Trabalhadores da saúde: condições de vida, de trabalho, e outros percalços
*José Álvaro de Lima Cardoso
Em meio
ao horror que tem sido o processo de enfrentamento da pandemia no Brasil, provavelmente
o pior caso do mundo, duas constatações se tornaram bastante evidentes:
a) importância de preservar e melhorar permanentemente
o sistema público de saúde;
b) a relevância dos profissionais da saúde e, ao
mesmo tempo, suas péssimas condições de salários e trabalho.
O DIEESE
publicou recentemente um Boletim (“Emprego em pauta”, nº 19), tratando da
inserção ocupacional dos trabalhadores da Saúde, de cujos dados,
fundamentalmente, me valerei neste artigo. A análise dos salários, e das
condições de trabalho, de qualquer categoria deve considerar, inicialmente, que
a taxa de exploração no Brasil é muito elevada, os salários em geral são muito
baixos. Além disso, regra geral, as condições de trabalho são muito precárias. A
afirmação anterior se comprova pelos rendimentos médios. O
rendimento médio real habitual dos trabalhadores (considerando a soma
de todos os trabalhos) foi estimado em R$ 2.482,00 no quarto trimestre de 2020,
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua),
do IBGE. Este valor deveria custear comida, aluguel, transporte, luz, água,
etc.
O fato é
que, mesmo que este valor fosse o dobro, a conta não fecharia. Prova disso é
que o salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE é R$ 5.330,69, o
equivalente a 4,85 vezes o mínimo vigente, de R$ 1.100. Com os níveis
salariais do Brasil, mesmo com inflação zero, o trabalhador tem a sensação de
que ela é muito alta. É que o custo de vida é muito alto para os salários
vigentes, mesmo que ele não esteja aumentando (ou seja, mesmo que a inflação
fosse zero).
Somente
podemos entender a realidade destes trabalhadores se for na comparação com a
classe trabalhadora brasileira em geral. As precárias condições de trabalho do
trabalhador da saúde, têm especificidades, mas se insere dentro de um quadro
geral de condições precárias dos trabalhadores brasileiros. O Brasil tem uma
economia subdesenvolvida, de capitalismo atrasado e semicolonial e que recentemente
sofreu um golpe de Estado, perpetrado pelo imperialismo, que, dentre outras
coisas, levou os trabalhadores brasileiros a um processo acelerado de
empobrecimento.
Os trabalhadores da saúde lutam há anos pela
instituição de um piso salarial nacional para enfermeiros, técnicos e
auxiliares de enfermagem e parteiras. O projeto (PL 2564/2020) fixa o piso em
R$ 7.315 para enfermeiros. As demais categorias teriam o piso proporcional a
esse valor: 70% (R$ 5.120) para os técnicos de enfermagem e 50% (R$ 3.657) para
os auxiliares de enfermagem e as parteiras. Estes valores correspondem à uma
jornada semanal de 30 horas.
Vale
considerar que o momento é o mais difícil possível para as lutas dos
trabalhadores, principalmente as corporativas. A essência das medidas que
vieram após o impeachment caminha justamente no sentido contrário às
reivindicações dos trabalhadores. Centenas (possivelmente mais de mil) medidas,
objetivando: 1.destruir direitos; 2.tirar renda dos trabalhadores; 3.liquidar o
pouco de soberania que o Brasil possuía 4. Saquear o Brasil. A luta dos
trabalhadores da Saúde pela obtenção do piso contradiz todos estes eixos do
golpe de 2016.
Exemplo
de medida que afeta diretamente a luta dos trabalhadores da saúde: governo
Bolsonaro acabou com a política de ganhos reais do salário mínimo, medida que afeta
toda a economia. O salário mínimo é referência de toda a economia, inclusive
para o setor público, especialmente prefeituras. O salário mínimo é um indicador
que influencia a distribuição de renda como um todo, exercendo o papel de
alicerce salarial da economia, inclusive para a economia informal.
