*José Álvaro de Lima Cardoso
Além da
pandemia e do governo Bolsonaro que, associados, já mataram mais de meio milhão
de pessoas, há uma tempestade perfeita em curso no Brasil, que coloca boa parte
da população em insegurança alimentar. É a combinação de inflação alta,
desemprego recorde e da ausência de um Auxílio Emergencial que mereça esse
nome. Os índices que medem a inflação no varejo estão chegando aos dois
dígitos, em 12 meses. O IGP-M (calculado pela Fundação Getúlio Vargas) acumula
inacreditáveis 37%. Essa elevação da inflação se tornou mais aguda, justamente quando
o Brasil está próximo dos 10% de sua população em situação de subalimentação.
A
pandemia somente apressou essa situação, mas o tsunami já vinha se armando no
horizonte. Nos anos seguintes ao golpe de 2016 todos os indicadores de pobreza
e concentração da riqueza deterioram rapidamente. Parte da população, sensível
com a dor das “gentes” (aquela que não sai no jornal, diria um grande poeta
brasileiro), como ocorreu em outros períodos, voltou a fazer campanha contra a
fome, o que é muito louvável e necessário. Mas não resolverá o problema,
especialmente quando 10% da população está passando fome. O combate eficaz à
fome tem que decorrer de políticas de Estado.
O retorno
da fome no Brasil é resultado de um processo. Em 2019, já durante o governo
mais subserviente ao imperialismo que o Brasil já teve o desgosto de conhecer,
uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética colocou fim à
política do subsídio do gás de cozinha praticada pela Petrobras. Em meio a um
rápido processo de empobrecimento dos trabalhadores, o governo acabou com a
possibilidade de muitas famílias adquirirem um bem tão essencial, como o gás.
As famílias mais pobres tiveram que optar entre comprar alimentos ou gás, por
isso muitas foram obrigadas a começar a usar lenha ou carvão para cozinhar. Segundo o IBGE, em 2019, 14 milhões de
famílias usavam lenha ou carvão, um número cerca de 3 milhões a mais do que em
2016.
As
políticas decorrentes do golpe de 2016 estão na raiz das causas para o agravamento
da fome. Aprovaram a Emenda 95, do teto de gastos, que congelou todos os gastos
primários do governo. As políticas sociais e programas de transferência de
renda foram sendo esvaziados. Equipamentos de segurança alimentar, como banco
de alimentos, foram fechados de forma criminosa. Ao mesmo tempo o combate aos
direitos dos pobres e dos trabalhadores se dá em todas as frentes e não cessa
nunca. É algo bizarro. Do golpe para cá são centenas (possivelmente mais de
mil), ações destruindo direitos e benefícios dos trabalhadores, sempre
conquistados com décadas de sangue, suor e lágrimas. Podem observar com lupa: não
há uma só ação dos governos golpistas (Temer e Bolsonaro) contra o Capital.
100% das suas ações são contra o povo.
O
espantoso retorno da fome no Brasil, a partir do golpe de 2016, evidencia dois
aspectos centrais: 1º) o fracasso do neoliberalismo enquanto política para resolver
os problemas da sociedade como um todo. Faz quarenta anos que a burguesia só
oferece o neoliberalismo para enfrentar os problemas econômicos, política que destrói
as economias dos países e aumenta problemas sociais e a desigualdade; 2º) outra
coisa que fica evidente é a crueldade da burguesia brasileira, que faz questão
de condenar uma parcela significativa da população, ao martírio da fome.
Não pode
haver dúvidas que, em boa parte, trata-se de crueldade. Tanto é verdade que, em
dez anos, entre 2003 e 2014, a partir da potência do Estado brasileiro, com um
conjunto de políticas articuladas, o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU. O governo
atual não fará políticas para enfrentar a pobreza, que ele considera culpa dos
próprios pobres e não um problema social, decorrente de políticas públicas concretas.
Pelo contrário, como a situação de crise do capital é simplesmente
extraordinária, estão transferindo essa conta para as costas dos trabalhadores.
Sempre
foi assim, é claro, mas de uns anos para cá, em função do agravamento da crise,
o imperialismo não está aceitando na periferia capitalista governo reformistas
e nacionalistas. A ordem é botar abaixo governos com essas características,
substituindo por lacaios. O próprio plano de reconstrução da economia
norte-americana, de Joe Biden, antes de significar o fim do neoliberalismo,
revela a profundidade da crise internacional. Enquanto o governo estadunidense entrega
cheques nas casas dos trabalhadores norte-americanos desempregados, mantêm, há
mais de seis anos, um conjunto de leis e decretos presidenciais contra a Venezuela,
o chamado Bloqueio Econômico. As medidas são mais uma das ações dos EUA
para tentar interferir no regime político do país e controlar as reservas de
petróleo.
Tem que
entender que, afinal, eles exploram o mundo todo, para poder manter sua classe
trabalhadora sob controle. Para isso eles realizaram recentemente golpes de
estado em toda a América Latina, incluindo o do Brasil. Mesmo assim, eles têm
grandes contradições internas com 500.000 pessoas em situação de rua (em
abrigos ou morando ao relento mesmo). E quase 10% da população está em situação
de insegurança alimentar.
*Economista, 22.06.21.
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