sexta-feira, 11 de junho de 2021

Quais as razões para privatizar um porto que apresenta os melhores indicadores?

 

                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso

Os estudos para a privatização do porto de Itajaí começaram publicamente em abril de 2020. Segundo consta, estes estudos, que são uma iniciativa do Ministério da Infraestrutura (MINFRA), estão em um estágio bem avançado. Vencida a fase de estudos do projeto este irá para análise no TCU (Tribunal de Contas da União), para elaboração de edital e o leilão para privatização. A Câmara de Vereadores de Itajaí criou no ano passado uma comissão parlamentar mista, composta por vereadores e representantes das instituições e entidades civis para acompanhar o processo.  

      O modelo de exploração portuária que vigora em Itajaí, Landlord Port (exploração compartilhada público-privada), é o mesmo que prevalece no planeta. Esse modelo possui uma Autoridade Portuária (pública, naturalmente), geralmente municipal ou estadual, que tem o papel de fiscalizar e regular a atividade. É o modelo que vigora nos portos da Europa (Rotterdam, Bélgica, Hamburgo etc.), nos EUA (Los Angeles, New York-New Jersey) e Ásia (China, Coreia do Sul e Japão). Os portos citados são todos referência-mundial em eficiência, agilidade e sustentabilidade.

Foi em meio a um brutal processo de crise, e de tentativa de privatização de quantas estatais fosse possível, durante o governo de Fernando Collor, que a sociedade de Itajaí iniciou uma luta pela municipalização da gestão administrativa. A partir de 2 de junho de 1995, através de Convênio de Delegação, o Porto passou à administração do município de Itajaí. Esse convênio, que permite juridicamente o funcionamento do Porto, vence em 2022, quando se poderá renová-lo por até 30 anos.

O marco legal portuário no Brasil estabelece basicamente três modelos de exploração do negócio:

1. Exploração de instalações portuárias no interior dos portos organizados, por meio de arrendamentos, precedidos de licitação (Landlord Port). Esse é o modelo de todos os portos públicos do Brasil. Nele, a gestão é pública e a operação portuária é privada. Esse arranjo se estruturou especialmente após a aprovação, em 1933, da Lei nº 8.630, que permitiu que os portos públicos fossem transferindo a operação portuária ao setor privado, através de arrendamentos, passando a se ocuparem somente da administração do porto e de investimentos em infraestrutura de uso comum no empreendimento;

2. Exploração de Terminais de Uso Privado (TUP), fora dos portos organizados, para movimentação de cargas, mediante autorização do Poder Concedente (Fully Privatized Port).

3. Exploração de instalações portuárias no interior dos portos organizados, mediante autorização a operadores portuários pré-qualificados, sem exclusividade de uso das instalações (chamado de Tool Port).

No caso de privatização, não se sabe ainda qual modelo Itajaí adotaria. Uma das características dos processos de privatização aqui e no mundo todo, é a falta de transparência. Mas todos os dados do porto comprovam que não há nenhuma razão para ser privatizado, a não ser o desejo de lucros de uma minoria que nem aparece nas instâncias de discussão do assunto. Por exemplo, desde que o porto de Itajaí é público, a partir de 1995, até dezembro de 2020 o porto expandiu 267% em área. Por outro lado, o município de Itajaí, que passou a administrar o porto, chegou ao grupo de 12 cidades do Brasil com a maior arrecadação de impostos federais. No período de 25 anos mencionado, o porto de Itajaí apresentou um aumento de 598% na movimentação de TEUs (contêineres) e de 391% de crescimento na movimentação de cargas (tonelagem). 

A privatização do porto não é consenso nem entre o empresariado. Uma boa parte dele sabe que, se privatizar, a tendência é haver dispensa de pessoal, o que prejudica vários negócios no entorno do porto. Especialmente os pequenos negócios que, pelo número de empresas, são fundamentais para o emprego. O empresariado teme também o risco do monopólio e a falta de isonomia no tratamento entre os usuários do porto, na medida em que a Autoridade Portuária pode ser exercida por um dos operadores do porto, no caso de privatização. O empresariado que utiliza o porto como fonte de negócios (e não como um ativo para especulação) sabe também que, com a privatização, a tendência é haver o encarecimento dos serviços, com prejuízos gerais para a economia da cidade e região. Nos portos públicos brasileiros, como se sabe, a política é de modicidade tarifária, o que é de interesse da maioria da sociedade.  

O porto de Itajaí é o principal porto da região, sendo o segundo maior do país em movimentação de contêineres, atuando como porto de exportação. Boa parte da produção do Estado escoa pelo porto. A análise de uma série histórica longa da movimentação de cargas do porto de Itajaí revela um crescimento contínuo. Chama a atenção como, mesmo em 2020, um ano de retração de 4,1% do PIB nacional, a movimentação de cargas cresceu significativamente. O total da movimentação do porto no ano passado mostra que por Itajaí embarcaram 3% de todas as exportações do país e ingressam 5,2% de todas as importações. Além disso, o porto respondeu por 78% das exportações do estado e por 52% das importações em 2020. Em termos de corrente de comércio (exportações mais importações), o Porto de Itajaí é responsável por 60% da realizada no estado.

