*José Álvaro de Lima
Cardoso
Em qualquer
país as políticas econômicas adotadas são sempre uma opção de quem detém o
poder. Obviamente as políticas escolhidas se baseiam em alguns parâmetros
técnicos, é muito difícil sustentar qualquer coisa apenas apoiado em ideologia.
Mas a política econômica é, essencialmente, uma opção de quem detém o poder na
sociedade.
Por exemplo, a fome e a pobreza voltaram a
crescer no Brasil depois do golpe, após o pais ter saído do Mapa da Fome em
2014. A partir de 2016 todos os indicadores pioraram e a fome retomou e já
campeia no Brasil, que deve voltar para o Mapa da Fome da ONU. Esta foi uma decisão técnica errada dos
governos Temer e Bolsonaro, ou é opção de política econômica? Claro que tem muita
incompetência nisso aí também, mas esta é, principalmente, uma decisão
política. Não que eles quisessem que a política econômica levasse ao aumento da
fome, até porque isso causa instabilidade política. Mas a volta da fome foi uma
decorrência da política que eles adotaram conscientemente. Para Michel Temer
foi mais importante doar um trilhão de reais para as multinacionais de
petróleo, (através da “MP da Shell”) do que manter ou ampliar os gastos com a
política de combate à fome. Ou seja, o aumento da fome não foi um objetivo, mas
decorrência direta da escolha de política adotada. Para eles o ideal seria que
não houvesse fome, mesmo com as migalhas que destinam para a questão social.
Em muitas temáticas, não se trata de ter
ou não conhecimento do problema, ou adotar medidas tecnicamente “erradas”. É
uma opção de não resolução de uma questão que, para a maioria da população é um
problema, mas para as elites muitas vezes é uma solução. Por exemplo, a regressividade do sistema
tributário (o fato de que os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos),
além de ser injusto, atrapalha o desenvolvimento do país. Por que o problema
não foi resolvido, já que é conhecido já uns 50 anos, no mínimo? Porque para os
mais ricos, que detém o poder, não é um problema, mas uma baita solução.
Um exemplo muito simples: a questão do
exército de desempregados, chamado de exército industrial de reserva. Nós, os ingênuos,
em 2014, elogiávamos o fato de que o Brasil tinha a menor taxa de desemprego da
história e, em alguns estados havia até algo próximo ao chamado “pleno emprego”.
E achávamos que a opinião era unânime. Mas boa parte do empresariado,
especialmente aquele que tem consciência de classe, não gostava daquele
resultado, porque sabia que isso traz o “risco” de aumentar salários e diminuir
suas margens de lucros.
A aprovação da contrarreforma da
previdência, recentemente, mostrou também que a questão não é técnica. O DIEESE
e outras instituições especializadas produziram milhares de páginas, estudos
técnicos, provando que 98% dos argumentos que o governo utilizou para aprovar a
contrarreforma da previdência são mentirosos. Foi realizada uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional, presidida pelo senador
Paulo Paim, em 2018, que organizou vasta documentação provando que não existe
déficit na previdência social. Nada adiantou, o resultado da CPI foi
simplesmente escondido da população. Eles aprovaram a contrarreforma, e pronto.
É possível usar outro exemplo. Mesmo
usufruindo de todas as vantagens de ser o principal país imperialista da terra,
os EUA enfrentam grandes contradições internas, porque o seu modelo de
desenvolvimento gera imensa desigualdade social. O país possui, por exemplo, mais
de 40 milhões de pobres. Isso representa uma verdadeira bomba relógio, pois uma
sublevação dos trabalhadores dentro do país imperialista mais rico do mundo
teria um efeito político, econômico e social, simplesmente imprevisível. Mas a pobreza
é um efeito colateral da opção de política econômica dos governos nas últimas
décadas. Os estrategistas do Estado norte-americano sabem que as políticas
neoliberais, de destruição do Estado de bem-estar social (que já era fraco), levam
à pobreza, mas optam por isso porque o objetivo é salvar os lucros do capital.
Do ponto de vista econômico, trata-se de fria racionalidade.
Da mesma forma, o Brasil não se tornou o
epicentro do covid-19 porque os que estão no poder são burros. O fato é
decorrência de uma opção de política econômica que é não gastar com a proteção
da população. O governo Bolsonaro está preocupado em colocar dinheiro no cofre
dos banqueiros. Não quer gastar com a população, por isso a política de combate
ao coronavírus se resume a um isolamento “meia boca”, sem investimentos em
saúde, sem testagem, sem nada. Claro que os responsáveis por essa política não
desejavam que o Brasil se tornasse o centro da crise no mundo. Esse resultado,
efeito decorrente da política adotada, era um risco.
Na reunião ministerial de 22 de abril, cuja
publicação foi liberada recentemente pelo STF, o ministro da Economia Paulo
Guedes, disse ao menos quatro coisas muito polêmicas (que foram escondidas na grande
mídia):
1. Falou em privatizar “essa
porra” do Banco do Brasil. Detalhe: o Banco
do Brasil registrou lucro líquido contábil de R$ 18,16
bilhões em 2019. O resultado representa um aumento de 41,2% na comparação
com 2018, quando a instituição lucrou R$ 12,86 bilhões. Ou seja, quer entregar
a preço de banana uma empresa que dá lucro de R$ 18 bilhões num ano;
2. Confessou que colocou uma granada no bolso do funcionalismo público (ficar sem reajuste até dezembro de 2021). Já tinha se referido anteriormente ao funcionalismo como “parasita”;
2. Confessou que colocou uma granada no bolso do funcionalismo público (ficar sem reajuste até dezembro de 2021). Já tinha se referido anteriormente ao funcionalismo como “parasita”;
3. Disse que o governo ganharia
dinheiro se associando a grandes empresas no pós-pandemia: “Nós vamos botar
dinheiro, e vai dar certo e nós vamos ganhar dinheiro. Nós vamos ganhar
dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós
vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”.
4. Afirmou que pretende
contratar 1 milhão de jovens, junto ao Ministério da Defesa, pagando R$ 200
mensais, para usar como mão-de-obra barata.
Esses quatro pontos, pode-se dizer, compõem
uma síntese de um programa de governo, mas não têm nada de estritamente “técnico”.
Tecnicamente, aliás, estas medidas são desastrosas, todas elas pioram a
situação do país. Mas a questão não é técnica, trata-se no fundo de um programa
à serviço exclusivamente do grande capital, especialmente o capital financeiro.
O lema é: tudo para o grande capital, nada aos pequenos e pobres.
São afirmações cristalinas do ministro,
que jamais seriam ditas daquela forma em público. Guedes defenderá as mesmas
políticas em qualquer entrevista, mas elas virão floreadas de “embasamento
técnico”. Que não passariam de argumentos vazios, pois nada pode sustentar
aqueles argumentos a não ser uma imensa vigarice e um compromisso absoluto com
a grande burguesia.
A lista de ações econômicas que realmente
interessa a esmagadora maioria da população é bastante conhecida e todas tecnicamente
muito sustentáveis. Mas sua implementação mexe diretamente com interesses de
classes, portanto passa por mudanças na correlação de forças. Esse pessoal que
está no poder, fruto de golpe de estado e fraude, não irá melhorar a vida do
povo, porque está à serviço de interesses econômicos e políticos, estrangeiros.
*Economista
27.05.20
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