*José
Álvaro de Lima Cardoso
A
intensidade dos problemas econômicos nos EUA, epicentro do capitalismo mundial,
é um termômetro da gravidade da crise atual. O Fundo Monetário Internacional (FMI)
calcula que a economia norte-americana irá apresentar retração em 5.9% no seu Produto
Interno Bruto (PIB), o que é, possivelmente, inédito. Este resultado interrompe
um ciclo de 10 anos de crescimento, iniciado em 2010, a partir da grande
recessão mundial ocorrida no período 2007-2009. Período de crescimento considerado
incomum, não só pela sua duração, como também pela taxa razoável de crescimento
(2% ao ano, em média).
A queda abrupta e profunda do
PIB com a crise atual, levou a um crescimento dramático do desemprego na maior
economia do planeta. O país registrou em abril um índice de desemprego de
14,7%, o mais elevado em mais de 70 anos, desde que os registros começaram a
ser realizados em 1948. O desemprego saltou de 3,5% em fevereiro, menor
percentual da história, para os 14,7% de abril, resultado direto da depressão
causada pela pandemia. Segundo o Departamento de Emprego dos EUA, até 20,5
milhões de pessoas perderam o emprego em abril último.
Segundo o governo dos EUA a crise
atual já destruiu, em um mês, todos os empregos gerados após a grande crise econômica de 2007/2009. Para efeito de comparação, durante
aquela crise, os Estados Unidos, alcançaram um pico de desemprego na casa de
10%, em outubro de 2009. No período todo da crise foram liquidados 8,7 milhões
de postos de trabalho, contra mais de 20 milhões em um mês, nesta crise. A
brutal taxa de desemprego nos Estados Unidos, é agravada pela imensa
desigualdade, que aflora no indicador de desemprego: o índice geral, por si só já
explosivo, ainda varia bastante entre as etnias. Entre os brancos o desemprego foi
de 14,2% em abril, para os afro-americanos foi de 16,7% e, entre os hispânicos chegou
a 18,9%.
No regime capitalista o
mercado de trabalho sempre foi uma variável de ajuste do capital. Na hora H,
quando a crise aperta, o empresariado demite os trabalhadores sem pestanejar. Daí
também a luta histórica entre as classes sociais em torno da legislação
trabalhista. Se dependesse dos empresários não haveria nenhum tipo de regulamentação
para o mercado de trabalho, na medida em que “atrapalha” o ajuste dos custos quando
vem a crise econômica. Ou seja, os empresários querem liberdade para demitir
sumariamente quando a crise aflora, como acontecia antes da existência dos
sindicatos. Ou como acontece hoje com os trabalhadores da economia informal. É
inclusive o apoio empresarial ao programa ceifador de direitos de “Bolguedes”,
que explica, em parte, a resistência de Bolsonaro, apesar das atrocidades
cometidas diariamente no cargo de presidente. Mas o fato é que a existência do posto
de trabalho, no sistema capitalista, só se justifica se o capitalista puder se
apropriar de uma parte do valor produzido pelo trabalhador. Não é uma questão de
o capitalista ser “bom” ou “mau”, faz parte da natureza do sistema.
Entre países subdesenvolvidos,
regra geral, nunca houve uma cultura de preservação dos empregos. Esta, aliás,
é rara de encontrar mesmo nos países capitalistas centrais, como fica evidente
nos dados de emprego nos EUA, descritos acima. Na hora do agravamento da crise
econômica os empresários têm uma hierarquia de estratégias para enfrentar o
problema, na qual o sacrifício do emprego é uma das primeiras. A taxa de
rotatividade no Brasil, inclusive, que sempre esteve nas alturas, revela como
as demissões estão entre as estratégias preferidas dos patrões na hora do
aperto trazido pela crise. Se a taxa de rotatividade é monstruosa, a ponto de
em algumas categorias rodar 100% do quadro em um único ano, é porque não é
oneroso demitir, como os patrões alegam no Brasil.
No Brasil estão aproveitando a
pandemia para transferir o principal do ônus da crise para o trabalhador, como
são exemplos a Medida Provisória 937 e a MP 905, e outras. Ao final da
pandemia, inapelavelmente o trabalhador estará mais pobre e o padrão de renda e
emprego, que já vinha em processo de deterioração nos últimos anos estará em um
patamar inferior.
Um exemplo de como as elites
endinheiradas no Brasil tratam a população. O Ministério Público do Estado Mato
Grosso, instituiu no mês de abril um “Bônus covid” de até R$ 1.000 para
procuradores, promotores e servidores usarem em gastos de saúde durante a
pandemia. A medida, de 04 de maio de 2020, terá um custo de R$ 680 mil por mês.
Procuradores e promotores têm direito a R$ 1.000 e os demais servidores a R$
500. O ato administrativo do Ministério Público de Mato Grosso, surge num
momento em que a população mofa nas filas da Caixa Econômica Federal tentando
sacar os miseráveis R$ 600,00, para não morrer de fome.
Um segundo exemplo da
“consideração” com que tratam o povo no Brasil. No dia 06 a Câmara dos
Deputados aprovou em segundo turno a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
10/2020, que permite ao Banco Central (BC) adquirir papéis podres dos grandes
bancos e investidores, sem nenhum limite de valor. Especialistas que acompanham
de perto o assunto, afirmam que a PEC irá aumentar a dívida pública em vários
trilhões de reais. Enquanto o governo propõe destinar R$ 200 reais mensais para
os desempregados e desamparados (os R$ 600,00 vieram através de negociação, a
partir de uma proposta de R$ 1.000,00 da oposição) aprovam uma PEC que irá
aumentar exponencialmente a dívida pública, a qual, no final das contas, será
paga pela população.
O grande empresariado se sente
tão à vontade, num país onde metade da população está dependendo dos R$ 600,00
da Renda Emergencial para não morrer de fome, que às vezes alguns deles tem
ataques de “sinceridade inconveniente”: Guilherme Benchimol, presidente e
fundador da XP Investimentos, afirmou na semana passada que o Brasil está indo
no caminho certo e já superou o coronavírus nas classes altas e médias. Afirmou
em entrevista: “Acompanhando um pouco os nossos números, eu diria que o Brasil
está bem. Nossas curvas não estão tão exponenciais ainda, a gente vem
conseguindo achatar. Teremos uma fotografia mais clara nas próximas duas a três
semanas. O pico da doença já passou quando a gente analisa a classe média,
classe média alta” (Revista Fórum na Internet, 05.05.20).
A crise atual é muito grave,
porque é uma combinação de:
1. crise econômica mundial inusitada;
2. crise econômica brasileira muito violenta: Brasil vem de três anos de
estagnação, após dois anos de brutal recessão (2015/2016) (muito piorada por um
golpe de Estado);
3.uma pandemia que já é a mais grave do último século;
4.crise política dramática, com grande polarização na sociedade.
Como, segundo a sabedoria popular, “desgraça pouca é bobagem”, essa combinação
de crises acontece no momento em que o Brasil tem o pior governo da história,
em todos os aspectos.
*Economista
11.05.
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