Os
profissionais da saúde enfrentam uma dura realidade em termos de condições de
trabalho. Muitos dormem nos corredores dos hospitais, porque as empresas não
disponibilizam instalações adequadas. Apesar de trabalharem numa área
fundamental e extremamente estressante, não dispõem de aposentadoria especial,
como outras categorias. São profissionais que não dispõem, às vezes, das condições
mínimas, como a disponibilidade de equipamentos de proteção individual (EPI). No
ano passado, quando iniciou a pandemia, os trabalhadores de algumas unidades de
saúde tiveram que fazer paralisações exigindo EPIs. E o equipamento, em alguns
casos, eram simples máscaras para proteção contra o vírus, que os hospitais
simplesmente não queriam adquirir, por contenção de custos.
O ministério da saúde estima que haja no país
6.649.307 trabalhadores da saúde, numa força de trabalho (PEA), de cerca de 80
milhões. É um percentual muito expressivo, acima de 8%. As atividades de
atenção à saúde humana, de modo geral, demandam trabalhadores com perfil mais
escolarizado do que a totalidade das atividades desenvolvidas no Brasil. Segundo
a PNAD Contínua, do IBGE, 49,1% dos trabalhadores nesse segmento possuíam
ensino superior completo. Para termos uma ideia da importância desse fato, no
conjunto das atividades econômicas esse percentual é praticamente a metade: 24,5%
As mulheres representam 43,5% da população
ocupada total no país. Porém nas atividades de atenção à saúde humana representam
74,4%. Entre os profissionais de nível médio de enfermagem elas são 83,8%;
entre os profissionais de enfermagem são 86,3%. Entre os médicos, as mulheres
representam 49,2%. O fato de ¾ da categoria ser formado por mulheres agrava o
problema da inserção da categoria no mercado de trabalho, já que a opressão de
classe se soma à discriminação das mulheres no mercado de trabalho.
Os negros
são maioria na população ocupada, representando 52,8%. Entretanto, nas
atividades de atenção à saúde humana, estão em menor proporção: 44,6%. Eles são
maioria entre os profissionais de nível médio de enfermagem: 54,9% dos ocupados.
Entre os profissionais de enfermagem, representam 38,5%, e entre os médicos, apenas
15,7%. Os negros são 52,8% da população ocupada, mas apenas 15,7% dos médicos. São
números sintetizam, com riqueza, a questão racial na sociedade brasileira. Quem
não lembra, em 2013, da jornalista brasileira falando que as médicas cubanas,
recém chegadas ao Brasil pareciam “empregadas domésticas”?
A
observação dos rendimentos dos trabalhadores na saúde mostra o drama dos
salários no Brasil e na categoria. O rendimento médio de todas as pesquisadas
na Pnad Contínua, do IBGE, era de R$ 2.482,00 no final de 2020. As Atividades
de Atenção à Saúde Humana em Geral tinham um rendimento de R$ 4.034,00. Entre
os Profissionais de Nível Médio de Enfermagem, o rendimento médio era de R$ 2.420,00,
os Profissionais de Enfermagem apresentaram rendimento de R$ 4.520,00 e o Médicos,
R$ 14.451,00. Vale observar que, com exceção dos médicos, todos estes
profissionais recebem menos que o salário mínimo necessário calculado pelo
DIEESE, já citado, de R$ 5.330,69.
Segundo
dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) a América Latina tem o maior número
de profissionais de saúde infectados pela pandemia no mundo. O caso brasileiro
foi agravado pelo fato do país estar com um governo genocida, cuja irresponsabilidade,
crueldade, e incompetência ilimitada, levou um número de infectados e mortos
muito acima do que poderia ser, se o governo tivesse conduzido o processo com
um mínimo de respeito e humanidade. No Brasil, segundo levantamento que reúne
dados dos cartórios brasileiros, 5.798 trabalhadores e trabalhadoras do setor
perderam a vida desde março do ano passado no Brasil, até março deste ano. Se a
tendência de crescimento for mantida, até o fim do ano falecerão quase 8 mil desses
profissionais.
*Economista 28.06.21
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