Em termos de agregação de valor o porto é, de longe, o mais destacado do Sul do País: uma comparação de valor agregado em 2020 utilizando o conceito US$ FOB/Kg)[1], mostra que o Porto de Itajaí superou com folga em 2019 não somente todos os portos do Sul, como o maior do país, o de Santos. Em 2018, e em outros anos, o mesmo fenômeno já tinha sido verificado.    

Corrente de comércio é a soma das importações e das exportações de uma determinada região e/ou país em determinado período. Essa informação é importante para verificar o nível de relação do país com o mundo, demonstrada tanto pela capacidade de exportar para os demais países, quanto pelo nível de importação, o que também revela um certo vigor da economia nacional. Em função da existência do porto, a participação de Itajaí na corrente de comércio de Santa Catarina foi de 57,6% em 2018 e de 60,6% em 2019. Em relação ao Brasil a participação do Município foi de 3,7% em 2018 e de 3,9% em 2019.  

             O porto de Itajaí é destaque internacional em cuidado com o meio ambiente. A ANTAQ divulga regularmente o Índice de Desempenho Ambiental (IDA), aplicado desde 2012 pela Gerência de Meio Ambiente e Sustentabilidade (GMS), que é a principal ferramenta para avaliação da gestão ambiental de instalações portuárias reguladas pela Agência. Em 2019, último resultado divulgado, o porto de Itajaí ficou em primeiro lugar na categoria de portos públicos, com 99,47 pontos. É importante observar que desde que o IDA foi implantado, Itajaí sempre ficou em primeiro ou em segundo lugar. O índice, que é aplicado anualmente, na última edição avaliou 31 portos organizados e 92 terminais de uso privado por meio de 38 indicadores agrupados em quatro categorias: econômico-operacionais, sociológico-culturais, físico-químicos e biológico-ecológicos.

Dos 10 portos mais importantes do país, Itajaí ocupa a nona honrosa posição. Além do porto ter colocado o município entre os maiores arrecadadores de impostos federais do país, há uma relação direta entre a renda gerada pelo porto e o bem-estar da população. Se compararmos com cidades próximas, veremos que Itajaí tem uma condição socioeconômica bem melhor do que o conjunto delas. O Ranking dos Municípios com maior Produto Interno Bruto em Santa Catarina de 2018, divulgado pelo IBGE no ano passado, apresenta quatro municípios catarinenses entre as 100 maiores economias do país. Na liderança estão Joinville (28º), Itajaí (36º), Florianópolis (45º) e Blumenau (56º). No referido Ranking Itajaí foi o que mais cresceu entre os 20 municípios de maior PIB (+15,9), com geração de R$ 25,41 bilhões.

Além de ser o segundo PIB do estado, fator diretamente ligado à existência do porto, Itajaí está no epicentro da oitava maior densidade econômica do país, representada pela a concentração urbana de Itajaí-Balneário Camboriú, onde estão localizados os municípios de Balneário Camboriú, Balneário Piçarras, Barra Velha, Camboriú, Itajaí, Navegantes e Penha. Esta elevadíssima densidade econômica está relacionada em boa parte à existência do porto público.

As privatizações são feitas para resolver o problema do Capital e não da sociedade ou do Estado. Privatizar num momento como este, em que o Brasil vem de seis anos seguidos de recessão ou estagnação, situação na qual os preços de todos os ativos foram extremamente depreciados, é um verdadeiro crime de lesa pátria. Especialmente considerando-se o fato de que, no período recente, houve grande desvalorização cambial; portanto, os ativos estão extremamente baratos em dólar. O porto de Itajaí é a mola mestra da economia local. A sua movimentação econômica afeta toda a complexa cadeia logística, funcionando como um motor da economia. Além disso, os salários dos trabalhadores portuários, que são mais elevados que a média, refletem fortemente no movimento do comércio e da própria arrecadação do município.

Segundo a administração municipal, desde a municipalização, em 1995, o porto cresceu 1.400% em termos de movimentação de toneladas e 1.500% em relação à arrecadação de impostos para a cidade. Além disso, o modelo de administração municipal (no qual a gestão é municipal e a operação portuária é privada) possibilita uma integração e comunicação entre porto e cidade, extremamente positiva. A interação, que começou a ocorrer a partir da municipalização, permitiu aos cidadãos enxergarem o porto como um ativo econômico extremamente importante para o município, que gera impostos, emprego, renda e oportunidades. Não há razões de caráter econômico, social ou político para privatizar o porto de Itajaí, pelo menos aquelas que possam ser reveladas em público.

                                                                                     *Economista 10.06.2021.

    



[1] Free On Board. Na tradução literal quer dizer “livre a bordo”. Neste caso, a responsabilidade do embarcador termina no despacho das mercadorias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário