, que nem o Fundo Monetário
Internacional (FMI) recomenda mais, é como se o Brasil tivesse sido invadido
por uma potência inimiga. O catálogo de maldades dos golpistas está sendo
encaminhado de forma muito veloz, justamente para evitar reação da sociedade. E
não nada que indique que, se não houver reação forte da sociedade, a destruição
não irá continuar. Inclusive porque precisam institucionalizar o golpe
em 2018, através das eleições, e completar o programa.
O
neoliberalismo radical que estão implantando surge numa quadra histórica em que
os brasileiros um pouco mais velhos já conhecem as políticas neoliberais, em
função principalmente dos dois governos Fernando Henrique Cardoso (FHC). Os
efeitos de tais políticas sobre a vida das pessoas já são conhecidos por uma
parcela expressiva dos brasileiros. Nas década de 1980 e 1990 havia ainda muita
gente iludida com tais políticas, falava-se inclusive em “neoliberalismo
social”. Hoje, ao contrário, uma parte dos trabalhadores e parte da população
em geral, sabem que tais políticas significam arrocho salarial, desemprego em
larga escala, e precarização do trabalho. Tem um outro aspecto também
importante: o governo FHC havia sido eleito com um programa neoliberal, mais ou
menos explicitado durante a campanha. Já o governo atual assumiu através de
golpe de Estado e empurra goela abaixo um programa que vem perdendo eleições há
décadas no Brasil.
O golpe,
que é comandado pelo imperialismo norte-americano, foi desferido visando
amainar para os países dominantes, os efeitos da crise econômica mundial, como
é de conhecimento de todo o mundo. A voracidade das multinacionais sobre as
riquezas brasileiras (petróleo, água, minerais em geral, terras férteis, estatais
estratégicas) não consegue ser disfarçada. Analisemos somente uma medida, a Medida
Provisória 795, mais conhecida como MP da Shell, aprovada no final de novembro,
que criou um regime especial de importação de bens a serem usados na
exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, gás natural e outros
hidrocarbonetos, com benefícios fiscais para multinacionais petroleiras. Só
essa medida irá representar, em 20 anos, perda de receita para o Brasil na casa
de R$ 1 trilhão e, já e 2018, uma perda de R$ 16,4 bilhões. Por mais ingênuo
que seja, alguém pode acreditar que uma medida desse tipo seja boa para o
Brasil e que tenha sido assinada de boa-fé?
Somente o acordo fechado recentemente pela Petrobras na justiça
norte-americana irá pagar US$ 2,95 bilhões pelos supostos prejuízos causados
aos especuladores dos EUA com os casos investigados pela Lava Jato. Para termos
ideia do vira-latismo que representa esse acordo, o seu valor é quase 7 vezes o
montante que a direção da Petrobrás disse que recuperou do dinheiro desviado
(R$ 1,4 bilhão). O detalhe é que a Petrobrás, que foi a empresa vitimada pela
corrupção de alguns de seus executivos, está pagando indenização bilionária e
antecipada aos especuladores norte-americanos. A lista de falcatruas tomaria várias
páginas: o banco Itaú, por exemplo, foi perdoado numa dívida de R$ 25 bilhões
em 2017 com a receita federal, para o que não há nenhuma justificativa a não
ser a colocação do Estado a serviço do capital. Este valor apropriado pelo
banco, praticamente equivale ao orçamento do Bolsa Família para este ano, que retira
do flagelo da fome quase 50 milhões de brasileiros.
Um dos
vetores das medidas encaminhadas é o enfraquecimento do Estado, em termos
econômicos e políticos, de todas as maneiras possíveis: privatizações de
setores estratégicos, destruição dos mecanismos de crédito, sucateamento da
educação pública, e assim por diante. O que estamos vendo, na realidade, é
especialmente o Estado que, com limitações, desempenha funções públicas na área
do crédito, da assistência social, da previdência, etc. Ao mesmo tempo o Estado
é colocado sem intermediações, e sem nenhum pudor, descaradamente à serviço do
capital privado, especialmente o capital financeiro, que coordena o golpe.
Se nós brasileiros não
conseguirmos reagir à altura da gravidade da situação, implantarão todo o seu
programa, promovendo a maior expansão da miséria, já assistida no país. O
golpe, de impactos muitos perigosos, foi desferido por várias razões, mas
essencialmente para atender as dramáticas necessidades do império
norte-americano, que vive uma crise sem precedentes. Esse fato conduz a muitas
dúvidas e uma certeza: não há saídas fáceis ou de curto prazo, qualquer leitura
realista do cenário mostra que a resistência será longa e difícil.
*Economista.
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