Movimento
sindical em meio ao temporal
*José Álvaro de Lima
Cardoso
De 2012 a 2019 os
sindicatos perderam 3,8 milhões de filiados no Brasil, segundo dados da PNAD
Contínua/IBGE, divulgados no dia 26 de agosto. Em 2019, das 94,6 milhões de
pessoas ocupadas no país, 11,2% ou 10,6 milhões de profissionais estavam
associados a sindicatos. Em 2012, 16,1% da população ocupada era sindicalizada
ou 14,4 milhões de profissionais. Na condição de primeira e mais importante
linha de defesa do trabalhador, os sindicatos se movem, historicamente, sob
violento fogo cerrado. Além dos ataques patronais, há inúmeras outras dificuldades
no trabalho de sindicalização e de arregimentação de pessoas para o trabalho
coletivo. No mundo todo há uma mobilização dos trabalhadores que pode ser
considerada de baixa intensidade, que impacta bastante o trabalho de
sindicalização e ação geral do sindicato. Essa é uma situação que começa a
mudar, conforme podemos observar pela movimentação na América do Sul (Chile,
Bolívia, Peru, Colômbia, Brasil, etc.). Mas, por enquanto os sindicatos estão
sendo obrigados a “remar contra a correnteza”.
A
sistemática desqualificação dos sindicatos feita através da mídia comercial,
empresas, instituições em geral torna muito difícil os trabalhadores enxergarem
a importância que exerce o sindicato nas suas vidas. É complicado o trabalhador
comum entender que a existência do salário mínimo é uma conquista fundamental,
numa sociedade na qual quase 60% da população vive com renda domiciliar per capita igual ou inferior ao valor do
salário mínimo, e 43,1 milhões de pessoas, 20,6% da população, vivem em uma situação
de insegurança alimentar. A conquista do salário mínimo, que se estende, direta
ou indiretamente, a 70% da população, é fruto de décadas de lutas organizadas
dos trabalhadores. Ou seja, da luta sindical.
A cultura de valorização do individual,
tão cultivada na sociedade, leva os trabalhadores em geral a achar que
conseguem resolver seus problemas solitariamente, sem a ajuda do sindicato ou
de outras formas de organização coletiva. Uma parcela dos trabalhadores imagina
que se trabalhar muito mais do que a média conseguirá ser reconhecida pela
empresa e subir profissionalmente, sem precisar da ação coletiva do sindicato.
E isso é verdade. O problema é que a fórmula funciona para um trabalhador em
cada mil. Analisado o problema de perto, veremos que todos os direitos
existentes são frutos das lutas coletivas dos trabalhadores.
Outro problema importantíssimo no
trabalho sindical é a elevadíssima rotatividade do trabalho no país. Existem
categorias nas quais a taxa de rotatividade é mais do que 100%, ou seja, são
admitidos e contratados um número de trabalhadores superior ao número total de
trabalhadores no setor. Além disso, aumentam as dificuldades de os dirigentes
estarem na sua base sindical e conversarem com os trabalhadores. Há poucos dirigentes
liberados, especialmente no setor privado. O trabalhador “comum”, em geral, não
quer ser sindicalista, dado o nível de adversidades que a função enfrenta,
incluindo a possibilidade de ficar “amaldiçoado” no setor e não conseguir mais
se reempregar.
É
certo também que a vida duríssima do trabalhador (desemprego, baixos salários,
péssimas condições de trabalho, etc.), dificulta que ele pare para refletir
sobre questões de importância vital. A situação é tão desfavorável que o
trabalhador nem quer parar para ouvir os argumentos dos sindicalistas,
independentemente do assunto. Dessa forma, textos e materiais em geral
produzidos pelo sindicato não são lidos pela maioria dos trabalhadores. Ou por
falta de tempo, medo, desinteresse, falta de curiosidade, etc. Também o assédio
moral e a superexploração dificultam muito o trabalho do sindicato.
O trabalhador, pressionado pelo conjunto
de dificuldades (e, neste momento, em franco processo de perda de renda),
muitas vezes espera do sindicato vantagens de caráter assistencialista, as
quais a entidade não consegue oferecer, por crescentes limitações financeiras.
É certo que o assistencialismo não deve ser praticado pelo sindicato como um
fim em si mesmo. A assistência não é função da entidade sindical, que nem
dispõe de recursos para praticá-la. Porém, dada a extrema gravidade da crise
econômica atual, de desemprego recorde e franco empobrecimento da classe
trabalhadora, se o sindicato dispuser de condições, penso que ele deve amparar
o trabalhador em suas dificuldades. Não existe ação sindical em meio à fome.
Não me refiro à assistência social tradicional, acrítica e como um fim em si
mesmo. É uma ajuda que o sindicato pode prestar ao trabalhador desempregado de
sua base, se isso não ameaçar a sua própria sobrevivência. Mas sempre
vinculando a referida ajuda a um processo de formação básica sobre
sindicalismo, deixando claro para o trabalhador que sua situação não é uma
fatalidade, e sim resultado direto da exploração que ele sofre.
Uma grave dificuldade da ação sindical é
que, historicamente, há uma sonegação à população em geral e à juventude, da
história dos direitos e dos sindicatos. Isso ocorre na escola tradicional, nas
instituições, nas empresas, nos meios de comunicação, etc. A história em geral
é desconhecida, mas principalmente a história dos trabalhadores. Em
consequência, uma parcela significativa da população, especialmente a
juventude, supõe que os direitos existentes “caíram do céu”, ao invés de serem
frutos de décadas de muita luta. Essa visão a-histórica dos direitos, por
ironia, está sendo violentamente negada pela história recente, a partir do
golpe de 2016, quando os direitos estão sendo destruídos em escala e velocidade
industriais.
Dirigentes sindicais, normalmente, não são
preparados (“treinados”) para o trabalho de sindicalização. Além disso, falta
muitas vezes firmeza política e ideológica para o desempenho desse trabalho. A
tarefa de sindicalização requer conhecimento do sindicato e de algumas noções
de economia e de política, que a maioria dos trabalhadores não dispõe. Um
fenômeno que dificulta a sindicalização também é a política antissindical das
empresas, com a disseminação de calúnias, associação do sindicato com
desemprego, ou com corrupção,etc. Isso dificulta muito porque a empresa exerce
grande influência sobre o trabalhador, na medida em que a vida deste e de sua
família dependem do emprego.
Economista, 06/07/2021.
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