terça-feira, 22 de junho de 2021

Inflação, fome e poder imperial

 

                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso

     Além da pandemia e do governo Bolsonaro que, associados, já mataram mais de meio milhão de pessoas, há uma tempestade perfeita em curso no Brasil, que coloca boa parte da população em insegurança alimentar. É a combinação de inflação alta, desemprego recorde e da ausência de um Auxílio Emergencial que mereça esse nome. Os índices que medem a inflação no varejo estão chegando aos dois dígitos, em 12 meses. O IGP-M (calculado pela Fundação Getúlio Vargas) acumula inacreditáveis 37%. Essa elevação da inflação se tornou mais aguda, justamente quando o Brasil está próximo dos 10% de sua população em situação de subalimentação. 

     A pandemia somente apressou essa situação, mas o tsunami já vinha se armando no horizonte. Nos anos seguintes ao golpe de 2016 todos os indicadores de pobreza e concentração da riqueza deterioram rapidamente. Parte da população, sensível com a dor das “gentes” (aquela que não sai no jornal, diria um grande poeta brasileiro), como ocorreu em outros períodos, voltou a fazer campanha contra a fome, o que é muito louvável e necessário. Mas não resolverá o problema, especialmente quando 10% da população está passando fome. O combate eficaz à fome tem que decorrer de políticas de Estado.  

     O retorno da fome no Brasil é resultado de um processo. Em 2019, já durante o governo mais subserviente ao imperialismo que o Brasil já teve o desgosto de conhecer, uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética colocou fim à política do subsídio do gás de cozinha praticada pela Petrobras. Em meio a um rápido processo de empobrecimento dos trabalhadores, o governo acabou com a possibilidade de muitas famílias adquirirem um bem tão essencial, como o gás. As famílias mais pobres tiveram que optar entre comprar alimentos ou gás, por isso muitas foram obrigadas a começar a usar lenha ou carvão para cozinhar.  Segundo o IBGE, em 2019, 14 milhões de famílias usavam lenha ou carvão, um número cerca de 3 milhões a mais do que em 2016.

     As políticas decorrentes do golpe de 2016 estão na raiz das causas para o agravamento da fome. Aprovaram a Emenda 95, do teto de gastos, que congelou todos os gastos primários do governo. As políticas sociais e programas de transferência de renda foram sendo esvaziados. Equipamentos de segurança alimentar, como banco de alimentos, foram fechados de forma criminosa. Ao mesmo tempo o combate aos direitos dos pobres e dos trabalhadores se dá em todas as frentes e não cessa nunca. É algo bizarro. Do golpe para cá são centenas (possivelmente mais de mil), ações destruindo direitos e benefícios dos trabalhadores, sempre conquistados com décadas de sangue, suor e lágrimas. Podem observar com lupa: não há uma só ação dos governos golpistas (Temer e Bolsonaro) contra o Capital. 100% das suas ações são contra o povo.  

     O espantoso retorno da fome no Brasil, a partir do golpe de 2016, evidencia dois aspectos centrais: 1º) o fracasso do neoliberalismo enquanto política para resolver os problemas da sociedade como um todo. Faz quarenta anos que a burguesia só oferece o neoliberalismo para enfrentar os problemas econômicos, política que destrói as economias dos países e aumenta problemas sociais e a desigualdade; 2º) outra coisa que fica evidente é a crueldade da burguesia brasileira, que faz questão de condenar uma parcela significativa da população, ao martírio da fome.

     Não pode haver dúvidas que, em boa parte, trata-se de crueldade. Tanto é verdade que, em dez anos, entre 2003 e 2014, a partir da potência do Estado brasileiro, com um conjunto de políticas articuladas, o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU. O governo atual não fará políticas para enfrentar a pobreza, que ele considera culpa dos próprios pobres e não um problema social, decorrente de políticas públicas concretas. Pelo contrário, como a situação de crise do capital é simplesmente extraordinária, estão transferindo essa conta para as costas dos trabalhadores.

     Sempre foi assim, é claro, mas de uns anos para cá, em função do agravamento da crise, o imperialismo não está aceitando na periferia capitalista governo reformistas e nacionalistas. A ordem é botar abaixo governos com essas características, substituindo por lacaios. O próprio plano de reconstrução da economia norte-americana, de Joe Biden, antes de significar o fim do neoliberalismo, revela a profundidade da crise internacional. Enquanto o governo estadunidense entrega cheques nas casas dos trabalhadores norte-americanos desempregados, mantêm, há mais de seis anos, um conjunto de leis e decretos presidenciais contra a Venezuela, o chamado Bloqueio Econômico. As medidas são mais uma das ações dos EUA para tentar interferir no regime político do país e controlar as reservas de petróleo.

     Tem que entender que, afinal, eles exploram o mundo todo, para poder manter sua classe trabalhadora sob controle. Para isso eles realizaram recentemente golpes de estado em toda a América Latina, incluindo o do Brasil. Mesmo assim, eles têm grandes contradições internas com 500.000 pessoas em situação de rua (em abrigos ou morando ao relento mesmo). E quase 10% da população está em situação de insegurança alimentar.                                                                               

                                                                                                *Economista, 22.06.21.

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