José Álvaro de Lima Cardoso
O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo), do IBGE – que mede a inflação oficial do país – ficou em 0,83%, em
maio. Este foi o maior percentual para um mês de maio desde 1996, há 25 anos.
Até maio o IPCA acumula 8,06%, em 12 meses. O Índice Geral de Preços – Mercado
(IGP-M), da Fundação Getúlio Vargas, alcançou 4,10% em maio e acumula em 12 meses
assustadores 37,04%.
O maior impacto do mês passado veio da energia
elétrica, que aumentou 5,37%. Em maio começou a valer a bandeira tarifária
vermelha patamar 1, que acrescenta R$ 4,169 na conta de luz a cada 100
quilowatts-hora gastos. Segundo os dados do IGP-M o preço da gasolina aumentou
45,80% no último ano, até maio. Conforme o DIEESE, entre junho de 2020 e maio
de 2021, o preço do conjunto de alimentos básicos subiu em todas as 17 capitais
que fazem parte do levantamento que a instituição realiza mensalmente. As
maiores altas foram observadas em Brasília (33,36%), Campo Grande (26,28%),
Porto Alegre (22,82%) e Florianópolis (21,43%). A cesta calculada pelo DIEESE,
que em maio em Florianópolis custou R$ 636,37, é suficiente apenas para uma pessoa
adulta. O DIEESE calcula que o salário mínimo necessário deveria ser
equivalente a R$ 5.351,11, valor que corresponde a 4,86 vezes o salário mínimo nacional
vigente, de R$ 1.100,00. O cálculo é feito levando-se em consideração uma
família de quatro pessoas, formada por dois adultos e duas crianças.
O processo
inflacionário atual tem algumas causas gerais:
1ª) retomada da atividade econômica, principalmente nos
Estados Unidos e China. A economia mundial afundou no ano passado, portanto é esperado
haver recuperação, sobre uma base que caiu muito. O fenômeno vem elevando os
preços das commodities agrícolas e minerais no mundo todo. E o Brasil é o grande
fornecedor de commodities para o mundo;
2ª) a taxa de juros mais baixa vem induzindo um
maior nível de investimentos na produção, o que pressiona também a demanda;
3ª) a alta do dólar encarece os produtos importados
contaminando uma parte dos preços. O Brasil importa uma série de insumos
industriais e produtos agrícolas, como trigo, por exemplo.
O terceiro fator apontado acima sofre uma
pressão extra, em função da “percepção de risco” por parte dos especuladores, decorrente
da instabilidade política e econômica do país. A cada nova informação negativa,
acerca de uma economia já extremamente combalida, assustados proprietários enviam
seus dólares para portos mais seguros, especialmente os EUA. Mesmo estando, a taxa
básica de juros nos EUA, entre 0% e 0,25%.
O
aumento dos preços das principais commodities alimentares no mercado
internacional, como milho e soja, pressiona toda a cadeia de proteína animal no
país, levando a um efeito dominó. Quando a carne bovina encarece os
consumidores fogem em busca de outros tipos de proteínas (frango, suíno, peixe)
e, no momento seguinte, os preços destas sobem também, deixando o consumidor
sem alternativas razoáveis. As alternativas acabam sendo comer menos carne,
substituir por cortes mais baratos, misturar com farináceos. Ou simplesmente
não comer carne. Segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento),
o consumo brasileiro de carne bovina recuou 9% em 2019 e 5% no ano passado.
Recuo de quase 15% em dois anos.
A
proposta do governo Bolsonaro para o problema da fome, foi resumida, com singular
“brilhantismo” pelo ministro da fazenda, Paulo Guedes. No dia 17 de junho, em
evento promovido pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o
ministro propôs que “desperdícios” da cadeia e “excessos” cometidos pela classe
média, ou seja, as sobras de comida, poderiam ser mais bem aproveitadas e
distribuídas aos mendigos e famintos. A ministra da Agricultura, Tereza
Cristina, que também participou do evento, foi ainda mais longe e defendeu a
flexibilização de regras que tratam da validade de alimentos, também como forma
de atuação do governo para o combate à atual disparada dos preços dos
alimentos. A ideia dela é que alimentos considerados vencidos, pelas boas
regras de saúde pública, possam ser vendidos “a baixo custo” ou até mesmo
doados.
As falas
dos ministros são de uma coerência irretocável. Os mesmos facínoras que destruíram
direitos sociais e a economia do país, que acabaram com a política de
valorização do salário mínimo, e que levaram a fome a níveis inusitados, estão
agora propondo distribuir restos de comida e remédio vencidos para os pobres.
Essas são as políticas de enfrentamento da pobreza, típicas de um governo fascista,
fruto de um golpe de Estado e de um processo de fraude eleitoral. Nada poderia
ser mais coerente.
*Economista.
21.06.21
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